sábado, outubro 30, 2004

Diz-me tu a verdade, mestre.

“Um príncipe deve fazer pouco caso da fama de cruel a fim de conservar os seus súbditos unidos e fiéis. Não são mais piedosos aqueles que, por demasiada piedade, deixam prosseguir as desordens de que nascem mortes ou rapinas.”
Maquievel - O Príncipe

Que maldição devora as grandes dinastias do Ocidente? Que trágico destino os desfavorece? Que praga lançaram os deuses sobre os aristóteles, os alexandres, os césares, os apóstolos, os merovíngios, os da távola redonda, os santos agostinho, os imperadores do sacrossanto império germânico-romano, os medicis, os sforza, os bórgias, os maquievel, os habsburgos, os fairfax,os cromwell, os stuart, os romanov, os bourbon, os bragança, os luíses, os salieri, os richelieu,os robespierre, os rousseau,os montesquieau, os napoleões, os bolívares, os lincoln, os príncipes de gales, os nazis, os churchill, os degaule,os roosevelt, os sovietes, os martin luther king, os kennedy?
Há um horror sublime e submerso na profundidade homérica das vidas de quem governa os povos, como há um horror imenso e imerso na dimensão trágica das vidas de quem foi governado por esta gente infeliz.
Consanguíneos desastres da ontologia, génios obscuros e distópicos - animais no zoo da falácia! - tiranos acéfalos, patetas e cobardes da história da administração pública, guerreiros ensandecidos, assasinos de suas mães e exterminadores dos filhos que fizeram em má hora, profetas da desgraça humana, líderes de um mundo escravo, estadistas da vã glória, monarcas de si mesmos, pederastas da moral - todos! Que terrível estigma contagia a gente distinta que construiu com sangue e azáfama de usurário este lado porreiro do mundo?
Porque são tão infelizes os imperadores da razão política?
Alguém me consegue explicar, mesmo que por amor de um deus ausente, porque castigam as leis da providência aqueles que, para o mal ou para o bem (activos mobiliários em comércio na bolsa de valores da história universal), assumem o desígnio de levantar a civilização?
Hã?

segunda-feira, outubro 25, 2004

Saudades do Almada

BASTA PUM BASTA
Uma geração que consente ser informada pela Manuela Moura Guedes é uma geração que nunca o foi. É uma audiência d'indigentes, d'indignos e de cegos! É um tele-público de charlatães e de vendidos, e só pode parir abaixo do zero!
Abaixo a geração!
Abaixo a Manuela!
Morra a Manuela, morra! Pim!
Uma geração com a Manuela a cavalo da moral é um burro impotente!
Uma geração com a Manuela à proa do prime time é uma canoa em seco!
A Manuela é uma cigana!
A Manuela é meio cigana!
A Manuela é um pau de virar tripas!
A Manuela saberá cantar, saberá parlamentar, saberá opinar, saberá desopinar, saberá desopilar, saberá disparatar, saberá tudo menos informar que é a única coisa que ela teima em fazer!
A Manuela pesca tanto de jornalismo que até faz notícias com a Quinta das Celebridades!
A Manuela é uma habilidosa!
A Manuela veste-se mal!
A Manuela especula e inocula os concubinos!
A Manuela é Manuela!
A Manuela é Moura!
A Manuela É Guedes!
Morra a Manuela, morra! Pim!
Não é preciso ir prá TVI pra se ser pantomineira, basta ser-se pantomineira!
Não é preciso disfarçar-se pra se ser salteadora, basta falar como a Manuela! Basta não ter escrúpulos nem morais, nem éticos, nem humanos! Basta andar com as modas, com as políticas, e com as opiniões! Basta usar o tal sorrisinho, basta ser muito delicada e usar baton e olhos espertos! Basta ser judas! Basta ser Guedes! Basta Ser Moura! Basta ser Manuela!
A Manuela é um tele-ponto dela própria!
A Manuela em génio nem chega a pólvora seca e em talento é pim-pam-pum.
A Manuela nua é horrorosa!
A Manuela cheira mal da boca!
A Manuela Moura Guedes é a minha impotência!
Morra a Manuela, morra! Pim!
A Manuela é o escárnio da consciência!
Se a Manuela é portuguesa eu quero ser espanhol.
A Manuela é a vergonha da televisão nacional!
A Manuela é a meta da decadência mental!
E ainda há quem não core quando diz admirar a Manuela!
E ainda há quem lhe estenda a mão!
E quem lhe lave a roupa!
E quem tenha dó da Manuela!
E ainda há quem duvide de que a Manuela não vale nada e não sabe nada e que nem é inteligente nem decente nem zero!
(...)
Continue a Dona Manuela a desinformar assim que há-de ganhar muito com o Share e há-de ver que ainda inspira um instalação em Serralves, uma exposição das maquetes pró seu monumento erecto por subscrição nacional da "Caras" a favor dos oprimidos da Palestina, e o Parque das Descobertas mudado para Parque da Dra. Manuela Moura Guedes, e com festas da Cidade plos aniversários, e Contraceptivos em conta "Manuela" e pasta de dentes Manuela, e BigMac’s Manuela e um jogo de Consola Manuela Ataca à Dentada, e Prozac Manuela, e autoclismos Manuela e Manuela, Manuela, Manuela, Manuela... E Ice Tea Manuela - Light.
(...)
Portugal, que com senhoras e senhores assim conseguiu a classificação do país mais atrasado da Europa e de todo o mundo! O país mais selvagem de todas as Áfricas! O exílio dos degredados e dos indiferentes! A África reclusa dos europeus! O entulho das desvantagens e dos sobejos! Portugal inteiro há-de abrir os olhos um dia - se é que a sua cegueira não é incurável e então gritará comigo, a meu lado, a necessidade que Portugal tem de ser qualquer coisa de asseado!
Morra a Manuela, morra! Pim!

sábado, outubro 16, 2004

Átila, o Flagelo de Deus.

451 D. C. - Depois de infligir graves derrotas e submeter a tributo os imperadores de Toma e de Constantinopla, Átila e o seu terrível exército de 50.000 hunos atravessa a Germânia como se nada fosse e devasta a Gália. O império romano está entre a espada e a agonia e Valentiniano - cauteloso e sábio césar - convoca Aécio, o seu melhor general, para travar um dos combates militares mais dramáticos e intensos da antiguidade e salvar o mundo civilizado.
Aéssio passara anos nos balcãs a treinar estes mesmos hunos e teve frequentemente em Átila um poderoso aliado contra as hordas visigodas. Foi aliás pelas inúmeras batalhas que travou pelo império, que Átila pensava ser o único rei do seu tempo com legitimidade para herdar - ou roubar - a púrpura romana.
Genial estratega na melhor tradição dos grandes líderes militares romanos, Aéssio percebe rapidamente que as suas legiões se encontram em desvantagem anímica e numérica e recorre de imediato à implementação de uma estratégia diplomática que envergonharia Francis Dracon, convencendo os Visigodos de Teodoro e os Francos de Meroveu (sim, o patriarca da dinastia merovíngia de que tanto fala Dan Brown) a assumirem uma aliança com o santo império, enormidade trágica que haviam de pagar em sangue abundante nos campos Cataláunicos. Numa monumental orgia de violência e crueldade inigualável - 60.000 mortos em menos de 48 horas - decide-se o futuro do Ocidente. Apesar da mortandade assolar os dois lados da contenda, Aéssio acaba por dominar a situação, mas de forma a restabelecer o frágil equilíbrio das fronteiras do norte, permite conscientemente a fuga de Átila e do que restava do seu exército.
Como vigoroso bárbaro e obstinado conquistador que era, Átila recupera num ápice e dirige-se para Itália logo no ano seguinte. Arrasa Aquileia, Milão e Pavia e detém-se às portas de Roma para reorganizar as tropas: o trono dos césares está finalmente ao seu alcance. É então que acontece um dos mais inconcebíveis eventos da história da diplomacia. O Papa Leão, o Grande, dirige-se ao aquartelamento do Rei Huno e consegue o prodigioso feito de convencer Átila a abandonar as suas intenções de conquista e usurpação e a retirar-se - como um magnífico cordeiro no melhor rebanho de Cristo - da Península Itálica. Considerando que o Vaticano não possuia à altura algo que se assemelhasse a um exército, que este Papa tinha anteriormente atribuído a Átila a elogiosa alcunha de “Flagelo de Deus” e que nada impedia o Rei Huno de muito simplesmente o mandar cozinhar para banquete da soldadesca, a circunstância ganha estatuto lendário. Escreve-se hoje que Átila tinha motivações bem mais prosaicas para fugir de Roma. Por exemplo: o medo de uma epidemia. Seja como for, o Huno retira-se para Panónia, nas margens do Danúbio, onde acaba por morrer, vitimado pela ressaca de uma bebedeira épica (facto). Com o seu desaparecimento, o reino dos Hunos desintegra-se definitivamente. Mas fica, ao menos, esta noção utilíssima de que os impérios fazem-se e defendem-se assim: alterando alianças, ignorando acordos, pelejando imenso, morrendo à barda, traíndo muito e arriscando deveras.

segunda-feira, outubro 11, 2004

Desenrascanço: uma abordagem enciclopédica.

Capital mundial do improviso, Portugal é um país de criativos ao minuto. Conscientes deste facto relevante para a história universal, os redactores da wikipedia (uma enciclopédia online verdadeiramente notável) editaram uma entrada sobre o assunto que é simplesmente deliciosa. Do Quinto Império a McGiver, tudo o que precisamos de saber sobre o desenrascanço, essa magnífica ferramenta civilizacional que até o mais comum dos tugas oferece diária e generosamente ao acervo megalómano das grandes conquistas da humanidade.

domingo, outubro 03, 2004

The world says no to female slavery.

A minha querida amiga Carla de Elsinore tem, já vai para uns meses, como subtítulo do seu muitíssimo competente blog, a seguinte afirmação: "The world says no to Bush".
Parece-me - e já lho disse - um pouco triste introduzir tão ilustre blog com uma afirmação destas. Afinal, trata-se de um manifesto contra alguém que nem merece o manifesto. E, por outro lado, é sempre um bocadinho ousado falar pelo mundo todo. A Carla assume que todos estamos de acordo sobre este assunto (inclusivamente os republicanos de New Hampshire, os boers da Cidade do Cabo,os australianos de Adelaide, os bandidos das Pampas ou o diabo que os carregue), o que não é pretensão pouca. Mas o que me incomoda mais nisto, é que a minha querida amiga não abre o blog dela manifestando o seu repúdio por terroristas, ditadores, senhores da guerra ou facínoras civilizacionais, e há por aí tantos que - reconheço - é difícil escolher um para parangona de blog. Apesar de todos os horrores últimos, a preocupação fundamental da Carla está concentrada num tipo que os americanos escolheram (e desgraçadamente vão voltar a escolher) para chefe de tribo. E, mal ou bem, os americanos lá vão tendo a sua democraciazinha, que até deixou um rasto de liberdade pela opressora e opressiva história universal da infâmia que é a rábula dos homens e das mulheres que têm vindo, século após século, a infestar o mundo. Ora, quem elegeu Bin Laden? Os talibans? Fidel Castro? Kim Jong-il? Arafat? Al Zawari, e já agora, Saddam Hussein? De que tradição de decência, dignidade e humanismo (terrível palavra) resultam estes personagens ausentes do ódio da Carla? Quem é que elegeu estes tipos todos contra os quais a prezada blogger nunca deixou vestígio de revolta e que acham, por exemplo, que as mulheres devem ser tratadas abaixo de um cão com cólera? Sim, quem deu legitimidade a esta gente de que não fala a rebeldia do Welcome to Elsinore e que persegue as pessoas porque pertencem a um determinado sexo, porque nasceram numa determinada casta, porque não acreditam num determinado deus, porque não seguem uma determinada visão da história, porque não pactuam com uma determinada fé política? Porque será, minha querida amiga, que teimas em identificar os teus inimigos no âmbito da tua civilização? Da tua civilização que te reconhece a dignidade de seres mulher, de teres opinião, de dares subtítulos idiotas aos blogs que crias em liberdade? Neste sentido, não achas que seria mais sensato defenderes o teu lado do mundo? Nem que fosse por seres mulher. Nem que fosse por seres jornalista. Nem que fosse por respeito que deves à tua própria inteligência. Desafio-te assim, a colocares como subtítulo do teu blog, o título deste meu post. Ou então, caramba, assume a burka de uma vez por todas! E se não souberes para que lado fica Meca, telefona.

Da natureza do génio.

“Muss es sein? Es muss sein! Es muss sein!”

- Ludwig van Beethoven, comment written on the finale of his String Quartet in F Major, Op. 135

Ludwig van Beethoven. O nome, gordo e grandiloquente, soa génio e ele era um. Trincado pelos maus tratos de seu pai, que o queria em criança bobo da corte como Mozart (para desgraça de todos), passado a ferro pela crueldade da vida e humilhado pelo seu próprio temperamento de touro na arena, espancado pelo desgosto de amor (ele, que só teve um amor), empalado na sua moral austera, crucificado pela surdez, garroteado pela ausência de talento do sobrinho que amava, encornado pelo irmão, vilipendiado pela doença, aprisionado em Viena, enlouquecido pela solidão; Beethoven transcendeu o desespero e gritou arte a viva voz. A um dado passo, na sua última sinfonia - a Nona - compõe para a Ode à Alegria de Schiller uma partitura que parece perdoar a humanidade e os deuses e a cruz que nos espera a todos. Mas não. O grande mestre da história da música não perdoa ninguém e muito menos os deuses. E porque é que eu sei isto? Porque ele próprio o escreveu: “Muss es sein? Es muss sein! Es muss sein!” Pois tinha que ser assim e não podia ser de outra maneira. Tinha que ser surdo o génio, tinha que ser pisado e insultado, tinha que ser castrado e enfurecido, injustiçado e diminuído, ignorado e humilhado. Não seria a arte imortal se fosse ausente das dores da vida. E não seria humano quem, mesmo assim, perdoasse o verdugo. Filósofos e escritores, biógrafos e clubes de fãs andam à séculos às voltas com o imperativo categórico do Opús 135, sem perceber coisa alguma. O palerma do Milan Kundera (meu quixotesco e falacioso herói de adolescência) até vendeu a história de que o estranho epigrama resultava de uma zanga entre o mestre e uma das suas incontáveis mulheres a dias. Disparate enorme. O que Beethoven quis deixar claro é cristalino: o que tem que ser, tem muita força. E a força da Nona Sinfonia só resulta da angústia que nos oferece o mundo, o homem e a religião. Neste sentido, creio bem que a arte, para Ludwing van Beethoven, era uma espécie de vingança.