domingo, janeiro 30, 2005

O voto contra o terror.

60% dos iraquianos foram votar. Apesar dos bandidos, das ameaças, da violência, do fanatismo religioso e étnico, do cepticismo internacional. Em Bagdad, uma cidade maioritariamente sunita, votaram mais de 4 milhões de pessoas. É claro que tudo pode ainda acontecer, para o bem ou para o mal, mas o voto popular contra o terrorismo já está lá depositado, no coração do médio oriente.

sábado, janeiro 29, 2005

E São Pedro, não manda nada?

Hoje o Expresso da Meia Noite dedicou-se evangelicamente às alterações climáticas. Os moderadores convidaram aquele proverbial senhor da Quercus, mais dois engenheiros do apocalipse e, para aparentar alguma decência deontológica, lá aturaram uma voz discordante, na pessoa do Engenheiro Rui Moura, que se fartou de rir (aliás, como eu). As chamadas alterações climáticas e os denominados aquecimentos globais e os apelidados degelos glaciares e esses alarmes todos de nomes sonantes e terrífico imaginário servem para vender jornais, enriquecer produtores de cinema, promover políticos, desenterrar carreiras científicas e assustar as pessoas (o que é um excelente negócio). Mas não servem rigorosamente para mais nada. E não servem rigorosamente para mais nada porque o homem do século XXI - com a sua presumida atitude de aprendiz de feiticeiro - não passa de um ser ignorante.
Sobre este assunto já tinha deixado algumas notas no Ocidental Praia, mas ainda assim sinto, como um dever, a responsabilidade de dizer o seguinte:

Primeiro: não é verdade científica que exista algo parecido com um aquecimento global. É verdade científica que existem áreas do planeta onde a temperatura sobe, como é verdade científica que noutras áreas os termómetros registam o inverso. Como muito bem disse o Engenheiro Rui Moura, o clima não é um fenómeno global, retirado de uma média matemática. O clima palnetário é antes um logaritmo complexo de variáveis regionais, cujo resultado é simplesmente ignorado por toda a gente.
Segundo: não é verdade científica que as calotes polares estejam a derreter. É verdade científica que existem áreas polares onde o gelo está a perder volume, como é verdade científica que noutras áreas polares o gelo está a ganhar volume.
Terceiro: qualquer tese que associe um eventual aquecimento das temperaturas à actividade humana (leia-se: libertação de carbono na atmosfera) está para a ciência como a astrologia está para a macro-física. Ainda me hão-de explicar estes sábios de manchete garantida como é que o carbono é um elemento perigoso num ecossistema primeiramente constituído de... carbono. Por outro lado, um recente estudo da NASA demonstra que as alterações da actividade solar determinam o ritmo da formação de nuvens na atmosfera, bem como a variação dos seus níveis de ozono. Este estudo do Dr. Petra Udelhofen ajuda-nos a perceber que o efeito de estufa e o consequente aquecimento global pode depender directamente da cíclica intensificação dos fluxos de radiação solar que atingem a terra e não da quantidade de dióxido de carbono libertada pela civilização humana.
Quarto: mesmo que as temperaturas estivessem a subir uniformemente e à escala global, mesmo que o gelo na terra estivesse a passar ao estado líquido, ninguém (ninguém mesmo) poderia realmente afirmar que tal situação não resultaria simplesmente de uma mutação climatérica natural, como já aconteceu tantas vezes na história do planeta. Que eu saiba, a última era glaciar, que ocorreu à 13.000 anos atrás, não se deveu ao desenfreado consumo de resíduos fósseis pela civilização humana, que na altura deambulava alegremente pela idade da pedra.

Este debate da SIC Notícias foi aliás paradigmático: confrontados com um aumento da temperatura de 0.6 graus centígrados nos últimos mil anos, os três "verdes" fingiram ignorar que é possível determinar as temperaturas do passado através do estudo das camadas geológicas e, assobiando para o lado, desacreditaram os números. Para estas mentes brilhantes, os números só prestam quando apoiam os delírios próprios (sobre os quais assentaram comodamente as suas respeitáveis carreiras). Para estas moderníssimas cabeças, os satélites - esses sim - é que evidenciam bem o cataclismo através de fotografias dramáticas sobre o estado do planeta, desconhecendo eu e - suponho - aqueles que têm juízo, com que fotos por satélite do ano 1905 ou do ano 1805 ou do ano 44 ou do ano 3.550 A.C. comparam eles estes dados de gravidade maluca.

A fraude do aquecimento global e das alterações climáticas é tratada em Portugal e não só, com a filosofia de redacção do jornal "O Crime" (até porque ningém vende jornais informando a audiência que o clima do planeta está benzinho, obrigado). Na dúvida (não cartesiana) injecta-se medo e mito na populaça. A propósito da vaga de frio (muito estranha em Janeiro) que foi ouro de primeiro quilate para as manchetes dos orgãos noticiosos todos, vi no outro dia, num destes momentos de apodrecimento da verdade a que chamamos telejornal, uma jovem inquisidora insistindo com um transmontano, enquanto lhe enfiava o microfone na boca: então o senhor não tem frio? E o Transmontano: não, menina, nós aqui estamos habituados a isto. E ela, já irritada: Mas não diga que não acha esta temperatura anormal! E o homem, pachorrento: Não, menina, Janeiro é mês de cieiro. A gente agasalha-se e dá mais madeira ao fogo. A menina, que deve ser de Faro e que, com o seu fatinho saia casaco de repórter a la minuta, estava naturalmente a morrer gelada, vira-se para a câmara e sem vergonha nenhuma na cara resume a história de um Inverno em Trás-os-Montes como não há memória, de tão gélido.

A memória de janeiros frios ou de verões tórridos, é, claro está, geracional, subjectiva, corrupta e principalmente: não científica. Sobre esta questão, como tantas outras, seria bom que mostrássemos alguma humildade. As flutuações climatéricas só podem ser encaradas com rigor no contexto dos milénios e nesse contexto, não há razões para alarme. E se não me acreditam, perguntem ao S. Pedro. Dada a total ausência de espírito científico em que vive o assunto, até ele me parece uma autoridade na matéria.

quinta-feira, janeiro 27, 2005

O futebol profissional não é um desporto.

É um espectáculo, conforme figurou em anexo, esta noite, na Luz. Desporto era o que se fazia nos estádios da Atenas clássica (uma chatice). O derby da segunda circular teve mais a ver com acção de arena na Roma Imperial (muito mais emocionante). Um grande jogo, ao nível de qualquer competição profissional, em qualquer lado do mundo.

terça-feira, janeiro 25, 2005

O Escondidinho do Largo do Rato.


A estratégia do PS para garantir a maioria absoluta é um objecto fenomenológico de primeira grandeza académica. Quem tenha a desgraçada intenção de fazer tese sobre a jovem democracia portuguesa, deve elevar esta circustância a paradigma. Em 30 anos de Terceira República, o Estado tornou-se num tal monstro de complexa mediocridade, que Sócrates sabe bem da reduzidíssima margem de manobra que o seu governo vai ter para ser diferente dos outros. Obstinado em não dizer nada que o comprometa, o Secretário Geral do PS cala-se muito bem caladinho, deixa-se ficar escondido no labirinto do Largo do Rato e espera que Santana cometa a sua generosa média diária de dislates. Não admira que se escuse a raposa à gentileza de esclarecer os portugueses sobre a ideia que tem para conduzir a Nação, se é que tem alguma. Não admira que fuja de inócuos debates televisivos, onde se discutem coisas insignificantes como a insustentável dívida pública ou a lastimável Constituição Europeia com adversários menores, cujo potencial eleitoral não justifica o risco nem vale o incómodo.
Ora, é precisamente para que o eleitorado perceba os valores, as intenções, os programas, a capacidade e o carácter dos candidatos, que existe na democracia a figura da campanha eleitoral. Acho eu. Com esta filosofia draconiana de utilizar a lei do silêncio para atingir o objectivo da mínima governabilidade, os socialistas estão a dar uma péssima imagem da democracia contemporânea. E ainda agora começaram.

sexta-feira, janeiro 21, 2005

Quarteirão (ainda a propósito do O'Neill).

Cai da cadeira abaixo o perneta do contrabaixo.
Catrapás no chão de laje dor!
Assoa-se aos teus lençóis (depois de termos lá deixado o amor),
a vizinha do segundo esquerdo, criatura infeliz.
Que nojo, vizinha, que nem adivinha onde põe o nariz.
Nas traseiras correm os ratos em debandada
e os gatos atrás deles, com barafunda assanhada
enervam o perneta, que se balança na cadeira ansiosa,
liquefeito em metastase cancerosa.
A sério que gosto destes bastidores,
gosto mesmo da tua vizinha que nem adivinha os odores
do amor escarrapachado no pano.
E juro que gosto daquele fulano, que se enerva com os gatos.

quinta-feira, janeiro 20, 2005

O Cravo Bem Temperado ou como compor com a pauta toda.

"Não me preocupa a sensibilidade dos mortais.
A minha música destina-se aos ouvidos de Deus."

Johann Sebastian Bach


Da maneira que eu tenho de ver as coisas, só há dois períodos na história da música: as trevas da época Pré-"Cravo Bem Temperado” e a idade da luz que se lhe seguiu. Passo a explicar.
Em 1691 um musicólogo mais ou menos obscuro de Halberstadt, Andreas Werckmeister, publica um opúsculo no qual presenteia a humanidade com “as verdadeiras e claras instruções matemáticas” para afinar qualquer instrumento de teclas. Este revolucionário documento revelava aos músicos que era possível afinar o orgão de tal forma que este pudesse tocar, num dado momento, todas as notas. Simplesmente porque os tons e os meios tons não eram uniformes, até esta altura cada obra tinha que ser composta apenas num número limitado de notas, retirando ao compositor a possibilidade básica de escrever música fazendo recurso à integral diversidade da sua escala...
Subdividindo a oitava em doze meios-tons de rigorosa uniformidade, Werckmeister propunha uma solução user-friendly para que, de uma vez por todas, fosse possível escrever música em todos os tons.
Como sempre acontece na história das ideias, a tese iluminada de Werckmeister não encontrou receptividade imediata junto da comunidade musical europeia. Isto, até que, 30 anos mais tarde, um vanguardista do barroco percebesse que aquela era tão só a pedra filosofal da inventiva melódica.
Filho de músicos e musicólogos, amigo de construtores de orgãos, nascido e criado em plena oficina da música, Johann Sebastian Bach era, para além de tudo o resto, um muito competente mecânico. Uma bela manhã, devidamente inspirado pelas mais belas musas que já habitaram o Olimpo das artes, Johann colocou mãos à obra, afinou o seu cravo da forma equacionada por Werckmeister e começou a escrever exercícios de interpretação, levando a sua composição a um nível de complexidade cromática nunca antes experimentada. Concluídos em 1722, estes 48 prelúdios e fugas constituem uma obra de arte incomparável, não só pela mestria do contraponto e da delirante diversidade formal, mas porque usufruindo finalmente de uma liberdade técnica nunca antes imaginada, Bach deu-se a excessos de expressão estilística, justaposições caleidoscópicas de estados de alma e contemplações poéticas que deixariam qualquer Baudelaire em pranto catatónico.
Não que a intenção de Bach fosse compor uma obra prima. Tratava-se antes de um trabalho com fins lúdicos e pedagócicos e o título não deixa equívocos: “O Cravo Bem Temperado, ou Prelúdios e Fugas em todos os tons e semi-tons, ambos com a Terceira Maior ou Dó, Ré, Mi e com a Terceira Menor ou Re, Mi e Fá. Para uso e prática de jovens músicos que desejam aprender, bem como para diversão daqueles já versados no estudo.”
Na verdade, Johann sempre achou este trabalho uma obra menor, de natureza meramente académica. Apesar da modéstia dos seus sucessos em vida, Bach sabia bem (como o sabem todos os eleitos) que o seu talento permaneceria pelos concertos da posteridade e pouco desejaria ver-se celebrado como um simples professor de contraponto.
Três séculos depois, é apenasmente considerado o mais genial compositor de sempre. E o Cravo Bem Temperado contribuiu, em boa parte, para a sua coroa de glória. Afinal, não fosse o engenho divino desta obra e toda a música que foi criada depois seria muito, mas mesmo muito diferente.

terça-feira, janeiro 18, 2005

O Senado da Nação.

No deprimente momento televisivo - como é sempre deprimente ver a Fátima Campos Ferreira a esbracejar como quem não consegue estar calada - a que a RTP decidiu pomposamente chamar o debate dos senadores, foi a audiência premiada com a sabedoria paleolítica, a dignidade de sacristia e a visão iluminada por discutível néon dos senhores professores doutores (da esquerda para a direita) Diogo Freitas do Amaral, Mário Soares, Francisco Pinto Balsemão e Adriano Moreira. Dado o ilustre elenco, não é de espantar que a única pessoa que conseguiu dizer alguma coisa de jeito foi um outro senhor professor doutor, de nome Miguel Cadilhe. Mas adiante.
Aquilo que devia ser uma conversa sobre o lastimável estado da nação, não passou de um desmaio. Muito por culpa de
FREITAS DO AMARAL , que chegou nitidamente ao estado Monty Python, um ponto ontológico de tal forma dadaísta que, a julgar pelo discurso, podiamos muito bem estar a ouvir um dirigente sindical, um bloquista ou um outro qualquer monumento à dialéctica bolorenta de Chomsky. Freitas do Amaral é um personagem que merece alguma atenção clínica. Deixado a sós com a dívida astronómica da campanha "P'ra Frente Portugal", afastado pelo partido que fundou, reduzido à insignificância pela diplomacia americana, quando em desempenho das suas funções como grande chefe da Assembleia das Nações Unidas (um dos organismos mais inócuos da história da humanidade), o homem perdeu a razão pura, a razão prática, o juízo, o bom senso e a sanidade. Um dos mais carismáticos protagonistas da direita cristã portuguesa é hoje um excêntrico que não consegue esconder o ódio. Para seu rídiculo, a primeira intervenção que teve no debate sobre a condição nacional foi dedicada à ameaça Bush. Desculpou o pesadelo da administração pública com a incompetência dos empresários e clamou por justiça social. Demonstrou um enorme autismo perante as insatisfações dos portugueses e preocupou-se sobretudo em manter coerente o seu tributo póstumo à herança ideológica de Maria de Lourdes Pintassilgo. Não foi por acaso que foi sentado à esquerda de
MÁRIO SOARES, que fez - nas palavras de um realmente sábio amigo meu - o favor imenso de se conseguir manter acordado. Não falou uma vez na Europa (logo ele - o grande europeísta) mas trouxe por duas vezes os americanos à má língua. Recusou-se a falar de soluções, preferindo invariavelmente o esquema politiqueiro que lhe agrada tanto (os velhos hábitos têm morte lenta). Fez, descaradamente, campanha eleitoral, dando um magnífico exemplo de sentido patriótico, só mesmo suplantado por
PINTO BALSEMÃO, que chegou ao cúmulo banditista de dizer: ainda bem que não são os portugueses a tomarem conta das suas contas. Entre outras vulgaridades deste calibre 55, disse o senhor também que o melhor, o melhor, não era bem um pacto de regime no decorrer do próximo mandato, mas sim um acordo de cavalheiros sobre duas ou três questões mais pertinentes, apenas possível - na sua sagaz e experimentada opinião - se for concretizado antes das eleições (a ingenuidade roça a demência). Pinto Balsemão é, na verdade, um zombie desinteressante, principalmente quando ao seu lado está um homem chamado
ADRIANO MOREIRA, velha raposa do deserto lusitano que despachou a coisa com uma mão cheia de afirmações escolásticas, do género: mudou o paradigma, vamos mudar de cuecas. Este homem foi meu professor, é um ser humano enorme, tenho carinho por ele e total confiança na sua honestidade intelectual. Mas nunca conseguiu deixar de ser um académico e o país, que nem acabou o liceu, não percebe nada do que ele diz.
Por isso, quando Miguel Cadilhe, que felizmente não pertence ao senado e estava ali em video-conferência, começou a dizer da sua verdade, pareceu-me que tinha afinal cedido à tentação de mudar de canal. Mas não. Houve de facto alguém com coragem para dizer que é preciso reduzir o Estado a dois terços e que se isso não acontecer podemos estar perante a ruptura regimental.
E só por estes dois minutos de coragem suprema, valeu a pena levar a seca do p'rós e contras desta noite, programa que, excepção feita, tenho o higiénico escrúpulo de não frequentar.


segunda-feira, janeiro 17, 2005

O Mataboches ou porque é que eu gosto tanto, tanto, tanto do O'Neill.

O Mataboches, o que deixou os alemães
passarem em sucessivas vagas,
para, depois, do seu buraco, os dizimar pelas costas,
está que não pode.
Reformado da fábrica onde, até há poucos anos,
aproveitando as espertinas de ex-gaseado,
guardava as larápias sombras da noite,
o Mataboches já nem à taberna vai.
A filha, antes de sair para o trabalho,
deixa-o sentado à janela, entre canário e sardinheira,
com um mata-moscas à mão.
E o Mataboches passeia o curto-alcance dos seus olhos
do amarelo ao rosa,
vigiando mosca e varejeira.
Às vezes apanha chuva e larga a rir
(por ser regado ao mesmo tempo que as sardinheiras?)
um riso que põe o canário, espavorido,
a harpejar as barras da gaiola.
Penugem amarela rodeia o Mataboches.
Ele não dá por nada; dá a filha,
que lhe ralha e lhe faz ciúmes com o Hilário, o canoro.
Passa-se, então, um curioso ritual:
a filha tira o canário da gaiola, diz-lhe:
“Ele foi mau prò meu Hilário!”,
e enquanto o pai se agita, regouga, troca e destroca
seus gestos de meio paralítico,
ela, com um olho no velho, beija o passarinho,
alisa-lhe as penas, quase o come.
E o ritual só acaba quando o Mataboches
mistura a sua baba com o seu ranho.

O Mataboches, o do C.E.P.,
peneira o ar com o mata-moscas
e erra a última mosca.

ALEXANDRE O'NEILL
- A saca de Orelhas - 1979

domingo, janeiro 16, 2005

I - Observando os outdoors da campanha eleitoral que já conspurcam as ruas dos país, dir-se-ia que os génios do marketing dos vários partidos políticos fizeram eles mesmo um pacto de regime - quem for mais mentiroso ganha. Pinóquio de Sousa, Secretário Geral do partido mais estático da Terceira República, fala-nos de mudança a sério, sem se escangalhar. Paulo Petas, e a sua verdadeiramente imprestável presença na paisagem política, tenta descaradamente convencer-nos de que votar no PP é algo de útil para a Nação. Falacioso Louçã também fica na fotografia da aldrabice, apresentando-nos a esquerda de confiança, quando ele mesmo sabe bem que se há coisa que os portugueses jamais lhe confiariam seria o governo do país. José Sofista, que ainda não conseguiu explicar o caminho que defende para nos retirar do pântano (provavelmente, porque ele também não faz a mínima ideia), surge muito compenetrado com a estafada ideia de um rumo. Patranha Lopes - que chegou a Primeiro ministro sem mérito nem dificuldades, sem votos nem dores de cabeça - surge heróico, para salvar a nação contra os ventos e as marés que ameaçam a sua abstrusa estupidez. A estratégia é atribuir a cada partido as qualidades que objectivamente não tem. E isto não é areia nos olhos. É cancro na consciência.

II - Vi em primeira mão, na CNN , as muito ansiosamente aguardadas imagens de Titan, o segundo maior satélite do Sistema Solar. O espaço interior vai ficando mais pequeno à medida que cresce a ambição humana e, lá muito de vez em quando, ainda conseguimos ter razões para atribuir o benefício da dúvida ao macaco sapiens.

III - A Carla de Elsinore anda a escrever 9 posts por dia. Qualquer blogger que se preze deve ir lá diagnosticar a febre.

IV - Depois de amadurecer bem a audição de How to Dismantle an Atomic Bomb, posso dizer que se trata de um disco fabuloso. Agora que já nem precisam de provar a sua contemporaneidade, os U2 fazem a música que, afinal, sempre gostaram de fazer (who gives a shit, anyway?).

V - Aqui entre nós: parece que há muito militante do PSD que não tem vindo a apreciar as diatribes do Professor Cavaco Silva. Este desagradável facto de dúbia estatística só vem demonstrar que o único partido que realmente ainda podia fazer qualquer coisa de digno e de corajoso por este país, está mais morto que o Oráculo de Delfos. Digo e repito: valha-nos deus - esse canalha que se diverte com a minha pátria.

sábado, janeiro 08, 2005

- - - OS DOZE CÉSARES - - - - - - - - - - - - - - - - - Livro I: Suetónio ou a lamparina de Adriano.

Bem-vindos ao Império Romano. Faço aqui o início de um conjunto de textos que têm por fundamento o que eu considero ser um dos livros mais importantes na história da literatura: Os Doze Césares. A obra é da genial autoria de um senhor chamado Caius Suetonius Tranquillus, que viveu entre os anos 75 e 160 (ou 69 e 140, conforme o sábio) da nossa era. Para conseguir escrever sobre isto sem a pretensão do erudito e livre do medo dos plágios, devo esclarecer desde já que usei da maior parcimónia no que se deve às fontes. Na verdade, sou tão atrevido que me basta a leitura do livro em causa (vezes três vezes), a pesquisa de dois ou três sites do género Wikipedia.com e Livius.org, o senso comum, a cultura geral e o cepticismo de Edward Gibbon para achar que, com tempo e a colaboração dos deuses, levarei a bom termo a tarefa audaciosa de meter ao barulho deste blog a mais solene, sexual, hedionda, folhetinesca, facínora, visceral, triunfante, amargurada, extravagante e épica história que já se contou de um império. Nem outra coisa, afinal, seria de esperar. Suetónio raramente citava a origem das suas revelações (confiando abundante e preferencialmente na proverbial má língua) e ainda assim influenciou de tal maneira o espírito historicista e romanesco do mundo ocidental, que a sua grande rábula biográfica serve muito bem para doutoramentos contemporâneos e o seu estilo narrativo e conceptual é ainda hoje "samplado" por toda a gente. Desde o próprio Gibbon novecentista ao muito-Século-XX Robert Graves, que para esgalhar um dos momentos mais célebres da BBC ("Eu, Cláudio"), adoptou textual e contextualmente a prosa suculenta do grande mestre Tranquillus.

Mas começando pelo princípio. A forma de governo de Roma iniciou-se pela instauração de uma República governada por dois cônsules eleitos anualmente, apoiada por um colégio de senadores e esfaqueada no ano de 44 a.C. com o assassinato do general Júlio César, cujos herdeiros constituíram a gloriosa massa genética dos primeiros imperadores.
Caius Suetonius Tranquillus nasceu um século e tal depois e, improvavelmente, numa cidadela romana em África - Hippo Regius - no território a que hoje chamamos Argélia.
Filho de um nobre da Ordem Equestre (segundos poderosos depois dos senadores), Suetónio cumpriu serviço militar , alistando-se no exército vencido de Otho, na guerra civil dos Quatro Imperadores.
Suetónio foi um biógrafo reputado até ao momento central do enredo, quando foi nomeado secretário privado do imperador Adriano. E é aqui é que a porca torce o rabo. Porque se a famosa biografia dos césares é o primeiro documento de ciência da história na história da humanidade, e apesar disso consegue ser sensacionalista (Pessoa diria - sensacionista) e rocambulesco e perfeitamente editável no Sunday Mirror da antiguidade clássica, a verdade, verdadinha, é que foi encomendado por um político. Ah, sim, é que Adriano, muito mais que um imperador, um engenheiro, um militar ou um filósofo, era um Político. Um político como toda a gente deveria querer ter um. E com certeza que pensou na sua posteridade. E com certeza que influenciou a narrativa do seu secretário privado. Suetónio foi assim o génio saído da lamparina que Adriano esfregou desesperadamente. E o rei entre os reis só tinha mesmo um desejo: que a história de Roma até ao século II D.C. fosse escrita segundo o seu interesse específico. Quero eu dizer que, sendo a obra uma verdadeira biblia sobre o Império Romano, é também - e como a bíblia também é - um manifesto politizado, exagerado, manipulado, partidarizado, adulterado, falsificado. E fascinante.
Pagão dos sete costados, Suetónio foi até um dos primeiros historiadores de Jesus Cristo, e, da mesma maneira que Constantino escreveu a cristandade como ainda a entendemos hoje, este foi substantivamente o homem que nos deu a ideia geral de como viviam de forma nobre e obscena, sanguinária e apaixonada, os grandes césares que vampirizaram para sempre a análise das elites e do exercício do poder.
(cont.)

quinta-feira, janeiro 06, 2005

Estória da gaivota e da lua*


Ascendo pelas marés e elevo-me através
dos ventos marítimos, na senda do teu clarão.
Guia-me essa luz fera, de estrela cratera
penetrando sobre a escuridão.

Persigo o cometa que me leve a Julieta!
Com asas de cera procuro o teu calor d'Inverno,
o teu corpo ferido com o lado escondido
pela macrofísica do inferno.

E por mais alto que me leve o sobressalto
da noite aérea, permanecerás assim distante:
não chega o meu voar para te alcançar,
derradeiro amor errante.

É cruel e é clara, a distância que nos separa;
cresce quando por maldição amanhece o dia.
Deixas-me por inteiro, aqui no candeeiro
sem luz, nem voz nem autonomia.


* Para os meus amigos António Rodrigues (autor da foto) e Pedro Serrazina (realizador do filme de animação “Estória do Gato e da Lua”)

A Febre Scalextric: uma criança com 82 kg.

Devo dizer que tenho 37 anos, os quilos em título, falta de cabelo e que sou um chato. Devo dizer que me pesam bem mais os 37 anos que propriamente os quilos/libras a mais no comércio da existência. Devo dizer outrossim que gosto pouco de infantilidades, imaturidades, ingenuidades e enfermidades do género que evidenciam certos adultos para os quais não tenho a mínima paciência.
Dito isto, tenho que confessar que sou uma criança.Sou uma criança porque ainda paro nas lojas de brinquedos e ainda faço aquele ar de puto guloso (a que a minha mãe não resistia) perante o banquete lúdico na paisagem.Sou uma criança porque ainda não sei de melhor programa para depois de um jantar de Sábado entre amigos que o magnífico privilégio de poder ir brincar com uma pista Scalextric a sério. E, por obra e graça dos deuses e do meu amigo Jaime Filipe, eu tenho uma. Tenho uma pista de carrinhos, senhores! Com automóveis lindíssimos do WRC, do GranTurismo de resistência e da DTM. Com boxes e mecânicos e fotógrafos e directores de corrida e espectadores. Com partida Les Mans, cronómetro aos centésimos, punhos Pro, base de relva simulada, escapatórias por todo o lado, pontes várias e cruzamentos perigosíssimos!
Psicólogos de todo o mundo rapidamente me enviariam para a Clínica dos Chalados Mor, quarto 33, gente sensata de todos os quadrantes genéticos dir-me-á: mas estás burro ou falta-te a bolha da razão? Estarão certos uns e outros. Persistirei porém no delírio: estou quase a comprar uma plataforma de condução (com banco desportivo) para curtir com realismo apurado o ColinMcrae 2005 que me proporcionam os magos da CodeMasters e os génios da Playstation. E é uma questão de tempo para ver se arranjo um Subutteo como deve ser. Com holofotes, bancadas, banco de suplentes e tudo!

quarta-feira, janeiro 05, 2005

Pássaros, vilões e heróis.

I - É simultaneamente muito triste e extremamente divertido ouvir o chilrear com que as miseráveis aves canoras do regime poluem o sagrado silêncio dos portugueses. Se, na circunstância, a cantoria se dirige aos eleitores, há vozinhas doces e ternuras, namoros e promessas, sedução de arrastar a asa e olhos bonitos. Nem sequer se trata de linguagem: as palavras são deliciosas bolas de berlim, acabadinhas de sair da fritura.
Mas se a cantiga tem os contribuintes como destinatários, o tom muda para o registo da reprimenda e os termos transformam-se rapidamente em bicadas bem afiadas; há ameaças veladas e execuções fiscais, há insultos em forma de recomendações, prisão implícita e hostilidade iminente.
Mas a alpista só azeda de todo em todo quando os ditos pinguins disparam a sua retórica de larápios na direcção dos condutores. Neste caso, o pirilipipi passa a acusação de procuradoria. Palra-se afinal para criminosos e é necessária toda a violência verbal que um piriquito pode reunir em duas ou três máximas para consumo mediático.
Ora, é preciso ser-se realmente uma aveztruz desavergonhada, um melro descarado, um autêntico corvo indecente para fingir que se ignora o simples facto de que os eleitores também conduzem, os condutores também contribuem e os contribuintes também elegem. É preciso ser um canário de má raça para esquecer que, quando se abre o bico para mentir ao eleitor e se altera a ênfase para ameaçar o contribuinte, se está a incomodar exactamente a mesma pessoa.

II - É por estas (e por outras tantas que até seria maçador enumerá-las) que sou completamente contra a invasão electrónica das minhas contas bancárias pelos bandidos do fisco. A não ser que, sempre que o Estado me deva dinheiro, eu também possa ir directamente pela net a uma conta pública, retirar com celeridade e destreza a quantiazinha que me cabe.
Começo a ficar farto de ser espoliado pelo Estado. Começo a ficar farto de ser enganado pelo Estado. Começo a ficar farto do Estado que tenho.

III - Cavaco Silva deu-me hoje uma alegria grande. O Pedrocas da incubadora queria aparecer em 8x3 ao lado dele e de outros figurões do PSD, para tentar convencer os portugueses de que é um deles (a pretensão é de cair para o lado), mas, desgraçadamente para o infante da triste figura, o Professor disse que muito obrigado pela honra dúbia mas nem pensar em utilizar a minha imagem (e, já agora, a memória de Sá Carneiro) para vender maçãs podres. Não, não e não, já disse!
Cavaco Silva é neste momento - e muito mais que o titubeante Presidente da República - o único português capaz de presentear o nosso inconcebível e inqualificável primeiro ministro com a crueldade que ele merece.

IV - A propósito de termos o que merecemos: Pôncio Monteiro.

V - A despropósito da palhaçada geral e a propósito da tragédia da vida: João Amaral. Um homem grande, num mundo pequeno.

Arte e terapia.

Os gregos antigos tinham toda a razão: não é a trabalhar que libertamos o espírito. O meu amigo António Rodrigues deixou-se de merdas, tirou um tempo ao corropio dos dias e começou a pintar. Assim, sempre tem umas horas de felicidade por semana. Em cima está apenas um detalhe da Obra, mas há muito mais aqui.