quarta-feira, agosto 10, 2005

Dramaturgia do crime (ou a má criação)

Downtown Los Angeles, quarto de hotel manhoso.
O cadáver estende-se horroroso
num disparate de fragmentos coagulados
sobre a colcha, a alcatifa e os cortinados.
Philip Marlowe apaga o cigarro na poça de sangue mais à mão,
coça o nariz e diz fodasse, que puta de confusão.
Agatha Christie ruburiza numa vitoriana censura da sintaxe
enquanto Sherlock Holmes enfia a lupa nos invólucros usados do tampax.
Chega entretanto Colombo, coxeando da perna boa e de gabardine infecta
desconfia logo de um incógnito penetra;
atrás vem Ventoinha, o inspector que detecta
a arma do crime: uma escova de dentes de afiadas cunhas
com que Perry Mason se entretém a tirar o sebo da unhas.
Crime disse ela, Miss Marple que entra em cena,
já bolorenta de atrites e demais maleitas de madalena,
procurando o amparo de Hercule Poirot que em dieta de emoções
vai cofiando o bigode como quem coça os colhões.
Todos contra todos, decidem-se a resolver o mistério
para redenção da hotelaria e salvação do império.
Até que Marlowe se chateia e vai de boleia,
até que Agatha se irrita e desabita,
até que Sherlock se aborrece e desaparece,
até que Colombo se mira e retira,
até que Ventoinha se perde e despede,
Até que Mason se corta e sai pela porta,
Até que a velha tralha se espalha,
até que Hercule se basta e leva a pasta,
para não ficar ninguém no quarto manhoso
a não ser o cadáver horroroso
que se suicidou às postas
(por um negócio de apostas
em cavalos doentes),
com uma escova de dentes.