quinta-feira, setembro 15, 2005

Versões Katrina

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O furacão Katrina foi recebido globalmente como um cavaleiro do apocalipse, um evento paralógico cuja missão divina transcende as razões da física e da metereologia. E, assim sendo, a tragédia prestou-se ao dislate recordista.
Para os ambientalistas da ONU, se aconteceu o que aconteceu foi porque os americanos não quiseram assinar o protocolo de Quioto. Mais: é pelo mesmo motivo que os furacões hoje em dia são mais severos (facto desenterrado da enciclopédia do empirismo delirante, anedotário zero).
Para os génios da Internacional Socialista, a catástrofe em New Orleans deveu-se essencialmente ao facto dos americanos não terem um estado social, não se percebendo bem o que é que o cú do socialismo tem a ver com as calças de uma tempestade devastadora.
Para as mentes brilhantes do Bloco de Esquerda, a destruição deve-se antes que tudo ao racismo e à pobreza que grassa nos Estados Unidos. Não me parece que a ordem de evacuar o delta do Mississipi fosse dada apenas aos brancos, nem que as equipas de salvamento andassem a recolher aflitos por categorias de tom de pele. E quanto à pobreza dos americanos, que efeito teria este fenómeno climático se tivesse acontecido em Cuba?
Para o inteligente Rebelo de Sousa (mas ninguém cala este homem?) o terrível evento é prova rigorosa de que os americanos estão de tal forma preocupados com a segurança que já não ligam nenhuma aos furacões. A simplicidade mental desta iluminária não lhe permite entender que os mecanismos de emergência médica e protecção civil cumprem exactamente a mesma função e têm precisamente a mesma importância operacional caso as pessoas estejam a morrer afogadas por uma cheia ou queimadas por uma bomba. O argumento é arrepiantemente idiota.
Para os parasitocratas da União Europeia, o furacão serviu bem para demonstrar que os Estados Unidos têm insuficiências organizacionais, facto que com muito agrado registam, enquanto chafurdam no esterco da sua inoperância crónica e da mais exemplar disfunção orgânica da história das organizações europeias.
Para os anti-americanos primários, o estrago é, claro está, devido à presença dos Estados Unidos no Iraque.
Para os anti-americanos intelectuais, a tragédia deve-se ao facto de Bush, certa vez, ter passado férias em New Orleans.
Para os colunistas é um banquete.
Para os jornalistas, é uma orgia.
Para os cínicos, é bem feito.
Para os fanáticos, é a vingança de Alá.
Para os terroristas, é instrutivo.
E eu, que vivo num país realmente miserável; eu que vivo numa nação em que há pontes a cair com as primeiras chuvadas de Outono; eu que tenho uma pátria que arde descontroladamente, ritualmente, todos os verões desde que me lembro de existirem verões; eu que sou natural da terra onde se inventou a disfunção organizacional; eu cá gosto cada vez mais de americanos, cada vez menos de europeus e quanto aos portugueses, que se calem rapidamente, antes que chegue o Inverno e Portugal fique submerso porque alguém se esqueceu de limpar a sarjeta para onde corre a merda destas opiniões todas.

Nota de rodapé - A propósito de argumentos imbecis: Mário Soares justificou em França a anormalidade da sua candidatura às presidenciais porque Cavaco Silva não tem o perfil humanista necessário para ser Presidente da nossa pequenina República. Quer isto dizer objectivamente o quê? Nadinha, acho eu.