terça-feira, março 07, 2006

A saudade inevitável.

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À medida que o passar dos dias me vai corroendo o corpo, a alma e a consciência - essa santíssima trindade de sonhos traídos - agigantam-se mais e mais certos fotogramas de uma existência remota, retratos que permaneceram semi-ocultos na cortina do fumo estupefaciente da memória e que agora flasham, pretéritos, sobre o cenário concreto do presente do indicativo, ganhando dimensões sobre o relevo das horas, penetrando com tenacidade nos labores da razão prática, alterando policromaticamente a tela do mundo. As aventuras que deixei para trás, as pessoas que perdi no trajecto alucinante da vida, a pólvora genomática da juventude que fiz por rebentar sem cerimónias - explosivo que já não tenho em arsenal - certos caminhos da floresta que partilhei com outros lobos, determinados minutos de transcendência e fé, vastos calendários de promessas e episódios de redenção: tem-me subido tudo isto à cabeça e estou ébrio desse vinho sagrado com que fui matando a sede de viver.
Ontem, enquanto gozava a companhia quente de um amigo antigo, morreu o avô de uma velha amiga. No entretanto disto, o fotomaton recessivo do passado exibia-se em reposição de 88mm para os meus olhos de dentro. Volto a escrever isto: o que me intriga, o que me assusta na condição humana, não é a inevitabilidade da morte. É a inevitabilidade da vida.