sexta-feira, março 10, 2006

Sem legendas.

Image hosting by Photobucket

Columbano Bordalo Pinheiro. Quatro e picos da tarde. Um negócio de manequins para o retalho de pronto-a-vestir, exibe, desnudados, os seus modelos em acrílico, polipropileno, fibra de vidro e esferovite. Estáticas, as estátuas lançam um olhar provocador para um homem de meia idade e barba cerrada que interrompe seu caminho e, atónito, fixa o rosto alvo e imaculado de um destes magníficos exemplares. Passo por ele e oiço-o: "És mesmo tu, Odette?" E depois, resignado à realidade de um mundo sem fantasia, enquanto reinicia a caminhada: "Que Diacho, não podes ser tu."
Não estou a inventar nada. Na verdade, continuei no sentido oposto do amigo da Odette, até que este se afastou para fora do horizonte da percepção. Voltei para trás e acabei por ficar ali uns minutos, contemplando a Odette (era mesmo ela), o Gismundo (que reconheci logo depois), o Alberto (que não via há que tempos) e a Rosário (que permaneceu indiferente aos piropos que lhe dirigi). Todos eles - os manequins - estavam assustados e incrédulos. A Odette era capaz de jurar que tinha acabado de ver o seu Júlio do outro lado da montra. O Gismundo pensou logo em voltar à chatice dos tratamentos psiquiátricos, o Alberto insistia que se tratava de uma experiência religiosa e a Rosário, altiva, repetia as leis da termodinâmica, acentuando o disparate impossível que registava a contragosto. "Toda a gente sabe - e a ciência está aí para o demonstrar - que os humanos não falam, nem sentem, nem são atrevidos. Está mais que provado que esta gente só sabe subir e descer calçadas. Isto é apenas uma alucinação colectiva e já passa, vão ver." Como detesto arruinar os sistemas metafísicos dos outros, fui à minha vida.