sexta-feira, dezembro 12, 2008

Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa

Ando sempre com um poema na cabeça.
É antes das palavras que o verso começa
fetal e ancião cá dentro da cachimónia.
Geralmente é qualquer coisa do Álvaro de Campos
com a caligrafia do Rimbaud, e é sem parcimónia
que roubo ao Whitmann o papel de carta.
Ao Almada vou buscar a fúria farta
e as rimas já foram todas alinhadas pelo Ary.
Acho que eles não se importam, nem levam a peito
e a mim dá-me imenso jeito.

Ando sempre com um poema na cabeça.
Um plágio fugaz que agarro antes que pereça
nos intestinos da história.
Pode ser uma Ode Olímpica sacada ao Píndaro,
uma cantiga piratada ao Dinis de boa memória,
uma elegia de Calímico, que é minha por osmose,
ou do Ovídio uma ou outra metamorfose.
Tudo o que será escrito já foi escrito um dia
e ladrão que rouba a ladrão está perdoado.
A poesia não é o pecado.

Ando sempre com um poema na cabeça.
Não sou bem o autor mas antes que desapareça
despejo-o no blog e assino por cima.
Que diria o Cesário se navegasse até aqui
só para descobrir uns versos com o seu enzima?
Mas, como toda a literatura é imitação
desde que Homero inventou a redacção,
acho que nem Borges me condenaria a rapina.
Este escrito por exemplo, não é meu:
o Cesariny concerteza que já o escreveu.

Ando sempre, sempre com um poema na tola.
Como um mendigo que rouba para não ter que pedir esmola
faço o corso sem musas na proa.
E geralmente é qualquer coisa do Pessoa.