sábado, janeiro 31, 2009

Anti-telejornal | Direito de resposta.

Primeira carta de Fernando Pessoa à Exma. Senhora Dona Ophélia Queiroz.

1.3.1920

Ophéliazinha:

Para me mostrar o seu desprezo, ou pelo menos, a sua indeffrença real, não era preciso o disfarce transparente de um discurso tão comprido, nem da serie de «razões» tão pouco sinceras como convincentes, que me escreveu. Bastava dizer-m'o. Assim, entendo da mesma maneira, mas doe-me mais.
Se prefere a mim o rapaz que namora, e de quem naturalmente gosta muito, como lhe posso eu levar isso a mal? A Opheliazinha pode preferir quem quizer: não tem obrigação - creio eu - de amar-me, nem, realmente necessidade (a não ser que queira divertir-se) de fingir que me ama.
Quem ama verdadeiramente não escreve cartas que parecem requerimentos de advogado. O amor não estuda tanto as cousas, nem trata os outros como réus que é preciso «entalar».
Porque não é franca comigo? Que empenho tem em fazer soffrer quem não lhe fez mal - nem a si, nem a ninguém-, e quem tem por peso e dor bastante a própria vida isolada e triste, e não precisa de que lh'a venham accrescentar creando-lhe esperanças falsas, mostrando-lhe affeições fingidas e isto sem que se perceba com que interesse, mesmo de divertimento, ou com que proveito, mesmo de troça.
Reconheço que tudo isto é comico, e que a parte mais comica d'isto tudo sou eu. Eu-proprio acharia graça, se não a amasse tanto, e se tivesse tempo para pensar em outra cousa que não fosse não fosse no soffrimento que tem prazer em causar-me sem que eu, a não ser por amál-a, o tenha merecido, e creio bem que amál-a não é razão bastante para o merecer. Enfim...

Ahi fica o «documento escripto» que me pede. Reconhece a minha assinatura o tabelião Eugenio Silva.

quarta-feira, janeiro 28, 2009

A Conspiração Disney.


Talvez graças à popularidade dos guiões de Dan Brown e dos powerpoints de Al Gore e dos devaneios de Hollywood, nos dias que correm o assunto que está na moda parece ser o da teoria da conspiração. Chegam-me ao email uma quantidade delas por dia. Umas risíveis, outras armadas em sérias, mas todas com um ponto em comum: A administração Bush culmina um maquiavélico reinado de terror que terá durado desde que Moisés (um filho da puta) prometeu o mel à sua tribo esfomeada.

De todas elas destaco 3, pela sua comicidade:

1 - Comprometidos pela ausente relação de proporcionalidade entre as reservas de ouro e o papel monetário emitido desde o pós-guerra, embalados pelo atentado às torres gémeas (acto da responsabilidade da CIA), os Estados Unidos invadiram o Iraque porque Sadam Hussein estava a vender o petróleo em euros!


2 - O Cristianismo, e toda a anterior novela hebraica, é um plágio e uma fraude. Constantino, em Niceia, orquestrou a coisa de tal forma que Deus se tornou num ópio de consumo doméstico para auto-escravidão dos crentes. Cristo nunca chegou realmente a existir. A Igreja é uma máfia e as cruzadas e as fogueiras estão aí como prova.
A Administração Bush, a CIA, o FBI, as Forças Armadas, o Senado, o Congresso, as Autoridades de Controlo do Tráfego Aéreo, as seguradoras e mais algumas empresas de dimensão pan-satânica associaram-se à família real da Arábia Saudita para enganar a América e o mundo. Cumprindo um esquema muito bem montado por Darth Cheney, o príncipe das trevas, dinamitaram as torres gémeas e um cantinho do pentágono, escavaram um buraco no chão na Pensilvânia, fizeram umas fotomontagens manhosas e umas gravações piratas e venderam tudo aos media que engoliram a coisa a seco e vomitaram depois uma versão estranha dos acontecimentos: que uns fanáticos religiosos no médio oriente eram capazes de um horror assim. E tudo isto para quê? Para dominar o mundo!
E em conclusão: os banqueiros são todos uns bandidos e a Reserva Federal Americana é a sua fábrica de infâmias. Andamos para aqui todos alienados, hipnotizados, pelos poderosos deste mundo.

3 - O petróleo não é um combustível fóssil, cresce por geração espontânea dentro da terra e isto está provadíssimo desde o século XIX, só que o maléfico conclave do capitalismo ocidental e a família real Saudita (outra vez estes) estão há muito unidos para que a malta não saiba deste facto científico e continue a comprar a gasolina a preços escandalosos.

A cena cómica das conspirações tem a ver com o facto de ser pacífico para os seus inventores que segredos tenebrosos e manipuladores de dimensão olímpica possam permanecer ocultos do conhecimento das massas, durante gerações ou mesmo milénios. Isto até que o autor do revisionismo perceba tudo sozinho, num orgasmo messiânico de sabedoria transversal. A conspiração que revela está bem montada ao ponto de alienar o conhecimento académico e científico que é produto de séculos, mas bastaram-lhe umas horas de pesquisa no google para ficar por dentro da grande mascarada.

Estas conspirações ignoram fenómenos entrópicos como a mobilidade social, o escrutínio dos media, a estupidez humana, a disfunção grupal, a decadência das organizações, o carácter aleatório e indeterminado dos processos político-sociais; e sobre-valorizam a capacidade das instituições corporativas (forças de um grande diabo), contra todas as evidências da história. O seu maniqueísmo não permite margens de ponderação: há os bons e os maus e há um jugo destes sobre aqueles. Bem vindo ao mundo da Marvel Comics.

Geralmente, os documentos que me chegam revelam ignorâncias profundas dos temas que afloram. No primeiro caso, há um desconhecimento elementar dos fundamentos da política monetária e da história económica nos países ocidentais; no segundo, o autor parece ter decorado toda a matemática do universo mitológico humano, sem ficar a perceber nada sobre a sua semântica; revelando acrescidamente um total desentendimento da segunda lei da termodinâmica. No terceiro, que é o mais cómico de todos, a iluminária faz simplesmente tábua da ciência geológica contemporânea, entre outras ousadias de ilusionista.

Nalguns destes proféticos escritos, nota-se uma preocupação em comprovar a teoria com factos. Mas nunca há notas de rodapé que nos permitam confirmar a coisa, nem sequer algo parecido com uma bibliografia. Diz-se que de certeza que é assim e pronto, está provado, dada a credibilidade da fonte incógnita.

Ora, para demonstrar que é muito fácil parir, nuns minutos só, uma teoria da conspiração que pareça minimamente razoável, apesar dos fundamentos disparatados, deixo aqui esta que vou inventando à medida que a vou escrevendo:

No princípio não era o verbo. Era o Rato Mickey. O mundo como o conhecemos começou a 16 de Outubro de 1923, quando Walt Disney (que ainda vive) fundou a sua homónima companhia. Tudo o que está para trás é uma manobra multimédia dos seus estúdios, para nos fazer acreditar que não somos figurinhas de um filme animado. Como a animação em imagem real é muito trabalhosa, só temos fotografia e filme a partir do Século XIX.
A invenção da religião serve para procurarmos transcendência nas salas de cinema (os verdadeiros templos do nosso tempo) e não me digam que nunca repararam que Jesus Cristo foi construído à imagem e semelhança do Pato Donald. Já o percurso regimental das estruturas tribais ao capitalismo, foi estruturado pelos criativos da companhia apenas com o fim de legitimar o Tio Patinhas.
Todos os grandes fenómenos sociais ocorridos desde 1923 devem-se a interesses específicos da Walt Disney Company, isto está provado. A Segunda Grande Guerra, por exemplo, desencadeia-se por causa de um problema de direitos de autor: Hitler era um personagem há muito criado por Walt, mas que terá sido entretanto usado fora do contexto pelo atellier da Disney em Berlim.
A guerra fria foi pensada para barrar o acesso dos povos ocidentais à escola clandestina de animação dos países de leste. Vasco Granja bem que nos tentou mostrar o mundo lá fora, mas ninguém acreditou que aquilo fosse possível.
Bush filho é o alter ego do Pateta e a guerra no Iraque foi proposta por um assistente de Walt para resolver o problema de uma história que, nos anos 90, estava a chegar ao fim.


Agora vou fazer um powerpoint com isto e enviar para a minha lista de contactos.

segunda-feira, janeiro 26, 2009

REMIXVILLE | Track#9

Mais uma preciosidade La Blogoteque: Os Vampire Weekend, enfiados numa carrinha, interpretam uma versão apertada de Mansard Roof. Onde se demonstra que, em definitivo, a arte pop é algo de muito desconfortável.

domingo, janeiro 25, 2009

Anti-telejornal.

Relato da Exma. Senhora Dona Ophélia Queiroz, destinatária das célebres cartas de amor de Fernando Pessoa, recolhido e estruturado por sua sobrinha-neta Maria da Graça Queiroz.

Um dia faltou a luz no escritório. O Freitas não estava e o Osório, o «grumete», tinha saído a fazer um recado. O Fernando foi buscar um candeeiro de petróleo, acendeu-o e pô-lo em cima da minha secretária.
Um pouco antes da hora de saída, atirou-me um bilhetezinho para cima da secretária, que dizia: «Peço-lhe que fique». Eu fiquei, na expectativa. Nessa altura já eu me tinha apercebido do interesse do Fernando por mim, e eu confesso, também lhe achava uma certa graça...
Lembro-me que estava em pé, a vestir o casaco, quando ele entrou no meu gabinete. Sentou-se na minha cadeira, pousou o candeeiro que trazia na mão e, virado para mim, começou de repente a declarar-se, como Hamlet se declarou a Ofélia: «Ó, querida Ofélia! Meço mal os meus versos; careço de arte para medir os meus suspiros; mas amo-te em extremo. Oh! até do último extremo, acredita!»
Fiquei pertubadíssima, como é natural, e, sem saber o que havia de dizer, acabei de vestir o casaco e despedi-me precipitadamente. O Fernando levantou-se, com o candeeiro na mão, para me acompanhar até à porta. Mas, de repente, pousou-o sobre a divisória da parede; sem eu esperar, agarrou-me pela cintura, abraçou-me e, sem dizer uma palavra, beijou-me, beijou-me apaixonadamente, como louco.
Surgem assim os primeiros versos que me dedicou; versos que infelizmente depois me desapareceram, mas que nunca esqueci:


Fiquei louco, fiquei tonto,
Meus beijos foram sem conto,
Apartei-a contra mim,
Enlacei-a nos meus braços,
Embriaguei-me de abraços,
Fiquei louco e foi assim.

Dá-me beijos, dá-me tantos
Que enleado em teus encantos,
Preso nos abraços teus,
Eu não sinta a própria alma, ave perdida
No azul-amor dos teus céus.

Boquinha dos meus amores,
Lindinha como as flores,
Minha boneca que tem
Bracinhos para enlaçar-me
E tantos beijos p'ra dar-me
Quantos eu lhes dou também.

Botão de rosa menina,
Carinhosa, pequenina,
Corpinho de tentação,
Vem morar na minha vida,
Dá em ti terna guarida
Ao meu pobre coração.

Não descanso, não projecto,
Nada certo e sempre inquieto
Quando te não vejo, amor,
Por te beijar e não beijo,
Por não me encher o desejo
Mesmo o meu beijo maior.

Ai que tortura, que fogo,
Se estou perto d'ela é logo
Uma névoa em meu olhar,
Uma núvem em minha alma,
Perdida de toda a calma,
E eu sem a poder achar.


Fui para casa, comprometida e confusa. Passaram-se dias e como o Fernando parecia ignorar o que se havia passado entre nós, resolvi eu escrever uma carta, pedindo-lhe uma explicação. É o que dá origem à sua primeira carta-resposta, datada de 1 de Março de 1920.

Assim começámos o namoro.

sábado, janeiro 24, 2009

REMIXVILLE | Track#8

Para falar, pouco que seja, sobre este tema, tenho que ter muito cuidado. É que ainda não consegui perceber se o original de Gloria Gaynor é:
a) Uma malha épica,
b) Um hino gay ou
c) um pirosismo.

Apesar de saber claramente que não sou maricas, tenho dúvidas grandes sobre o bom e o mau gosto. Seja como for, não me envergonho nada de assumir uma relação passional com esta versão dos Cake. Há aqui um solo de guitarra que me diz, com voz de metralhadora: deverás sobreviver. E, até ver, tenho acreditado nisto.


Borges e a recolha do lixo.

"Se pudéssemos oferecer a um chimpanzé a eternidade e uma máquina de escrever, ele ia acabar por redigir a Odisseia."

Kubrick e a recolha do lixo.



Queria só chamar a atenção da gentil plateia para este filmaço. Não sei se as crianças vão gostar, mas prometo que os mais crescidos vão curtir imenso (tenho muita fé na audiência). A narrativa é um labirinto de metáforas e o conteúdo gráfico é deslumbrante. Óscar para o melhor momento de felicidade visual do ano.

quarta-feira, janeiro 21, 2009

A repetida recomendação de Charles Baudelaire.

Enivrez-Vous

Il faut être toujours ivre.
Tout est là:
c'est l'unique question.
Pour ne pas sentir
l'horrible fardeau du Temps
qui brise vos épaules
et vous penche vers la terre,
il faut vous enivrer sans trêve.
Mais de quoi?
De vin, de poésie, ou de vertu, à votre guise.
Mais enivrez-vous.
Et si quelquefois,
sur les marches d'un palais,
sur l'herbe verte d'un fossé,
dans la solitude morne de votre chambre,
vous vous réveillez,
l'ivresse déjà diminuée ou disparue,
demandez au vent,
à la vague,
à l'étoile,
à l'oiseau,
à l'horloge,
à tout ce qui fuit,
à tout ce qui gémit,
à tout ce qui roule,
à tout ce qui chante,
à tout ce qui parle,
demandez quelle heure il est;
et le vent,
la vague,
l'étoile,
l'oiseau,
l'horloge,
vous répondront:
"Il est l'heure de s'enivrer!
Pour n'être pas les esclaves martyrisés du Temps,
enivrez-vous;
enivrez-vous sans cesse!
De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise."



Agora para anglófonos de todo o mundo
:


Get Drunk


Always be drunk.
That's it!
The great imperative!
In order not to feel
Time's horrid fardel
bruise your shoulders,
grinding you into the earth,
Get drunk and stay that way.
On what?
On wine, poetry, virtue, whatever.
But get drunk.
And if you sometimes happen to wake up
on the porches of a palace,
in the green grass of a ditch,
in the dismal loneliness of your own room,
your drunkenness gone or disappearing,
ask the wind,
the wave,
the star,
the bird,
the clock,
ask everything that flees,
everything that groans
or rolls
or sings,
everything that speaks,
ask what time it is;
and the wind,
the wave,
the star,
the bird,
the clock
will answer you:
"Time to get drunk!
Don't be martyred slaves of Time,
Get drunk!
Stay drunk!
On wine, virtue, poetry, whatever!"



Agora a minha versão em português de tasca:


Embebeda-te!


Deves estar sempre bêbedo.
Tudo se resume a esta questão:
de forma a deixares de sentir
o horrível fardo do tempo
que te pesa nos ombros
e te prende à terra,
deves embebedar-te sem tréguas.
Mas com quê?
Com vinho, com poesia ou com virtude,
é só escolher, mas embebeda-te.
E se alguma vez acordares
no pórtico de um palácio,
na verdura de uma vala,
na sombria solidão do teu quarto
e a bebedeira tiver diminuído ou desaparecido,
pergunta ao vento,
à vaga,
à estrela,
ao pássaro,
ao relógio,
a tudo o que foge,
a tudo o que geme,
a tudo o que gira,
a tudo o que canta,
a tudo o que fala,
pergunta que horas são
e o vento,
a vaga,
a estrela,
o pássaro
e o relógio responderão:
“São horas de te embebedares!
Para que não sejas escravo martirizado do tempo, embebeda-te, embebeda-te sem tréguas!
Com vinho, com poesia, com virtude,
é só escolher."

segunda-feira, janeiro 19, 2009

REMIXVILLE | Track#7

Recuo para o Verão de 1998. Estou a viver em Santos-o-Velho, nas águas furtadas de um edifício que tem seguramente uns 250 anos e uma acústica doida. A rua chama-se da Silva. Cai a noite quente sobre os telhados silenciosos quando ponho um disquinho a tocar. The K&D Sessions. A partir desse momento, oiço-o 16 horas por dia, durante semanas. Só consigo ouvir isto.
Hoje, já não lhe ligo grande coisa. Nem toda a grande música é elástica sobre o tempo. Salva-se porém uma versão intensa e dramática de "Useless", que me deixa invariavelmente enebriado. O trabalho de percussão é de espantoso e germânico rigor técnico e os Depeche Mode nunca soaram tão bem na sua vidinha de banda média. Façam boa viagem.


domingo, janeiro 11, 2009

Not responding properly to mission demands.



O impossível é uma fronteira, ou uma viagem? Se deixar a alfândega e entrar na carruagem, Deus fica zangado? Passo os dias a sonhar acordado com o diabo de uma passagem.

A física dos homens é de precisa matemática e até a quântica há-de ter a sua gramática. Mas o cosmos - está provado - não é exacto mestrado: é uma valsa acrobática.

E se o acelerador perder o medo à embraiagem e disparar para além dos limites da paisagem, o que é que acontece? Não é a velocidade que favorece a corrosão na fuselagem.

Sábios de todo o mundo e druidas de sacristia amontoaram vãs descobertas em grande histeria. Não me digam que faz sentido o mundo conhecido ou a gravidez de Virgem Maria.

Num universo dividido entre o infinito e o zero, reina a lógica de Aristóteles ou a poética de Homero? Prostrados na Lua do sul pelo paralelepípedo azul, os astronautas são os deuses, ou o clero?

O impossível é uma fronteira, ou uma viagem? E o pássaro sem trem de aterragem que voa da Terra aérea para a negra matéria: é uma cruz, ou uma fotomontagem?

E se de repente o tempo se resumir num evento, a quanto marcha a velocidade do pensamento? Para o bem e para o mal, a versão 9000 do HAL tem resposta no momento.

O impossível é uma ilíada, ou uma odisseia? É a fusão nuclear que se desencadeia e este é o alinhamento da rampa de lançamento que é necessária à epopeia.

sexta-feira, janeiro 09, 2009

A fraude ambientalista ou o rei vai nu.

Eu sei que é pedir muito, mas todos aqueles que sempre acharam a minha tese sobre o mito ambientalista um delírio irresponsável, ou - no mínimo - uma idiossincrasia ideológica, deviam perder dez minutos com este bocadinho do documentário do Chanell Four The Great Global Warming Swindle. Aqui, os protagonistas não são políticos, nem activistas, nem jornalistas. São cientistas. São pessoas que se dedicam à perseguição da verdade, por muito inconveniente que seja.
A cada dia que passa, é mais evidente que o rei vai nu: e tu, caro leitor, queres ser o último a perceber que andas a ser enganado?

REMIXVILLE | Track#6

Sempre que entro no Fusco-Lusco, estou a aprender qualquer coisa de novo. E isso é, se calhar, o melhor que pode acontecer a quem visita um blog. Desta vez, o ilustre autor decidiu apresentar à plateia um sitio que tem um toque de génio e é recomendável apenas aos desgraçados que amam realmente a música. Todos os outros estarão aqui a perder tempo. É necessário estar-se verdadeiramente embriagado de paixão pela música para ir ao ponto zen de La Blogotheque. Mas compensa à brava. Na brilhante série de clips que constitui a lista Les Concerts a Emporter descobri este momento de pura transcendência que cai a matar no Remixville: Kele Okereke e Russell Lissack, dos Bloc Party, interpretam uma versão de This Modern Love estranhamente bela, à saida de um bar em Paris. É uma coisa pura como o diabo, destituída de tudo menos do que é autêntico, no poema e na melodia. É uma coisa tão natural que nos perguntamos se existe de facto. Eu recomendo, mesmo, que parem tudo durante um bocadinho, aumentem um pouco o volume, e oiçam isto:


Bloc Party, 'This Modern Love' - A Take Away Show from La Blogotheque on Vimeo.

quarta-feira, janeiro 07, 2009

Carta aberta ao Dr. Alfredo Barroso.

Lisboa, 7 de Janeiro de 2009.

Exmo. Senhor Dr. Alfredo Barroso;

Aceite desde já as minhas mais sinceras desculpas por fazer desta carta assunto público, mas compreenderá que já ninguém tem paciência para enviar correspondência pelos CTT. Faz-se hoje de tudo, nos CTT, excepto enviar correspondência. Mais a mais, desconheço o seu endereço electrónico e, convenhamos, para alguma coisa servirá um blog.

O objecto deste meu atrevimento relaciona-se com a sua intervenção de ontem, Terça-Feira, no Jornal das 21h00 da Sic Notícias. Logo no prefácio da sua sábia elocução protestou V. Exa. contra a intervenção das Forças Armadas Israelitas na Faixa de Gaza por ser - e eu cito-o - brutal, desproporcionada e carregada de oportunismo político.

Para rematar a tirada, responsabilizou, com a originalidade e a ironia que se lhe reconhecem, os serviços secretos israelitas pela criação do Hamas, acrescentando - permita-me - a já estafada analogia que responsabiliza a CIA pelos mujaidin e pelos talibãs e pela Al Quaeda (não fossem os americanos a primeira e última doença da Terra).

Ora, caro Sr. Dr., permita-me que conteste a sua tese que - francamente - não está à altura de um protagonista da democracia portuguesa e do seu perfil intelectual.

Comecemos pelo princípio: o de que a intervenção é condenável porque é brutal. Ora, perdoe-me, mas não sei se existe na história universal do ódio um conflito bélico que seja menos que exactamente isso. A Guerra é brutal, Senhor Dr. Alfredo Barroso. E é precisamente a tendência que o homem tem para a brutalidade que o leva à guerra. Não creio que um General, mesmo socialista, esteja preocupado com a brutalidade do ataque que planeia. Ao invés, a lógica de um exército em combate é a de provocar invariavelmente o máximo impacto no inimigo.

Por outro lado, parece-me também brutal a estratégia de despejar periódica, aleatória e impunemente uns morteiros nas cidades israelitas, mas - curiosamente - essa brutalidade já não faz o seu género. Quem sabe, colocará V. Exa. este facto na categoria dos actos de fé, e nesse sentido aceitáveis de acordo com a liberdade religiosa e de prática religiosa, cânone modelar da república segundo a Acção Socialista Portuguesa de que V. Exa. foi membro ilustre.

Queira considerar porém, que não será na Palestina do Hamas que vai encontrar as liberdades fundamentais que defende, mas sim em Israel, nação que apesar de ter origem numa promessa de Deus, constituiu-se como um estado laico, democrático e de direito.

Aliás, faz-me não modesta estranheza que sendo V. Exa. um campeão dos direitos humanos, das causas igualitárias, da promoção do papel das mulheres na sociedade e da defesa das minorias, seja solidário ainda assim com movimentos como o Hamas, cuja filosofia de estado, concepção sociológica e entendimento do género sexual não casam com os ensaios de Bertrand Russel ou os devaneios de Sartre, personagens que, bem sei, guarda ciosamente na sua biblioteca dos afectos.

Mas voltemos às suas palavras: a intervenção israelita na Faixa de Gaza é desproporcionada. Bom, com esta é que, devo reconhecer, o Sr. Dr. me deixou perplexo.
O Sr. Dr. acha talvez que o estado isrealita deveria combater a constante agressão que assola o seu território da mesma forma que este é assolado. Com uns rockets disparados à toa, de tantas em tantas horas, acertem em quem acertarem, com pausa para a sinagoga de uns e a mesquita dos outros. Com tolerância e savoir vivre. Caro Dr. Barroso, francamente, por muito menos do que acontece diariamente naquele bocado do Médio Oriente já rebentaram mais guerras na Europa que discórdias no Olimpo!

Mais a mais, parece-me uma máxima de primeiro ano de escola militar que a invasão armada de um território hostil deve ser considerada apenas quando existe uma desproporção favorável ao exército invasor. Quero dizer: acha que Hitler tinha entrado pela Polónia a dentro se não tivesse a certeza do desequilibro das forças em presença? E os ingleses, não esperaram pelo poder dos tardios americanos para libertar a França? Recuando no tempo, existia ou não uma diferença grande de número, preparação e equipamento entre os dois lados de Austerlitz? Decididos a terminar com os Tudor, não chamaram os espanhóis Invencível à sua armada? Mais para trás ainda: Alexandre chegou à Índia com uma brigada de valentes ou com o maior exército alguma vez formado até aquele momento no tempo? E de volta ao presente do indicativo, como é que responderam os russos ao patético episódio do Cáucaso? Com meios canhões? A desproporção faz parte da guerra e quando não há desproporção não há guerra: foi precisamente o equilíbrio entre duas potências nucleares inimigas que nos salvou a todos daquela que seria a última cena de pancadaria da história dos animais humanos.

Para fechar este parâmetro e numa palavra só, toda a desproporção que pode haver: Hiroxima. V. Exa. provavelmente teria preferido que os americanos invadissem convencionalmente o Japão, numa situação de equilíbrio de forças, mesmo sabendo que o imperador mandou armar a população civil e que as forças reservistas nipónicas contavam-se ainda às centenas de milhar. Mesmo sabendo que uma invasão convencional do Japão provocaria 10 a 20 vezes o número de mortos das duas explosões atómicas que fecharam a Segunda Grande Guerra. São opiniões, mas não tenho nesta matéria - devo confessar - grande respeito pela sua.

Quanto à questão do oportunismo político, estamos mais ou menos no mesmo ponto de desacordo. Não vejo novidade nenhuma ou qualquer anormalidade moral no facto de um conflito bélico ter origem na conveniência política. Até porque os conflitos bélicos têm, fundamentalmente, origem no triunfo de uma ou várias de três grandes vilanias: a religião, a política e a economia. O Sr. Dr. não quererá concerteza insinuar que seria mais nobre invadir a faixa de Gaza por ganância. Ou por amor a deus. Como o território em questão não brilha de jazidas e o estado Israelita é laico, bem vê que outra razão não poderia haver para esta operação militar.

Mas deixe-me questioná-lo: não existe oportunismo político por parte do Irão, quando paga, doutrina, treina e arma as forças do Hamas? Forças que fazem das casas da população civil pontes de assalto provisório, para que depois lá fiquem os inocentes que serão feitos explodir pela retaliação israelita? Forças que doutrinam crianças no uso do ódio e da metralhadora? Agirá, nesta como noutras matérias, o estado Iraniano de forma politicamente desinteressada? Obviamente que não, mas não vejo no Sr. Dr. o mesmo zelo acusatório, facto que me confunde deveras, dado o seu reconhecido sentido ético e equitativo juízo de insigne humanista.

Tendo consciência que esta carta se alongou por demais, não posso por lealdade retórica ainda assim esquivar-me ao último contraditório. Falou também V. Exa. que a Mossad criou em hora desastrada o Hamas que agora combate. Assumindo esta afirmação como verdadeira e axiomática (V. Exa. deve seguramente dispor de privilegiados acessos a informação que não consta nas fontes acessíveis ao comum dos mortais); assumindo que não é só uma opinião da wikipedia, um wishful thinking ou um mito de telejornal; assumindo que a Mossad estaria interessada em envolver-se com a Síria, com a Arábia Saudita e com a Irmandade Muçulmana na criação de um movimento paramilitar de vocação radical islamita na Palestina; assumindo tudo isto com tranquilidade, pergunto-lhe: e então?

Abra comigo, mais uma vez - e ao calhas - o livro de história: Átila foi ensinado pelos romanos, militarizado pelos romanos e só não tomou Roma por causa da doença má que infestava a cidade. A vitória na Batalha de Lepanto resultou da união entre dois lendários inimigos: Filipe II e os Dodges de Veneza. Estes, por seu turno, azucrinaram várias vezes a coroa espanhola ao permitir (e incentivar!) a pirataria levantina sobre o comércio catalão. Os califados desavindos da Península Ibérica da alta idade média uniam-se para combater o infiel. Quando o infiel era batido, entretinham-se em batalhas intestinas. No mais contemporâneo conflito dos Balcãs, croatas e sérvios e bósnios e albaneses, cristãos e muçulmanos e ortodoxos, todos eles trocaram alianças a meio caminho e inverteram a direcção da guerra, no jogo da sobrevivência. Hitler é amiguinho de Estaline, até invadir a Rússia. O Czar Alexandre namorou com Napoleão até que lhe pareceu mais favorável romper com o Bloqueio Continental. Para as nove cruzadas marcharam inimigos antigos, abraçados num pacto de sangue. Alguns deles, mataram-se lá. Outros regressaram para se matarem aqui.

V. Exa. reconhecerá que podíamos estar aqui a arrancar belos exemplos do passado durante a eternidade toda. Por isso, não pasme por serem as alianças de hoje, ameaças para amanhã. O homem é um bicho inconstante.

E, de todo o jeito, dizer que o Hamas de 1987 é o Hamas de hoje, é mais ou menos equivalente a dizer que a Casa Branca de Ronald Reagan é a mesma com Barak Obama lá dentro.

Mas V. Exa. - desconfio eu - sabe concerteza de tudo isto. V. Exa., com a sua intervenção de hoje, demonstrou também algum oportunismo político. E o cinismo retórico sem o qual não teria porventura sido a sua vida marcante sobre o panorama da Terceira República. O que é natural. As pessoas são assim mesmo.

E mais não digo, por decência e economia.

Obrigado pela sua atenção e aceite os meus mais considerados cumprimentos.

De V. Exa. eterno adversário ideológico,

Paulo Hasse Paixão

segunda-feira, janeiro 05, 2009

Marcha de Castelo Bom


Foto de Susana Baptista

A Raia, castro olímpico e marciano,
de sangue francês e castelhano
estampado na portela.
Os canhões de Almeida dizem-me da guerra
e os ventos cerrados dizem-me da Serra
da Estrela.

Sobrevive um medo antigo nestas aldeias
fortalezas, fragas e ameias
de um reino perdido.
Em Castelo Mendo uma velhinha mora
que vende a Nossa Senhora
num cromo colorido.

O Artur olha para dentro da objectiva,
guarda um silêncio que me castiga
e diz que vê uma vagina.
Se não estivessem zero graus lá fora,
eu atirava-me agora
para a piscina.

Grande circo: deixo cair a alma no chão.
"Não faz mal nenhum Paixão,
ela vem ao de cima outra vez."
Cheguei com ideias de revisionista
mas afinal sou malabarista,
este mês.

Tantos anos de liceu e quatro de faculdade
não me ensinaram metade,
nem vencem o que aprendi.
Talvez por ter sido aluno mau
nunca me disseram: "genau!
wie heissen sie?"

Bebo mais um copo e o actor pede justiça:
"Vamos falar de piça!"
A conversa sobe de tom.
Tantos anos de liceu e quatro de faculdade
não guardam a verdade
de Castelo Bom.

O síndroma de narciso.


Devo reconhecer que a minha imagem fotográfica me ofende deveras. Os Navajos temiam que o fotógrafo lhes roubasse a alma. Eu acho que o gajo me vai roubar a vaidade. Recuso-me a acreditar que sou tão feio como aquele tipo que me aparece revelado. O grande Vitor Briga, entretanto, fez-me a partida alquímica de capturar um espectacular boneco comigo lá dentro. Um trabalho nos limites da estética, da física e da termo-dinâmica, em plena conferência do Io-Iô. Ser substituído pela cenografia é a minha ideia de retrato. Fico vaidoso pelo fotógrafo, fico vaidoso dos gráficos e não sou humilhado pela fotogenia. Que pinta.