sábado, outubro 29, 2011

Göbekli Tepe e a razão da religião.


Göbekli Tepe. Fixa este nome, caro leitor. Aqui, numa colina do sudeste da Turquia, prova-se que tudo o que julgávamos saber sobre as origens da religião, da arte e do engenho humano estava errado.
Göbekli Tepe é uma área de culto com onze mil anos. O templo que vemos nas imagens tem cerca de oito mil anos e foi erigido - cinco milénios antes das primeiras fundações de Stonehenge - por gente nómada, caçadores recolectores que não dominavam a escrita, a metalurgia ou a roda. As magníficas colunas aqui representadas, que pesam cerca de cinco toneladas e ascendem a seis metros de altura, são delicadamente decoradas com figuras de animais, deuses e sacerdotes, numa inaudita manifestação espiritual e artística. É que este é o primeiro templo conhecido que antecede o Neolítico e é aqui que tudo se complica.


Até agora, acreditava-se que fora a revolução do Neolítico - ou seja, a invenção da agricultura e a sedentarização - que teria levado ao desenvolvimento estrutural da religião e isto parecia fazer todo o sentido: aqui há coisa de 9600 anos, o fim da idade do gelo teria proporcionado, pela proliferação da fauna e da flora, condições para a domesticação de plantas e animais e a respectiva povoação em permanência de certos locais. Depois da fixação humana em aldeias agrícolas, a religião surgia naturalmente como resposta a uma actividade profundamente dependente dos factores climatéricos não dominados pelo agricultor, que ficava à mercê dos caprichos dos deuses para obter uma boa colheita. Dentro desta linha de pensamento, a criação de locais de culto implicava a pre-existência de uma sociedade sedentária com níveis elementares de especialização profissional e cooperação social.
Ora, o que Göbekli Tepe demonstra é que o processo pode ter sido inverso. Senão em todas as circunstâncias da evolução humana, pelo menos em algumas terá sido a religião que gerou o desenvolvimento agrícola e não o inverso: com o degelo, o espanto por um novo mundo natural que se revelava, a reverência pela capacidade de mudança e regeneração de um ecossistema que passa a enquadrar as 4 estações do ano conduz à prática religiosa. A criação de locais de culto megalíticos, onde são celebrados rituais periódicos por milhares de pessoas terá implicado a necessidade de um pensamento logístico que providenciasse alimentação e abrigo para as multidões reverentes. O fenómeno religioso cria assim condições para a invenção da agricultura e da domesticação dos animais, a sedentarização, a manifestação artística e a complexidade dos papéis sociais.


A noção de que a capacidade de transcendência do Sapiens é a sua primeira ferramenta no caminho para a modernidade seria ainda hoje herética, se a evidência arqueológica em Göbekli Tepe não surgisse com esta notável eloquência, com esta arrogante elegância, com esta irónica magnitude. Isto embora o bom senso nos ensine - de caras - que a religião é resultado da imaginação humana e que a criatividade tem sido - a par com a agressividade e a ganância - um dos grandes motores da história. O problema da ciência, como de qualquer outra actividade humana, é que vive de dogmas. E os dogmas, mais tarde ou mais cedo, demonstram-se incapazes de explicar a natureza do cosmos. E é assim que aprendemos, todos os dias, que aquilo que pensamos saber está errado. E é assim que aprendemos, todos os dias, como somos ignorantes de tudo.