sexta-feira, dezembro 30, 2011

Mensagem de Ano Novo.

Estes oito minutos de esplendor que constituem o prólogo de "Melancholia", a última obra prima de Lars Von Trier, falam por mim. Eu queria dizer que entre o caos e a mediocridade, entre a cobardia e a ignorância, entre a estupidez e a crueldade, no fulcro obstinado e apocalíptico de um mundo decadente haverá, ainda assim, um vestígio de esperança, uma frágil presença do que é belo, uma nano-promessa para o futuro. Mas o Lars diz isso tudo e mais alguma coisa. Feliz 2012.

quarta-feira, dezembro 14, 2011

O elogio da loucura.


Cumprindo a sua tristemente célebre tradição de equívocos, a revista Time acaba de eleger como Homem do Ano a turba que se manifesta. A turba que ocupa e conspurca a Wallstreet, como a turba dos fanatismos religiosos do Cairo, como a turba que incendeia Londres. São todas turbas justas e dignas de um título honorífico. Entre os laureados está este senhor na fotografia e os rapazinhos que violaram a jornalista Lara Logan em plena praça Tahrir.
A equipa editorial da Time, que em má hora teve esta triste ideia e que sofre de uma ingenuidade arrepiante e perigosa, parece acreditar que esta gente que se manifesta por esse mundo fora luta pela democracia, pelo estado de direito e pela justiça social. Ora, o que acontece é que os manifestantes do Cairo ou de Damasco, na sua maioria, pretendem apenas substituir regimes ditatoriais laicos por regimes ditatoriais religiosos; os manifestantes de Atenas pretendem tão só manter os seus privilégios de párias; os manifestantes de Nova Iorque fazem tudo o que podem para abolir o direito à propriedade e os manifestantes de Londres desejam muito simplesmente assaltar a loja de electrodomésticos e roubar o LCD necessário à plena fruição da Playstation 3 que compraram com o dinheiro do subsídio de desemprego.
A equipa editorial da Time, que tem uma visão infantil do mundo e que padece de um humanismo de centro esquerda que está a arruinar a civilização ocidental, elege agora como Homem do Ano o manifestante com a mesma displicência e ignorância que elegeu para o mesmo título em 1939 um senhor chamado Adolf Hitler. Ora, os movimentos de base populista patrocinados pela extrema esquerda europeia e pelo radicalismo islâmico constituem, hoje em dia, uma ameaça tão séria como na altura era já séria a ameaça constituída pelos movimentos de base populista patrocinados pelo partido nazi.
Compreendo a dificuldade em eleger para Homem do Ano seja quem for, neste mundo sem glória, nestes tempos de caos e mediocridade, mas, caramba, não pode ser essa a desculpa para uma escolha assim infame.

Ainda e sempre à procura da razão da matéria.


Ainda não foi desta que os senhores do CERN apanharam o Bosão de Higgs em flagrante delito, na gigantesca pista de corridas subatómicas que montaram para o efeito, mas - pelo que se soube ontem - estamos lá perto. É que já deu para perceber que esta ínfima coisinha deve ter uma valor de massa entre os 116 e os 130 Gev (Giga-electrãoVolts), e essa percepção permite apontar os detectores de forma mais precisa, pelo que em 2012 já devemos ficar todos muito entendidos sobre esta pergunta: porque raio é que existe matéria no universo? Ou não. A ciência não parece tão competente a encontrar verdades, como é eficaz a revelar mistérios. E assim sendo, desconfio bem que, encontrando finalmente a porcaria da Partícula que Deus teima em esconder-nos, vamos ficar um bocadinho na mesma. O universo usa e abusa da lógica das matrioskas russas. Mesmo a bonequinha mais pequena ainda terá lá dentro não sei quantas outras bonequinhas para nosso pasmo e entretenimento.
Podem pois estar descansados os padres de todo o mundo: não está para breve o arranjo de uma verdade absoluta que substitua os dogmas da fé.

sexta-feira, dezembro 09, 2011

O Natal do Sr. Alarcão

Por Artur Paixão


Vem aí o Natal, dia em que se celebra o nascimento de Jesus Cristo, festivamente, mas também, segundo consulta aturada, de qualquer individuo parido em qualquer dia do ano. Na minha cinzenta e ignorada biografia, que sou ninguém e nem sequer arrumo letras para fado vadio, não foi celebrado Natal nem mesmo por altura dos meus filhos, netos e bisnetos. Os sucessos ficaram-se pelos costumados cumprimentos da praxe, umas palmadinhas no costaço e uns sorrisos de simpatia e circunstância.
Nada de balões multicoloridos, espetadas do lombo, broas e rabanadas.
Diz-se que a Natividade assinala o parir de J. Cristo, da virgem Maria (!) ou de um Santo. Não sei nada desta intrigante trilogia, desta complicada associação que aliás, sempre me confundiu desde que há cerca de setenta anos atrás frequentava a catequese do padre Vitalino, embrulhado num bibe de quadradinhos verdes e pretos que detestava.
Assim como eu, os meus filhos, netos e bisnetos, os meus amorosos descendentes não tiveram festarolas e pançadas, espumantes e avinhados decentes. Tanto quanto sei o meu pai e meu avô não foram objecto desse tipo de festanças, parece-me que por força das severas tradições dum tetra-avô pouco dado a usanças que pusessem em perigoso desnorte as suas economias. Fraldas muitas e muito pó de talco para amenizar os ardores do rabito deve ter sido o que me foi dado quando me despejaram neste mundo chanfrado faz uma cabazada de Invernos.
Por mim sempre apreciei mais os arraiais de Santo António, em especial os de Alfama, talvez um tanto a escorregar para ritual pagão, no assar da sardinha com batata cozida com pele, pimentos e água pé e bailaricos bastante distantes do fervor devido ao bom do Sto. António; Alfama recheada de cantinhos, ruelas e travessinhas onde se beliscavam, animadamente, os traseiros de mulatinhas sorridentes e se acediam mais intimamente às rendinhas de algumas senhoras carentes, por entre os fumos das desilusões dos sessenta anos.
E depois, com os setenta e tal milhões que nasceram neste últimos anos, o planeta seria uma espécie de feira em festa permanente, cheio de balões a rebentar-nos nas trombas - um infatigável assar de entremeadas.
Ainda ontem, no andar de cima, nasceu mais um infeliz e o que ouvi foi um estrepitosa berraria e uma escaldante cacofonia de risos estridentes, fados, rumbas e, para meu completo desespero, o Quim Barreiros e o seu nefando fole.
Porém, a grande questão é que não sei como vou desencalhar-me este ano, caído como estou no fundo negro duma penúria total. Se a reforma não chega sequer para a ordem de despejo que não tarda aí, por via dos quatro ou cinco meses em atraso de rendas, como vou comprar as habituais peúgas, apitos, caramelos e toda essa tralha para a cambada, ainda mais quando estou a tentar reunir uns tostões para comprar umas alpargatas nos chineses para substituição dos destroçados chanatos que me arrastam as calosidades da planta dos pés pelo duro empedrado da calçada da Bica e o Pai Natal nas tintas.
Estoira-me a cachola na busca duma saída para esta desgraçada situação. E depois, aquela maldita consoada em que devo comparecer com o fatinho num fio, as mãos a abanar e um sorriso amarelo sem sequer os dentes que se foram em tempos já sem memória. E neste bocado de vazio, metido num buraco do caneco, passa no Chiado um desses bonecos de Carnaval de trunfa branca e bigode caído até ao saco testicular a gritar um ressonante “Hó Hó Hó", pago à hora, afora a barba, a gritar-me que é tempo de coisas boas e presentes para os meninos, mais para a botija que traz no bolso.
Arrasto-me no espelho deslumbrante das montras a rebentar para o que eles dizem, por entre odiosos néons TENHA UM NATAL FELIZ, UM NATAL DIFERENTE. Diferente, com certeza; feliz, uma merda. Leve agora e pague depois em suaves prestações. Levar, levava mas, quanto às prestações, nem as suavíssimas teriam nada de suave.
E depois, com este aspecto, sem cartões de crédito, sem referências nem, ao menos, um fiador creditado - perguntem ao meu senhorio - era mais do que certo que o insensível calmeirão da segurança me despejasse no olho da rua, rasgando-me provavelmente o resto das ceroulas que me restam.
Há-de haver uma solução. Parece-me viável intrometer-me numa dessas grandes superfícies onde a malta se entrechoca na busca dum consumismo desenfreado. Misturar-me nessa feliz multidão e enfiar, com descrição, as manápulas numas coisitas pequenas, coloridas e safar-me de peito cheio, sem passar pela caixa, como que distraído.
Não. Não tenho gâmbias nem frieza para me meter numa dessas, depois humilhado e exposto por razão duns cueiros e babetes para os miúdos, mesmo que ainda em saldo.
Pensei em apanhar uns tantos pombos sempre dependurados na varandita do casebre. Depená-los e assá-los no forno da padaria do Venâncio, um compincha da maior, por sinal padrinho do meu filhote mais velho. Não foi possível porque logo que os bicharocos me pressentiam, rumavam para os píncaros da capela mais próxima.
Outra ideia foi a de pedir ao Zeferino, famoso poeta de cantares populares aqui da Bica e meu habitual parceiro da sueca, que me alinhasse um poema de categoria, dramático, que metesse Cristo, Maria e cordeirinhos, para ler com emoção à cambada. Que não era muito do jeito, propondo-me uma desgarrada que ensaiaríamos na tasca do Careca onde ainda tenho uns créditos mal parados.
Ocorreu-me, em desespero, aplicar uma traulitada na cabaça dum desses policias de reconhecidos maus fígados, amacacados, da velha guarda que há por aqui à dúzia para me enjaularem, presumivelmente, até esmorecerem essas baboseiras do Natal mais a missa do Galo que é um frete de todo tamanho, tendo, antes, o cuidado de endereçar em tom dorido, um desses postais ilustrados alusivos à quadra de festas felizes e muita saúde, onde declarava que por motivos inesperados e de muita delicadeza, lamentava não estar presente como tanto desejava.
Pensando bem meti a ideia no saco dado que seria muito possível magoar a ossada em resultado dum retorno de bastonada, atendendo a que no momento do cometimento não teria ainda tomado o pequeno almoço e o grande - uma remota miragem. De construção débil, acabaria no hospital para aplicação de pensos rápidos e muito hematoma, distribuídos a esmo, sujeito depois a presença em Tribunal, que como sabemos despeja um malfeitorzeco no olho da rua num abrir e fechar de olhos, desde que não haja crime de sangue, o que infelizmente não seria o caso.
Subtrair as malinhas de velhas senhoras após operações junto dos Multibancos que não levantam peva e pelo contrário vão atulhar as máquinas de pagamentos com facturas da EDP do gás e da água sabe Deus com que sacrifício, que se está borrifando para estes detalhes, muito ocupado com as contas do Vaticano é coisa que não é do meu carácter.
Entretanto, a Santa Casa de Misericórdia recusou uma exposição muito bem elaborada, onde constavam até algumas citações da Constituição e balelas da Democracia, alegando que servia milhões de ensarilhados e que as verbas haviam caído drasticamente no que se refere a lotarias, totolotos e outras jogatinas bem como certas restrições impostas pelo Orçamento do Estado e que assim, as reduzidas verbas, não contemplavam donativos para as filhoses natalícias e outros assins de forma, aliás, muito comovente. Aproxima-se esse malfadado Dezembro e eu vazio de ideias e bolsos, quando, de súbito e enfim! me ocorre um processo infalível. Eureka!
Na Bica há uma série de transversais que descem no sentido do elevador. Há por ali umas passadeiras para peões com as marcadas desgastadas, pouco perceptíveis a olho nú, quanto mais para a malta carregada de dioptrias, com consultas agendadas no departamento desse tipo de zarolhos, míopes e ceguetas para daqui a pelo menos ano e meio. Ali a iluminação pública não vale um par de velas e a Câmara não liga nenhuma; os aceleras descem a abrir para evitar o mostrengo do elevador, a caminho do Papa Açorda e outros centros de gastronomia semelhantes.
Foi assim que saí do beco das Alforrecas, onde ainda assento a condenada ocupação apoiado na bengala do meu saudoso avô, caminhando, tropegamente, como convém a um sénior de vista curta, portador de deploráveis varizes há mais de vinte anos e pública consternação, metido no fatinho preto no fio, adornado duns óculos escuros para encher a encenação, e escolho uma geringonça de menos peso e aí estou eu, pisando a passadeira com a lentidão estudada, disposto a partir um par de costelas, pelo menos uma perna e algumas outras contusões avulsas.
Hospital de S. José ali à mão. Atropelamento por criminosa negligência - que o Seguro vai pagar - uma indemnização à vitima que deve pagar a substituição do fatinho preto no fio, dos chanatos rotos e de alguma roupa interior, que me vai permitir um justo repousar numa cama confortável; refeições decentes e muito amável carinho em volta.
A perna engessada e as costelas partidas e algumas intervenções de somenos não têm a menor importância. A cambada foi informada do lamentável acidente e apareceu em massa pelo dia da Natividade ou lá o que é. E ninguém esqueceu de me mimar com uma farta provisão de rabanadas salpicadas com canela, como tanto gosto.

Acho que o Pai Natal me vai oferecer esta máquina de guerra, que dá para matar muita gente:



Pena que não exista no mercado uma máquina para dar um tiro bem certeiro no José Sócrates, que essa sim, seria a mais bela das prendas de Natal.

Anti-facebook: os perigos do pacifismo.

"Pacifism is objectively pro-Fascist. This is elementary common sense. If you hamper the war effort of one side you automatically help that of the other. Nor is there any real way of remaining outside such a war as the present one. In practice, ‘he that is not with me is against me’. The idea that you can somehow remain aloof from and superior to the struggle, while living on food which British sailors have to risk their lives to bring you, is a bourgeois illusion bred of money and security. Mr Savage remarks that ‘according to this type of reasoning, a German or Japanese pacifist would be “objectively pro-British”.’ But of course he would be! That is why pacifist activities are not permitted in those countries (in both of them the penalty is, or can be, beheading) while both the Germans and the Japanese do all they can to encourage the spread of pacifism in British and American territories. The Germans even run a spurious ‘freedom’ station which serves out pacifist propaganda indistinguishable from that of the P.P.U. They would stimulate pacifism in Russia as well if they could, but in that case they have tougher babies to deal with. In so far as it takes effect at all, pacifist propaganda can only be effective against those countries where a certain amount of freedom of speech is still permitted; in other words it is helpful to totalitarianism."
George Orwell | Pacifism and War - 1941

Moleskine Power | Zangado com Deus.


terça-feira, dezembro 06, 2011

Uma possibilidade de vida.

Esta é uma representação mais ou menos fantasista do aspecto que pode ter o Kepler 22-b, um planeta semelhante à Terra, que cumpre uma órbita dentro da zona habitável de um sistema solar que dista 600 anos-luz da Terra.
A missão Kepler é a primeira da NASA que tem como objectivo encontrar planetas semelhantes à Terra na chamada zona habitável - ou seja, planetas cujas características e distâncias em relação à estrela do seu sistema permitem pensar na existência de água em estado líquido e de uma atmosfera que poderá ser compatível com a vida (segundo os nossos parâmetros, claro está). Com o Kepler 22-b passam a ser três os exoplanetas – planetas fora do nosso sistema solar – com condições para que a vida possa ser uma possibilidade.
Nos tempos que correm, isto é mesmo o melhor que a NASA pode fazer, porque de resto, está fechada para balanço.

segunda-feira, dezembro 05, 2011

The :Kubrik Experience


Mais uma experiência :Kubrik.

Terreiro do Paço Terreiro do Paço

Levo a vida passo a passo,
gasto as solas ao compasso
da cidade que pulsa e arde.
O Paço que passeio é um terraço,
o chão que piso é de ferro e aço
e vibra e brilha ao sol da tarde.

Terreiro do Paço, Terreiro do Paço,
Terreiro do Paço, já não sei o que faço.

Paro e tiro um cigarro do maço;
transitam transeuntes em cansaço
com a pressa que levam na boa.
Vão d’ombros caídos pelo Paço,
o destino é um cheirinho de bagaço
e de sonhos traídos à toa.

Terreiro do Paço, Terreiro do Paço,
Terreiro do Paço, já não sei o que faço.

Este é o movimento escasso,
é a praça que devagar devasso,
são as ruas do tempo que voa.
O futuro é um buraco no espaço,
esta é a distância que eu abraço
e roubo aos deuses de Lisboa.

Terreiro do Paço, já não sei o que faço.
Terreiro do Paço, já nem sei o que faço.

Anti-facebook: moral e política.

"Platão e Aristóteles nunca consideraram a política como algo separado, independente da moral. A separação entre ambas teve lugar mais tarde (...), com a aparição do individualismo. Para Platão e Aristóteles, o homem não é indivíduo, por um lado, e cidadão, por outro. O homem é cidadão e é precisamente no seio da cidade, do Estado, da polis, que se desenvolve como homem e, portanto, se moraliza."
J. M. Navarro Cordon, T. Calvo Martinez - História da Filosofia.

sexta-feira, dezembro 02, 2011

O apocalipse é isto aqui:


Na Holanda - só neste país esquizofrénico é que isto podia acontecer - o vilão Ron Fouchier e a sua incrivelmente estúpida equipa de aprendizes de feiticeiro conseguiram a duvidosa proeza de pegar no vírus H5N1 - o agente patogénico da gripe das aves - e manipulá-lo geneticamente para matar pessoas. O H5N1 original já era altamente letal para os humanos - cerca de seis em cada 10 vítimas sucumbiram à doença, mas, desde que foi identificado, este vírus infectou menos de 600 pessoas e sempre por contacto directo com aves infectadas. A nossa defesa contra a praga estava no facto do vírus ser dificilmente transmissível. A porta que se abre agora ao bio-terrorismo coloca porém a hipótese de um armagedão à séria, através da aniquilação de mais de metade da população humana. Enquanto Fouchier já tem garantido um lugar eterno na galeria da infâmia - ou nos anais da imbecilidade humana - a revista Science está a considerar se deve ou não publicar o seu trabalho. Afinal, é bastante necessário e até pertinente que os terroristas de todo o mundo fiquem a saber como é que se mata gente assim à fartazana.
Mais um dia de glória para a ciência.