segunda-feira, janeiro 09, 2012

Mathew White e a estatística de tudo.

"Matar uma pessoa é o máximo que se pode fazer-lhe."

Matthew White. Este homem é qualquer coisa. Estatístico e bibliotecário, decidiu inventar uma nova maneira de interpretar a história, oferecendo uma visão brilhante do percurso humano que é suportada apenas pelos factos. Este magnífico livrinho aqui, por exemplo, dedica-se à grave tarefa de contar cadáveres. É de gargalhada, porque Matthew White mantém o seu fino sentido de humor na trincheira das piores chacinas, mas é sobretudo esclarecedor porque os números não são equívocos, mesmo quando derivam de simples estimativas.
Ao contrário do que supomos, as guerras entre estados têm matado menos gente do que as que são travadas por hordas tribais, falanges nacionalistas, milícias de mercenários, bandos de bandidos, colunas de bárbaros, legiões de escravos, esquadrões revolucionários ou exércitos confederados. Ao contrário do que supomos, o caos é pior que a tirania: os maiores genocídios da história tendem a resultar mais da quebra de autoridade do que do exercício de autoridade. Ao contrário do que supomos, o mundo político foi e é extremamente desorganizado. As estruturas de poder tendem a ser informais e temporárias. Muitos dos protagonistas deste livro, homens como Estaline, Cromwell, Tamerlão, César ou Aníbal, exerceram a autoridade suprema sem deterem um cargo formal no governo. A maior parte das guerras não se iniciam de forma clara, com declaração e mobilização (ou o inverso) e não terminam com rendições e tratados. Os soldados e as nações mudam, sem qualquer problema, de lado a meio das guerras. Por vezes, até a meio das batalhas. Ao contrário do que supomos, a guerra mata mais civis do que militares e o soldado tem, geralmente, a profissão mais segura que se pode ter em tempos de guerra. Ao contrário do que supomos, a grande parte dos maiores criminosos da história morrem pacificamente, de velhice. Ao contrário do que supomos, a violência genocida é o maior motor da história e podemos afirmar calmamente, perante a mais erudita assembleia de sábios, que a mais importante figura do Século XX foi um assassino de massas, mesmo quando assassinou apenas uma pessoa (é o caso de Gavrilo Princip, que, ao enviar para o inferno o Arquiduque Franz Ferdinand, coloca em movimento uma cadeia de acontecimentos que vai gerar cerca de 80 milhões de mortos).
O Grande Livro das Coisas Horríveis é uma pérola e uma poderosa arma intelectual que podemos usar para descontruir por completo o humanismo pegajoso e ingénuo que reina sobre o pensamento e o discurso sócio-político contemporâneo. E também para reforçar uma evidência que já está demonstrada desde a antiguidade clássica (Anaximandro): a destruição é "justa" e necessária, porque está intimamente relacionada com a criação. É necessário que caiam impérios para existirem impérios, e assim sucessivamente até ao fim da literatura, quero dizer, da humanidade.
Mas, muito para além da atrocitologia (a ciência histórica das atrocidades humanas), Matthew White leva o processo estatístico aos 360 graus do horizonte histórico: no seu magnífico portal Historical Atlas of the Twentieth Century o homem reduz - ou amplia - tudo aos números. E estes falam com eloquência sobre o passado e sobre o futuro. Afinal, se a História existe, é para que se aprenda com ela.