quarta-feira, setembro 12, 2012

Humilde Ode Triunfal

"E. ainda há quem faça propaganda disto: 
a pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões!"
Cena do Ódio | José de Almada Negreiros

Na minha humilde opinião, o Pessoa foi feliz.
Quero dizer: foi infeliz - miseravelmente infeliz - de moeda,
Porque mesmo no bolso onde trazia mais dinheiro,
O dinheiro que trazia era mísero.
Mas foi feliz - imensamente feliz - de talento,
Porque mesmo no poema que levava menos génio,
O génio que levava era imenso.


No meu pobre juízo, o Pessoa foi feliz.
Foi feliz sem sexo - o que não é dizer pouco,
Foi feliz sem prémios - o que é muito para cima
Dos cinco contos de reis que o António Ferro lhe arranjou de batota,
Porque A Mensagem, sendo poema suficiente para explicar Portugal,
Seria insuficiente para compreender as cem páginas de poesia
Exigidas no regulamento.

Na minha humilde opinião, o Pessoa foi feliz.
Quero dizer: foi infeliz - desgraçadamente infeliz - quando enfim
Lhe recusaram - ironia de Borges - o desgraçado emprego
Na biblioteca de Cascais.
Mas foi feliz, feliz como nenhum outro poeta, porque afinal
Não há na história e não há na literatura outro poeta assim sábio,
E ele sabia disso.

Na minha modesta ideia, o Pessoa foi feliz.
Ninguém consegue ser deprimido
após a consecução da Ode Triunfal.
E se alguém for capaz de inventar,
No tempo que se estende por uma só puta de vida,
Esta quantidade imaterial de personagens imortais,
Eu retiro o que agora escrevo e logo direi: 

Na minha humilde opinião, o Pessoa foi infeliz.
Quero dizer: foi infeliz - desgraçadamente infeliz - quando cedo
Lhe recusaram - por ser português - o desgraçado ingresso
Na universidade de Oxford.
E mais infeliz ainda, infeliz como nenhum outro português, porque também
Deu para ser eterno em Inglês 
Sem que ninguém desse por isso.