domingo, março 31, 2013

A lixa e o lixo.

O movimento "Que Se Lixe a Troika" é vendido mediaticamente como uma iniciativa de um grupo de cidadãos desinteressados que, recorrendo ao Facebook e à indignação da burguesia, conseguiram o milagre de encher as ruas de algumas cidades do país, por duas vezes, com cerca de 50 milhões de burgueses indignados. Os números variam e avariam, como sempre nestes relatórios de contas, mas ao todo serão seguramente para aí uns 150 milhões de burgueses indignados, fora Açores e Madeira, onde também podemos estimar mais uns bons quatro ou cinco milhões, tantos como o que tem Portugal de imenso e incontável.
Acontece apenasmente que o movimento "Que Se Lixe a Troika" não é, como comercializa a imprensa*, uma iniciativa de um grupo de cidadãos desinteressados. O seu núcleo duro tem 6 elementos. Três militantes do BE, um militante do PC, um ex-militante do PC e um ex-militante do BE. Os ex-militantes são para disfarçar, mesmo quando a farsa é indisfarçável.
Acontece outrossim que a burguesia indignada acabou na Quinta-Feira passada de deixar Lisboa completamente deserta. A burguesia passa muitas dificuldades, mas não as que impedem a celebração da Páscoa no Algarve. Ou na neve. Ou na Nova Zelândia.
Tudo isto é, afinal, de normalidade aceitável e previsibilidade grande. Tudo isto é legítimo e próprio, considerando a condição vil e abjecta da raça humana.
O que já não me parece assim tão aceitável é o problema inicial. Se as pessoas de responsabilidade no Bloco de Esquerda e no Partido Comunista Português (no PS não há pessoas de responsabilidade, há uns tipos que são imbecis e há outros tipos que são amigos do Sócrates) pretendem realmente que a Troika se lixe, que expliquem por favor como é que vão pagar os ordenados dos funcionários públicos que não querem despedir. Como é que vão pagar as contas caladas das empresas públicas que não querem privatizar. Como é que vão pagar a sáude pública de acesso universal de que não querem abdicar. Como é que vão pagar a educação e a justiça, como é que vão pagar aos bancos, não aos bancos alemães, mas aos bancos portugueses, a quem devem afinal o grosso da horrorosa fatia da dívida pública. Como é que vão pagar o que deve o estado em todas as áreas de actividade económica, com PPPs ou sem elas, porque o Estado é o primeiro cliente deste país. Como é que vão pagar os rendimentos garantidos e os subsídios de desemprego e a integração dos ciganos e a recuperação dos drogados e a electricidade dos bairros sociais e todas essas mordomias do Estado Social. Como é que vão pagar as carreiras dos executivos que constituem a base social dos partidos. Como é que vão pagar o facto de existir um Estado.
É claro, ninguém aqui está interessado em pagar seja o que for. As pessoas que lideram estes embustes no Portugal contemporâneo não querem pagar nada a ninguém e desejam com ardor que as coisas corram da pior forma possível. E assim, esperam e fomentam a grande queda da Terceira República.  Esperam e fomentam aquilo que se aguarda e se promove um pouco por todo o mundo, já há muito, já há demasiado tempo: a aniquilação do direito à propriedade, a imposição do igualitarismo.
Contando ainda por cima com o apoio insuspeito, alarve e estapafúrdio dos senhores que desastradamente governam este país e dos senhores que desastradamente governam a Europa e que, a avaliar pelo lamentável episódio cipriota, também não têm grande respeito pelo fundamento jurídico que está na origem da civilização, desconfio bem que estes grupos "desinteressados" de ideólogos fanáticos serão muito capazes de levar a revolução a termo certo.
E é bem feito, no fim das contas. Uma coisa que tanto portugueses como europeus, uma coisa que todos os cidadãos da civilização ocidental estão a precisar com urgência é de sofrimento. Mas de sofrimento à antiga, como deve ser. Qualquer coisa do género de uma revolução marxista-leninista, qualquer coisa do género de uma guerra, qualquer coisa do género de uma grande fome, qualquer coisa do género século XIX português, que faça esquecer com higiénica simplicidade estes horrores da austeridade do século XXI.

*Excepção feita a esta notícia aqui.