terça-feira, março 12, 2013

Sobre a deserção.

Joseph Ratzinger passou de nazi mafioso a super-herói num ápice. Foram necessárias apenas umas palavrinhas poucas em latim para o elevar ao sétimo céu da opinião contra-cristã. O Papa preferido dos inimigos da igreja é aquele que resigna. Não porque a resignação conduza ao fortalecimento da cadeira de Pedro, mas porque a debilita.

Bento XVI desistiu e, ao desistir, abdicou da santidade, foi profundamente humano e a sua humanidade dessacralizou o trono, enfraqueceu a cristandade, diminuiu a civilização.

Muita gente de inteligência e sensibilidade, muita gente de cultura assumidamente cristã (a começar pelo senhor meu pai, gentil contribuinte deste blog, que celebrou a retirada pontífica num recente post), parece simplesmente não reparar que a igreja católica é, comparativamente, uma instituição relativamente decente.

Muita gente humanista prefere cascar na igreja católica, que é a que está na origem do sentimento humanista, do que noutras igrejas menos inclinadas a respeitar esse sistema de valores e eu não encontro qualquer razão de ordem racional para que assim seja.

Senão vejamos:

Ao contrário da igreja islâmica, a igreja católica não incentiva o treino militar de crianças, não promove a colisão de aviões com arranha-céus, não condena escritores à morte, não apela ao ódio étnico e repudia a violência em geral e o terrorismo em particular.

Ao contrário da igreja protestante, a igreja católica não nasceu para que um rei inglês pudesse casar e divorciar-se como bem entendesse, ou para que os mais ricos pudessem viver de consciência tranquila. 

Ao contrário das igrejas-seitas de todo o mundo, a igreja católica não promete curas para o cancro nem fortunas súbitas, é extremamente céptica no que concerne a milagres e não tem como missão extorquir os pobres de espírito (muito porque é perita em extorquir os ricos).

Ao contrário da maior parte das igrejas orientais, a igreja católica não prega um evangelho com 45 mil deuses e divindades, que esmaga o crente num labirinto de mistérios e inviabiliza a possibilidade de qualquer exercício teológico.

A igreja católica vive juridicamente separada dos estados onde exerce actividade, desde o século XVIII.
A igreja católica não obriga a um sistema sócio-económico fundado em castas.

Apesar do rito sacrificial a que se sujeitou o seu profeta, a igreja católica não costuma patrocinar sacrifícios humanos ou de animais.

A igreja católica é fundada por mandato de um filósofo judeu que defendia o amor como forma de redenção. Por isso, a igreja católica expressa-se geralmente em favor da paz, da tolerância, da solidariedade, do perdão e manifesta-se recorrentemente contra a pobreza, a injustiça, a ganância.

A igreja católica é uma das mais notáveis instituições filantrópicas na história das organizações e é seguramente o maior mecenas da história da arte. A igreja católica é uma referência global na área da assistência social privada. A igreja católica é uma academia reputadíssima, sendo proprietária de algumas das melhores escolas e faculdades do mundo.

A igreja católica, como todas as organizações humanas, revela fragilidades e contradições, soma erros graves, passados e presentes, é autofágica e tem sido palco de mil vilanias, porque a vilania é a actividade preferida dos homens e a igreja católica é contituída por eles.

Eu, que permaneço ateu e ateu permanecerei provavelmente até ao dia em que o medo da morte liberte em mim o consequente fervor religioso, acho que a igreja católica é uma excelente igreja, principalmente considerando as outras. E, neste momento histórico, inédito em 600 anos, devo deixar aqui registado que não subscrevo a decisão do Papa Bento XVI.