segunda-feira, junho 23, 2014

O pior verão da minha vida.

Os banqueiros escondem-se em condomínios de luxo
na fossa das Marianas;
o Cristiano Ronaldo mudou de penteado
e tem agora uma larva enorme onde antes estava o cerebelo.
Deus retirou a primavera do calendário,
o Anti-ciclone dos Açores já não funciona e este
é o pior verão da minha vida.

Os sobreviventes do Titanic deram à costa da Nazaré
e entre eles há um tal de Sebastião que não quer falar à SIC.
Platão estava certo, mas é Aristóteles que está a ganhar à Alemanha.
Não há soldados nem generais nem maneira de combater os bárbaros e este
é o pior verão da minha vida.

No Olimpo, já ninguém se lembra de Prometeu
e cá em baixo todos se esqueceram do que é preciso
para fazer fogo.
Afinal parece que Kant batia na mãe e sodomizava os discípulos e
nas notícias está um sindicalista a dizer que Ulisses
nunca chegou a voltar a casa e que Penélope acabou por casar
com o António José Seguro e este
é o pior verão da minha vida.

A Costa Rica vai ser campeã do mundo
enquanto a FIFA se entretém a envenenar os cavalos.
No Iraque, o Diabo agradece a Obama a gentileza de ser um cobarde de merda
e avança com guilhotinas.
A NASA tem 24 funcionários, entre os quais três cientistas
cuja tarefa consiste em encomendar foguetões a um canadiano que
constroi carros eléctricos.
Conto os trocos para comprar cigarros e a soma não chega para os impostos e este
é o pior verão da minha vida.

Heisenberg sabia mais de física do que Einstein mas como perdeu a guerra,
perdeu a razão.
Por isso, pensei que me podia suicidar se excedesse a velocidade da luz
mas o GTI que comprei não passa dos 220 e este
é o pior verão da minha vida.

Marx dá pontapés no cálculo diferencial e o papa evangeliza através do Facebook.
Os versos do Whitmann estão em greve de luta pelo direito a serem
prosa de Hemingway
e as estrofes do Camões querem ser
parágrafos do Saramago e
chego atrasado ao enterro do Álvaro de Campos
por causa do trânsito nos Anéis de Saturno.
Fico suspenso, com um ramo de flores carnívoras na mão e com a certeza que este
é o pior verão da minha vida.

Recebo no correio um postal ilustrado de Heródoto, mas como não sei grego
não percebo a ilustração.
Ibiza já não é o que era, diz ele.
O sol já não encontra um fim no horizonte, diz ele e
já não há pachorra para o eixo Paris - Buenos Aires.
A Terra é plana e este
é o pior verão da minha vida.

Um puto que desenhou uma bandeira nacional enforcada
foi a tribunal para ser absolvido e no outro dia
comprei as obras completas do Jorge Luís Borges,
como se isso fosse possível.
O labirinto nunca se completa e acaba sempre noutro labirinto
onde está o Tigre inacabado e este
é o pior verão da minha vida.

No arquivo secreto de Alexandria
constam 56 contratos firmados com assassinos profissionais,
mas ninguém consegue dar um tiro no José Sócrates.
A Wired até explica como é que se consegue imprimir uma pistola
perfeitamente operacional para dar um tiro perfeitamente certeiro
no José Sócrates mas este
é o pior verão da minha vida.

O Miguel Veloso é o lateral esquerdo da selecção
e o João Pereira é o lateral direito e, como se não bastasse,
o Manuel Alegre está escandalizado porque uns militantes do PS
chamaram cabrão-filho-de-uma-cadela ao Costa e este
é o pior verão da minha vida.

Já fui à praia, mas estava a chover e o mar encolhia-se ao contacto
do meu corpo.
As baleias-palhaço voaram durante uns minutos
até ficarem sem gasolina.
As gaivotas contaram anedotas e beberam cerveja e
cagaram na areia.
Eu pedi champanhe mas trouxeram-me licor de algas não fosse este
o pior verão da minha vida.

Na esplanada da praia a que fui, estou a ler a viagem do Bloom
que é uma espécie de Vasco da Gama comunista,
e estou a ler sobre o desastre marítimo de Portugal
segundo opiniões de professores portugueses e estrangeiros
e estou a ler a enciclopédia do Afonso Cruz e
o sangue que escorre d'Os Nús e os Mortos mancha-me o fato de banho
e quando peço a conta (um licor de algas, dois cafés e uma anedota)
a menina de serviço à caixa identifica-me como
o senhor que estava a ler na esplanada
porque estar a ler na esplanada é espantoso e este
é o pior verão da minha vida.

Os árbitros desistiram de marcar penaltis e,
por causa do aquecimento global, os marcianos adiaram uma vez mais
a necessária invasão (Eisenhower hesita entre um cigarro e o próximo);
a praia normanda precisa de cadáveres para fazer história e
a tabacaria fechou quando eu finalmente tinha os trocos certos para comprar
os cigarros exactos e este
é o pior verão da minha vida.

Oiço trinta bandas por semana, mas não consigo gostar realmente
de uma canção.
Vejo cinquenta filmes por dia, mas nenhum até ao fim.
Leio os filósofos todos e nem uma página de verdade.
Até os diccionários mentem com todos os dentes da filologia
e as palavras estão cansadas de serem ditas
e os sons perderam o seu significado
e o mundo inteiro é uma parábola amoral e eu,
como um desertor em terra de ninguém, encolho-me
no aconchego de uma cratera.
A não ser que um morteiro traia a lógica das probabilidades, este
é o pior verão da minha vida.