domingo, agosto 03, 2014

Jornal de Letras | Janeiro/Julho 2014

A Conquista da Terra. A Nova História da Evolução Humana - Edward O. Wilson - Clube do Autor

Um dos mais aclamados professores de Harvard, autor de obras basilares da sociobiologia como "O Fogo de Prometeu", Wilson teoriza aqui sobre as origens genéticas e ambientais do comportamento social e sua influência determinante na evolução humana e no seu destino.
O extenso estudo de campo que Wilson desenvolveu com as formigas eusociais (organizadas em grupos pela divisão altruísta do trabalho), permite-lhe apresentar argumentos concludentes que sustentam a sua arrojada tese evolucionista: a selecção natural premeia a complexidade social, sendo esta determinante na equação da origem das espécies.
Uma obra de fundo, profundamente académica, mas que consegue ser também um excelente ensaio de divulgação científica.

"A eusociabilidade, foi uma das maiores inovações na história da vida. Criou superorganismos, o nível seguinte de complexidade biológica acima do nível dos organismos. É comparável no impacto ao da conquista da terra pelos animais anfíbios que respiravam o ar. É equivalente em importância à invenção do voo por insectos e vertebrados."


A Boca da Verdade - Lawrence Ferlinghetti - Edição do Autor e do Tradutor

Lawrence Ferlinghetti será, talvez, o mais inspirado dos poetas beatnick, mesmos se considerarmos a poesia do seu grande amigo Keroac. Não sou um fã natural desta geração, mas abro excepções, é claro e esta é uma delas. Trata-se de um magífico livrinho de poemas que comprei quando trabalhava na livraria Castil de Alvalade, lá pelos distantes anos de 1988 e 89. Está bastante gasto, porque eu repito bastante esta visita. Fica o meu poema preferido, que já aqui tinha deixado uma marca.


I Am Waiting

I am waiting for my case to come up   
and I am waiting
for a rebirth of wonder
and I am waiting for someone
to really discover America
and wail
and I am waiting   
for the discovery
of a new symbolic western frontier   
and I am waiting   
for the American Eagle
to really spread its wings
and straighten up and fly right
and I am waiting
for the Age of Anxiety
to drop dead
and I am waiting
for the war to be fought
which will make the world safe
for anarchy
and I am waiting
for the final withering away
of all governments
and I am perpetually awaiting
a rebirth of wonder


I am waiting for the Second Coming   
and I am waiting
for a religious revival
to sweep thru the state of Arizona   
and I am waiting
for the Grapes of Wrath to be stored   
and I am waiting
for them to prove
that God is really American
and I am waiting
to see God on television
piped onto church altars
if only they can find   
the right channel   
to tune in on
and I am waiting
for the Last Supper to be served again
with a strange new appetizer
and I am perpetually awaiting
a rebirth of wonder


I am waiting for my number to be called
and I am waiting
for the Salvation Army to take over
and I am waiting
for the meek to be blessed
and inherit the earth   
without taxes
and I am waiting
for forests and animals
to reclaim the earth as theirs
and I am waiting
for a way to be devised
to destroy all nationalisms
without killing anybody
and I am waiting
for linnets and planets to fall like rain
and I am waiting for lovers and weepers
to lie down together again
in a new rebirth of wonder


I am waiting for the Great Divide to be crossed   
and I am anxiously waiting
for the secret of eternal life to be discovered   
by an obscure general practitioner
and I am waiting
for the storms of life
to be over
and I am waiting
to set sail for happiness
and I am waiting
for a reconstructed Mayflower
to reach America
with its picture story and tv rights
sold in advance to the natives
and I am waiting
for the lost music to sound again
in the Lost Continent
in a new rebirth of wonder


I am waiting for the day
that maketh all things clear
and I am awaiting retribution
for what America did   
to Tom Sawyer   
and I am waiting
for Alice in Wonderland
to retransmit to me
her total dream of innocence
and I am waiting
for Childe Roland to come
to the final darkest tower
and I am waiting   
for Aphrodite
to grow live arms
at a final disarmament conference
in a new rebirth of wonder


I am waiting
to get some intimations
of immortality
by recollecting my early childhood
and I am waiting
for the green mornings to come again   
youth’s dumb green fields come back again
and I am waiting
for some strains of unpremeditated art
to shake my typewriter
and I am waiting to write
the great indelible poem
and I am waiting
for the last long careless rapture
and I am perpetually waiting
for the fleeing lovers on the Grecian Urn   
to catch each other up at last
and embrace
and I am awaiting   
perpetually and forever
a renaissance of wonder


Para Onde Vão os Guarda-Chuvas? - AFonso Cruz - Alfaguara


Afonso Cruz é um géniozinho à solta. Este romance, mosaico orientalista onde o tempo não é um continuum, espécie de mil e uma noites ao contrário, tapete voador que faz rir e faz chorar e que nos redime dos dias de chuva, é a prova de que a literatura portuguesa tem poder para dar e vender. Apesar do folclore anti-americano do costume (o protagonista é um muçulmano que vê o seu filho morto por soldados americanos, como se no mundo islâmico precisassem de soldados estrangeiros para se matarem uns aos outros), apesar da simpatia que Afonso Cruz dedica à cultura islâmica e que, para mim, será sempre suspeita e desagradável, a verdade é que se trata de uma novela maravilha. Reparem bem neste excerto:

- A minha mãe, Sr. Elahi, interrogava-se para onde vão os guarda-chuvas. Sempre que ela saía à rua, perdia um. E durante toda a sua vida nunca encontrou nenhum. Para onde iriam os guarda-chuvas? Eu ouvia-a interrogar-se tantas vezes, que aquele mistério, tão insondável, teria de ser explicado. Quando era jovem pensei que haveria um país, talvez um monte sagrado, para onde iam os guarda-chuvas todos. E os pares perdidos de meias e de luvas. E a nossa infância e os nossos antepassados. E também os brinquedos de lata com que brincávamos. E os nossos amigos que desapareceram debaixo das bombas. Haveriam de estar todos num país distante, cheio de objectos perdidos. Então, nessa altura da minha vida, era ainda um adolescente, decidi ser padre. Precisava de saber para onde vão os guarda-chuvas.
– E já sabe? – perguntou Fazal Elahi.
– Não faço a mais pequena ideia, mas tenho fé de encontrar um dia a minha mãe, cheia de guarda-chuvas à sua volta.



Economia, Moral e Política - Vitor Bento - Relógio D'Água Editores, Fundação Francisco Manuel dos Santos

Em 2011, Vitor Bento publicava este opúsculo sobre o tema da moralidade e da política na economia. Três anos depois, na sequência do maior escândalo financeiro da história da Terceira República, é escolhido para dirigir os destinos do BES. A coincidência é a forma como Deus permanece anónimo.
O ensaio em si não consegue sair da esfera da previsibilidade e do politicamente correcto, mas é esclarecido no que diz respeito à relação epistemológica existente entre o ethos e a ciência económica, pertinente na análise que faz à influência da ciência política e crítico o que baste para com os agentes do mercado financeiro. A ideia de responsabilizar criminalmente os quadros de decisão e não apenas as empresas que os empregam parece-me, por exemplo, muy justa.


Contos Espantosos - Alexandre Dumas, Guy de Maupassant, Honoré de Balzac, Edgar Allan Poe - Rosto Editora

Breve colectânea de literatura fantástica do século XIX, em que se destaca, claro, o texto de Poe, que é uma notável elegia da vingança. Um livrinho simpático, para levar para a praia.


Agosto, 1914 - Alexander Soljenítsin - Publicações D. Quixote

Obra inacabada que retrata a desastrada e incauta invasão da Prússia pelos russos, no princípio da Primeira Grande Guerra, Agosto, 1914 é mais um grande romance de guerra para o glorioso espólio da literatura russa. E testemunho eloquente do grande talento de Soljenítsin para o formato épico.


A Identidade Cultural Europeia - Vasco Graça Moura - Relógio D'Água Editores, Fundação Francisco Manuel dos Santos

Uma das últimas obras escritas pelo grande vulto da cultura nacional, este ensaio procura e consegue condensar a essência da identidade ocidental. Vasco Graça Moura conduz o leitor pelo labirinto da cultura europeia com a erudição e a elegância que lhe são absolutamente naturais, demonstrando que os valores filosóficos, artísticos, político s e sociais que presidem à Europa do pós-guerra não são relativos nem insignificantes e assentam num processo de transcendência único na história da humanidade. Um tratado para sobreviver ao tempo.


Sobre o Café, o Tabaco e o Álcool - Honoré de Balzac - Padrões Culturais Editora

Mais interessante pela viagem aos costumes e às mentalidades do Século XIX do que propriamente sobre a opinião que o autor tem em relação aos temas a que se propõe, este ensaio de Balzac não deixa de ser divertido. Por exemplo, o autor conta que, depois de beber, na companhia de um amigo, dezassete garrafas de vinho (!), acaba por ficar mal disposto ao rematar a épica bebedeira com um charuto, partindo deste magnífica prova laboratorial para demonstrar os malefícios do tabaco.
Todo o texto está recheado de pseudo-ciência (mesmo segundo os critérios do tempo) e de conceitos espúrios, que Balzac utiliza para sustentar a ideia de que as três substâncias (na verdade são 4, porque o autor também acha que o chá é um perigo para a saúde pública) são altamente nocivas para o ser humano.
Enfim, um texto moderadamente cómico, e não mais que isso.


Os Portugueses Descobriram a Austrália? 100 Perguntas Sobre factos, Dúvidas e Curiosidades dos Descobrimentos - Paulo Jorge de Sousa Pinto - A Esfera dos Livros

Porque me foi recomendado por uma amigo cuja análise crítica e cultura livresca muito respeito, foi com alguma entusiasmo que peguei nesta espécie de perguntário. A desilusão foi enorme. Paulo Jorge de Sousa Pinto tem a intenção de desmistificar tudo, mesmo o que não é desmistificável, de tal forma que ficamos com a sensação de que os descobrimentos não passam de um mito urbano, inventado por uma seita de historiadores do Estado Novo. Mas o que é realmente lamentável nesta obra é o facto de não trazer realmente nada de novo para o património documental da gesta marítima, apesar da intenção iluminista. Muito porque o autor se esconde num relativismo miserável, sempre que a sua prosa - e muito contra a sua vontade - corre o risco de poder ser minimamente interessante. Dou só um exemplo: a resposta à pergunta nº 65, que dá o título ao livro, é esta: não sabemos se foram os portugueses que descobriram a Austrália mas, mesmo que tenham sido, conforme o mapeamento de um tal Godinho de Erédia e graças à gesta de Cristovão de Mendonça, isso não interessa nada, porque o facto não teve dimensão mediática nem histórica, nem foi oficializado. O que interessa é o facto histórico e o facto histórico diz-nos que o descobrimento oficial é o de 1606, com a chegada do holandês Willem Janszoon. Ora, se a questão é tão pouco pertinente, porque é que o autor decidiu pegar nela para título do seu livro? Jorge de Sousa Pinto chega a observar que, na verdade, nenhum Europeu descobriu a Austrália, porque alguns povos do pacífico já sabiam da existência deste território. Repare-se que, neste caso, o autor já não se importa que esse conhecimento não tenha um "facto histórico oficializado" que lhe dê validade. Só os europeus é que precisam de se sujeitar a isso. Os outros povos podem criar factos históricos à vontade, que não precisam de oficializar nada. Para que os seus livros deixem de ser uma enorme perda de tempo, Paulo Jorge de Sousa Pinto precisa de se aliviar um pouco do fardo do homem branco. Desconfio que isso será lago difícil para ele, pelo que este será para mim, um autor a evitar.


Eu, Borges. Imagens, Memórias, Diálogos - Maria Esther Vazquez - Editorial Labirinto

"Eu fui Homero. Em breve serei ninguém como Ulisses; em breve serei todos: estarei morto."
Jorge Luís Borges

Edição que regista as conversas que a jornalista Maria Esther encetou com o génio argentino, e com alguns dos seus amigos, Eu, Borges constituirá, para qualquer  pessoa com gosto pela literatura, uma fonte inesgotável de prazer. Grandiloquente, omnisciente e encantador, Borges não tem medo do espelho e fala de si e dos outros com o à vontade dos imortais. Uma peça de culto.


O Império de Hitler. O Domínio Nazi na Europa Ocupada - Mark Mazower - Edições 70


Este é daqueles livros de História que constituem um verdadeiro desafio. Volumoso, tipografado para olhos de adolescente, angustiante, arrepiante, repleto de números deprimentes e ainda assim, uma experiência gratificante. É que estamos perante de um trabalho de pesquisa e tratamento de conteúdos de dimensões recordistas. Mazower traça, com mestria, rigor académico e inacreditável erudição, uma longa aguarela de horrores, num retrato lúcido da administração do império que, de repente, o estado nacional socialista tinha que governar, independentemente ou não, da gestão do esforço de guerra.
Uma das grandes contradições da praxis administrativa nazi que atravessa estas páginas é precisamente a que decorre no leste da Europa: entre a imperativa e radical implementação das políticas raciais (leia-se, extermínio de judeus, polacos, russos, homossexuais, ciganos etc.), acerrimamente defendida por Hitler e Himmler, e a necessidade de mão de obra escrava para alimentar a indústria militar, bem como da manutenção de alguma boa vontade das populações conquistadas, constantemente apregoadas pelos estrategas de Wehrmacht e pelos arquitectos da burocracia imperial, como Rosenberg e Speer, há um conflito decisivo. No triunfo último do fanatismo racial, encontram-se muitas das razões para a derrocada alemã na frente russa.
A importância dada à raça continha até, dentro do seu próprio racioncínio, motivos de falência técnica: os alemães quiseram germanizar completamente alguns dos territórios conquistados aos polacos e aos checos (e que lhes tinham sido retirados no Tratado de Versalhes), mas o seu critério racial era de tal forma exclusivista, que nunca conseguiram dar consistência demográfica ao sonho de recolonização ariana.
Outra das milhares de análises pertinentes que este livro encerra, é a de que nem todo o extermínio étnico se deveu directamente ao delírio alemão. Em França, na Ucrânia, na Checoslováquia, na Roménia e na Grécia, os locais não precisaram das SS para levar a cabo perseguições e chacinas de generosa dimensão. Principalmente no Leste, não foi necessário muito mais que rédea solta para que se começassem a matar todos uns aos outros.
No seu todo, a obra descobre ainda uma faceta que não costumamos associar aos alemães: a incompetência. Os territórios foram mal geridos, as suas potencialidades económicas foram subaproveitadas, nunca houve uma filosofia de administração consistente, não há registo de uma ideia para a Europa, um conceito de civilização para o império; nada. Apenas uma lógica de violência nacionalista.
Prémio LA Times para o melhor livro de História de 2008.


Os Nús e os Mortos - Norman Mailer - D. Quixote


“The natural role of the twentieth-century man is anxiety.” 
Norman Mayler | The Naked and the Dead

O romance nú e crú que pôs a América a pensar duas vezes sobre o entusiasmo com que entregava os seus filhos ao horror da guerra é uma obra-prima, talvez a única, de Norman Mailer. Retratando a tomada da ilha de Anopopei, nas Filipinas,  o livro não tem mais que cinquenta páginas dedicadas à acção de combate, mas é devastador. Os personagens vivem mergulhados num inferno indescritível, entre os rigores da selva equatorial e o desespero da condição humana. Odeiam-se furiosamente e odeiam a criação.
A obra, que é um ponto de convergência entre Dos Passos e Tolstoi, integra para cima de 16 personagens principais e os seus labirínticos e abissais diálogos interiores cheguam a ser excruciantes. A leitura deste livro é simultaneamente dolorosa e prazerosa.
Mailer escreveu esta novela espantosa, visceral e aterradora com 25 anos, logo depois de ter voltado do Pacífico, onde cumpriu serviço militar durante a II Grande Guerra, embora nunca tenha disparado um tiro. Ainda assim, há muita verdade nestas páginas angustiadas.


Enciclopédia da Estória Universal. Recolha de Alexandria - AFonso Cruz - Alfaguara


Este projecto de Afonso Cruz, de inspiração completamente Borgiana, é uma jóia incontornável no actual panorama editorial. A enciclopédia tem já 3 volumes editados e esta Recolha de Alexandria é simplesmente um deleite. Principalmente para quem gosta de Borges. Só a bibliografia é uma coisa notável, que cruza referências milenares e reais com autores fictícios e obras imaginadas. As entradas da Enciclopédia são um verdadeiro labirinto de registos e estórias e citações, onde a filosofia, a religião e a literatura encontram um único caminho de saída. Algumas pérolas:

"A maldição de Babel não foi os homens desentenderem-se por falarem línguas diferentes, mas sim desentenderem-se falando a mesma língua."
Dovev RozenKrantz

" O ócio não é o contrário de trabalho.

A felicidade é que é o contrário de trabalho."
Marian Bibin

"Imagine-se um hotel com quartos infinitos. Um dia, chega uma excursão de infinitos excursionistas. O recepcionista coloca cada pessoa em cada quarto. Mas no dia seguinte (porque é Agosto no Sul de Espanha) chega mais uma excursão de infinitos turistas. O recepcionista fica baralhado, mas há várias soluções simples, esta é uma delas: os turistas infinitos da primeira excursão ficam nos quartos pares e os da segunda excursão nos quartos ímpares. Assim, caberiam pelo menos dois infinitos no mesmo hotel."

Arseny Bobrov, Extracção Craniana da Arte