terça-feira, setembro 30, 2014

Passageiros clandestinos da máquina do tempo.

Escapists  |  Blood


Dead Stars  |  Summer Bummer


By The Sea  |  Endless Days

Pass the salt, Pepper.

Está no ar, através do Observador, a opinião enfadonha e fútil desta rapariga cujo pseudónimo é Lucy Pepper e que é uma escriba insuportável.
Não é insuportável porque é inglesa, senegalesa ou de Freixo-de-Espada-à-Cinta. Por aquilo que eu sei dela, a rapariga pode ser nativa do inferno e isso, por mim, está muito bem.
Não é insuportável porque vive em Portugal, onde será sempre alienígena, onde será sempre irrelevante, o que é óptimo.
Não é insuportável por ter insuportáveis opiniões filosóficas, sociais ou políticas, porque não as tem, ou se as tem, são envergonhadas.
Não é insuportável por ser uma péssima ilustradora, embora nos pudesse poupar aos arabescos com que salpica a sua prosa, já de si inepta (em Português e em Inglês).
Não é insuportável da maneira que ela pensa que é insuportável: fazer laracha com Portugal é uma tradição mais antiga que o humor Inglês e ninguém pode realmente ser maldito por causa disso.
Lucy Pepper que, obviamente, nem sequer tem a decência de assinar as suas pequenas infâmias com o nome próprio, é insuportável porque é diletante, porque é destituída, porque é banal, aborrecida, pretensiosa e completamente desprovida do espírito que caracteriza invariavelmente os grandes da sua pátria (sendo certo que a rapariga pode ser inglesa tanto como pode ser canadiana ou boliviana ou libanesa, porque o anonimato é um dificultador da geografia política).
Lucy Pepper não é Lucy Pepper: é Stratford-Upon-Haven, sem Shakespeare; é Madam Foxtrot, sem ritmo; é Miss Shallow, sem redenção; é Lady Chatterley, sem amante; é Mary Poppins, sem chapéu de chuva; é uma lástima, um íncómodo, uma irritante comichão num sítio que é impróprio nomear.  
Lucy Pepper, cuja imaginação flutua entre o vácuo e o zero absoluto, está sempre a descobrir a pólvora: agora é porque Portugal não existe, depois é porque em Portugal comemos muitos ovos, a seguir é porque a calçada portuguesa dificulta a elegância dos saltos altos, antes tinha sido porque nos chamamos todos doutores e engenheiros uns aos outros e a seguir será porque somos uns fatalistas sem remédio, até que chegue O Prometido. O conjunto de banalidades espúrias com que a rapariga presenteia a audiência do Observador é verdadeiramente aterradora.
É claro que devemos sempre desconfiar de alguém que sai do seu país para ir viver noutro. A única razão válida para o fazer é a da subsistência e, acreditando que a dama Pepper é inglesa, o que está ainda por demonstrar, convenhamos: ninguém vem de Inglaterra para Portugal à procura de prosperar.
A este propósito, interrompo o discorrer da indignação para prestar homenagem à Inglaterra e aos ingleses, que recorrentemente conseguem correr com os seus nativos mais imbecis. A tragédia disto é que muitos deles acham por boa ideia arrumar os seus tristes destinos na minha pátria, que os recebe com a ansiedade do junkie e a gratidão do mendigo.
Lucy Pepper, por exemplo, não passa de uma escriba sofrível, cuja mediocridade lhe deve ter impossibilitado a desejada coluna esperta no jornal local da desventurada aldeia que a pariu. 
Lucy Pepper, na verdade, é uma espécie de produto de plástico em segunda mão, versão camone e mastigada do Miguel Esteves Cardoso dos anos noventa, doçaria apimentada e insonsa (gasp!), máquina incógnita de fazer conversa de chacha, inconsciente autora de coisas que já foram, labirintozinho redundante, coisa sem jeito nenhum.

Lucy Pepper, devo-lhe dizer o seguinte: passe o sal. E a seguir, por gentileza, vá bardamerda, sim?
Much Obliged.

terça-feira, setembro 23, 2014

Minimal e um scotch.



Wildcat! Wildcat!  |  End Of The World Everyday

Tudo o que é preciso para conseguir uma excelente versão deste magnífico tema é um baixo, uma pandeireta e 4 vozes. E gelo, para o rapazinho do scotch whisky.

segunda-feira, setembro 22, 2014

Zero must equals one hundred per cent #2




















"The universe is the ultimate free lunch."
Alan Guth

Parece que se calcularmos toda a energia do universo o resultado dá zero. Os contributos positivos (das galáxias aos fotões, a matéria e a radiação têm energia positiva) são anulados pelos contributos negativos (os campos gravitacionais são formas de energia negativa), de forma simétrica. E se o resultado é zero, é porque a criação cósmica é um verdadeiro "free lunch". Na verdade, não há lucros nem prejuízos energéticos no acto cosmogónico. Não há investimento nem retorno ao investimento. Para termos um big bang não precisamos de nada. Rigorosamente nada. O universo, neste contexto, pode ser visto como uma gigantesca manifestação de coisa nenhuma.

Referências:
Live Science
Wikipédia
Big Think

 Zero must equals one hundred per cent #1

Feynman explica.


"What statement would contain the most information in the fewest words? All things are made of atoms - little particles that move around in perpetual motion, attracting each other when they are a little distance apart, but repelling upon being squeezed into one another."
Richard Feynman - Six Easy Pieces - 1961

No vídeo em cima, resume-se num instantinho a biografia de Richard Feynman (1918-1988). É alguém que importa conhecer porque se trata - claramente - de um dos mais geniais físicos do século XX. 
Nos dois vídeos de baixo, Feynman explica, num workshop para leigos, como funciona a vertente laboratorial da física quântica, um assunto que confunde muita gente. E como a realidade se apresenta, do ponto de vista da mecânica das partículas.
O carácter informal da palestra permite-nos entrar de uma forma quase intimista na personalidade de Feynman, na sua linguagem corporal, na sua teatralidade, na sua erudição e vocação pedagógica. Enquanto o físico, que está descalço, discursa sobre a natureza probabilística da luz, irrita-se com as interrupções, engana-se nas contas, volta atrás e salta para a frente da narrativa de forma caótica, deixa cair os marcadores e está constantemente a pisar o fio do microfone. Ainda assim, percebe-se perfeitamente que estamos na presença de um monstro sagrado da ciência.




O Workshop inteiro está aqui.

Recentemente a BBC produziu um bastante competente filme com William Hurt personificando Feynman, no epílogo da sua vida, quando conseguiu descobrir e demonstrar eloquentemente a causa da tragédia do shuttle Challenger.


sábado, setembro 20, 2014

A Escócia e a Caixa de Pandora.

O problema de fundo que foi ontem em boa hora evitado à justa pelos escoceses, é o que decorre do potencial endémico que a independência desta nação poderia ter no sentido da desintegração da geografia política na Europa.
Se os escocesses ganhassem a sua independêcia, o Reino Unido vir-se-ia, num futuro mais ou menos próximo, confrontado com movimentos nacionalistas de diferente intensidade na Irlanda do Norte e no País de Gales. Em Espanha, as já problemáticas ambições independentistas de catalães, bascos e galegos subiriam de tom. Na Bélgica, os flamengos bateriam o pé aos francófonos; na Holanda, levantar-se-ia a velha questão da Frísia. Em Itália, logo se ouviriam os Corsos em protesto pela liberdade da sua ilha. Na Alemanha, os bávaros ganhariam fôlego para as suas aspirações fracturantes, enquanto os alemães que vivem em França (Alsácia e Sabóia), na Silésia (sudoeste da Polónia) e no sul da Dinamarca perguntar-se-iam se não tinha chegado a hora de voltar a entregar à Alemanha os territórios que detinha em 1914.
Os eslovenos que ficaram encurralados na Aústria, os macedónios que ficaram esquecidos na Bulgária e na Grécia, os húngaros que foram abandonados na Eslováquia, os dinamarqueses que ficaram fechados na Alemanha, os morávios que ficaram entalados entre a República Checa e a Eslováquia, os Russos da Letónia, os curdos da Turquia, os turcos da Macedónia, os dementes da Cornualha, os atrasados mentais da Bretanha, os tripeiros do Porto, os palermas da Ilha da Madeira e os imbecis de toda a parte teriam novas e ainda mais infelizes razões para incomodarem as pessoas de bom senso com as suas bandeirinhas e as suas contas por acertar. A Europa, todos sabemos, tem sempre contas por acertar e, geralmente, são contas que apenas ficam certas com muitos milhões de mortos. Basta pensar no recente processo de transformação geopolítica dos balcãs para ficarmos horrorizados com um cenário de trend independentista à escala continental.
Além disso, a última coisa que a Europa precisa, neste momento, é de se perder em identidades labirínticas, economicamente inviáveis, fechadas no seu imaginário emocional com raízes num passado que é, invariavelmente, virulento e ensanguentado. A Europa não precisa de encolher. Não precisa de se retalhar. Precisa de se transcender.
É certo que o Não escocês resolve pouco. 55% deixa muita margem de manobra para novas pressões plebiscitárias no médio-longo prazo e o resultado deste referendo não vai calar de certeza a triste massa de retardados a que costumamos chamar catalães. Um cenário de desagregação em Espanha será sempre mais grave que a implosão do Reino Unido, na medida em que a Inglaterra terá ainda assim condições para permanecer uma potência, enquanto na Península Ibérica não há uma só nação que permaneça forte contando apenas consigo própria.
Mais a mais, não vale a pena ignorar o elefante cor de rosa que está sentado no centro da arena desta conversa: a maior parte dos estados europeus não são realmente independentes, muito simplesmente porque dependem da União Europeia e de super-estruturas tecno-económicas que ultrapassam largamente a sua autonomia e capacidade executiva. Os movimentos Independentistas europeus anseiam pela autodeterminação só para depois entregarem essa liberdade aos burocratas de Bruxelas, aos adolescentes multimilionários que dominam a inovação tecnológica e aos caciques do terceiro mundo que detêm o poder fiduciário. Ora, isto não faz sentido nenhum. Se fosse escocês, preferia mil vezes depender de Westminster do que depender da Comissão Europeia, dos caprichos de um Zuckerberg qualquer ou dos infames interesses de um sheik das arábias.
Seja como for, saúdo os escoceses por terem feito o possível por manter fechada a Caixa de Pandora. E por terem dado mostras que o Reino Unido continua, afinal, na vanguarda da civilização, da democracia e do bom senso.

quinta-feira, setembro 18, 2014

Haikus do alto da falésia.





























Da praia sobe o ruído
De ondas
E crianças.

Deus também tem cócegas.


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Os
Dias
Passam
Em
Slow
Motion.

Até os sonhos
Se demoram.


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Aqui em cima
O tempo dura mais tempo.
Dir-se-ia que a morte
Não tem pressa.


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É a vida que é curta
Ou é o homem que é ávido?


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A gaivota desliza pela corrente de ar
Com erudição e elegância.

A liberdade faz sentido estético.

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No alto da falésia
A baía é mais bonita
Do que lá em baixo
Me parece.

Talvez aos deuses
Pareça o mundo
Da mesma maneira.


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A buganvília ressuscitou
com um litro de água.

A vida quer ser vida.


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Ninguém faz a guerra
Depois de uma boa refeição.


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Haikus de Kobayashi
Haikus do Tempo Suspenso

terça-feira, setembro 16, 2014

Do alto da falésia.




































O sol faz-me prazer no corpo.
Gosto de sentir a pele a tostar:
há aqui uma transferência de plasmas
- entre mim e o sol -
que é uma espécie de sexo;
que é fecunda e generosa.
Enquanto consumo a tua energia, estrela,
dou-te de volta uma utopia cosmogónica;
retribuo com fé na grande ordem do universo,
respondo com as fúrias da felicidade e as raivas da paz;
sou enfim significante para mim como para o abismo,
sábio finalmente, perante o mistério.

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Hoje afoguei milhares de formigas, com uma mangueirada.
Peço desculpa aos deus das formigas.
Estou arrependido.

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Uma tarde de sol, depois da manhã opaca.
Uma varanda com o Atlântico em frente.
Um Gordons tónico. Ou dois.
Um maço de cigarros.
Um livro de história e outro de poemas.
Um bloco de notas.
A Parker roliça que me acompanha sempre.
E à noite vou ao Canhão à procura de um dos magníficos pregados que aquela traineira ali
traz agora à doca.

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A mais justa filosofia de vida é a de esperar que ela passe.

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A noite pacífica fechou o horizonte, mas do outro lado da baía há relâmpagos que desafiam a treva.
O troar quase não me chega, porque o sussuro da maré é ensurdecedor. (E porque estou a ouvir Manchester Orchestra).

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Antínoo, estátua de ti mesmo, quantas muralhas ergueu Adriano para te defender?
De que império impossível vieste, com que barro improvável foi gerada
a tua beleza de negativo de deus,
serigráfica silhueta com testículos perfeitos e mamilos de criança.
Antínoo, maldição estética num tratado de anatomia, fidelíssimo soldado da batalha do fim,
ideal romano de morrer cedo para viver eterno,
supremo sacríficio em nome da vaidade dos deuses;
Antínoo. Foi para ti, já morto, que o imperador construiu o futuro.

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Já só escrevo para entreter os dedos.