terça-feira, agosto 25, 2015

Uma cambada de coninhas.


Esta "black sunday" (termo que é logo à partida desproporcionado para o que aconteceu hoje), só vem confirmar o que penso há muitas décadas sobre os mercados financeiros: a economia global não pode depender assim tanto desta corja de cobardes, desta canalha de gananciosos completamente desprovidos de tomates, desta gentalha medrosa e bárbara e ignorante que vende com base no susto mais inócuo, que compra no fundamento da ganância mais imediata. Parte-se do princípio que as pessoas que investem dinheiro nas bolsas de todo o mundo serão capazes de dois ou três exercícios racionais que são óbvios e que têm, ainda por cima, registo estatístico e histórico. Mas, desgraçadamente, não é isso que acontece.

Não há, desde que os deuses da economia inventaram o conceito de bens transaccionáveis, negócios que sejam chorudos para sempre. Pelo contrário, toda a gente com um mínimo de senso sabe que os bons negócios são essencialmente fenómenos efémeros. É aliás por isso que são bons negócios. O conceito de oportunidade não pode ser estranho ao investidor. E se agora surge uma boa oportunidade para investir no bem x isto quer apenas dizer que esse bem x será, no futuro, um negócio não tão bom. Isto é tão básico que até faz impressão.

Ora, parece que o médio capitalista, que aposta na bolsa quando a bolsa prospera, não está preparado para perder dinheiro quando a bolsa é menos generosa. Acontece que a bolsa só existe precisamente porque tem momentos bons e maus. Sem momentos bons e maus, não fazia sentido investir na bolsa. Acontece, ainda por cima, um facto absoluto: quem investe nos mercados de forma diversificada, lúcida (quero dizer, sem pensamento mágico) e a longo prazo, acaba invariavelmente por ganhar muito dinheiro. Os números são, neste aspecto, indesmentíveis.

Ainda assim, o "comportamento dos mercados" é completamente esquizofrénico. Para o investidor médio, basta que um qualquer Bandarra dos tempos modernos anuncie o apocalipse zombie para isso ter um efeito significativo na sua carteira de investimentos. Se o petróleo fica mais barato, vende. Se o petróleo fica mais caro, vende. Se o Yuan sobe, vende. Se o Yuan desce, vende. Se o mercado imobiliário rende loucamente, vende. Se o mercado imobiliário cai naturalmente na realidade, vende. A vender, o sujeito é um místico, embora cauteloso: vende por oráculo, vende por profecia, vende por revelação, vende por pressentimento, vende por medo do que lhe dizem no telejornal. Mas a comprar apresenta-se como um materialista aventureiro e sonhador: só investe quando a perspectiva de lucros é insana.

Seja como for, ainda podemos pensar, com algum paternalismo; ainda podemos admitir, com alguma condescendência, que o capitalista médio não é completamente um sapiens. Que dinheiro não significa nada para além de dinheiro e que muitos detentores do capital accionista mundial não têm educação, inteligência e sensibilidade para mais do que o bárbaro prazer de apostar num combate de pitbulls. Mas o argumento seria apenas aceitável se os capitalistas de capitania alta não procedessem exactamente como os capitalistas de capitania mais baixa. Lamentavelmente, os últimos portam-se tão mal, ou melhor, que os primeiros. Até à queda do antigo regime, os pobres sempre puderam contar com a tremenda liberdade de não servirem de exemplo a ninguém. Cabia aos mais afortunados o fardo e a chatice de, pelo menos, parecerem tão honrados como a mais suspeita das mulheres de César. Os tempos modernos trouxeram porém esta nova barbaridade: até os ricos se portam realmente muito mal.

A histeria por isto e por aquilo, que custa milhões de milhões a toda a gente mas que só é perdida por uns quantos imbecis que deviam estar impedidos de jogar Black Jack no Casino Estoril e que apostam estúpida e ingenuamente a saúde financeira mundial na perspectiva tão estúpida como ingénua de um eldorado qualquer; a mais espúria ignorância das regras elementares da economia e da sua natureza orgânica, estatística e, sobretudo, não científica; a desfaçatez totalista de comprar e vender segundo princípios filosóficos de mau agiota; a infeliz demência aritmética de quem acredita que o ouro cresce nos prados e que, por isso, cai rapidamente no mais tolo dos fatalismos - muitas vezes, vezes sem conta, a propósito dos mais inóquos, insignificantes e imateriais motivos que se possa imaginar-; a simples iniquidade do pânico fácil; a omnipresente lógica de rebanho; são, de todo em todo, fenómenos indesejáveis à necessária sanidade global.

A imprensa, claro, não ajuda nada. Sempre que os capitalistas apresentam o seu medíocre espectáculo de incompetência e fragilidade constrangedoras, há um festim nas redacções. Os jornalistas pensam que se vingam dos ricos, noticiando as suas falências de tudo. É mais que óbvio que tal sensação não tem correspondência material. Quanto menos ricos são os ricos, menos dinheiro disponível vão ter para pagar os salários dos jornalistas que têm ao serviço. E não há jornalistas hoje que não estejam ao serviço de um rico qualquer.

Até 2007, a imprensa tinha o trabalho facilitado porque a culpa era sempre dos capitalistas americanos, uns poucos saloios do Texas, que usam cartola e que gostam de cavalos e de helicópteros com metralhadoras. Hoje em dia, a tarefa é um pouco mais complicada, muito por causa da China, este país simpático que reúne um terço da humanidade sobre o tecto de uma ditadura comunista, enquanto age com imenso à vontade e inconfundível maniqueísmo nos palcos do grande capital. Agora que a culpa já não é toda, inteirinha, dos americanos, agora que os mercados internacionais entram em pânico porque a China só está a crescer 7% ao ano, como se fosse possível a uma nação manter crescimentos de dois dígitos para toda a eternidade; agora que o petróleo voltou ao seu valor normal, muito simplesmente porque se chegou à conclusão óbvia que há petróleo em abundância e em abundância para as gerações que se seguem; agora que reina a incerteza e o caos, agora que o gps da razão ideológica percorre lugares não cartografados, não há explicações fáceis.

Quero dizer, a explicação é difícil, mas é sempre a mesma: as pessoas são incrivelmente estúpidas. Brancos e pretos, homens e mulheres, adultos e crianças, ricos e pobres. Somos todos incrivelmente estúpidos.

Eu até sou um gajo que costuma defender os ricos porque sem ricos não chega sequer a haver pobres. Sem os ricos não há civilização, no sentido em que a entendemos. E é claro que os ricos que temos hoje não têm culpa de serem os indigentes que são. Digam o que disserem, o conjunto social é o primeiro e o último responsável pelas suas elites. E, regra geral, cada sociedade tem as elites que merece. Se temos os ricos que temos - uns coninhas de merda - a culpa é nossa. Quero eu dizer: a culpa é dos pobres.

Mas ainda assim, este histerismo todo deixa-me os nervos alterados. Este perder de milhões sem nenhuma razão sólida, este desperdício de futuros, deixa-me o cerebelo todo arrepiado com os calafrios da consciência de classe.