quinta-feira, outubro 22, 2015

Uma fatalista definição dos fundamentos rock.



The Rival Bid. Mais uma banda pop up, que vem da massa caótica do rock contemporâneo para esclarecer a audiência: o rock é melódico, é politécnico, é melancólico, é fatalista. Como o fado, mas ao contrário. Os últimos dois minutos e pouco desta música são absolutamente geniais. Só não gosta quem não quer ouvir.

Quanto pesa um quilo?

Hoje, a mecânica quântica não dá descanso aos jornais. No Público, está um muito interessante artigo sobre os problemas e as complicações que surgem quando queremos definir o peso exacto do quilograma através da Constante de Plank. O resultado, claro, será sempre probabilístico e, assim, não einsteiniano (apesar de Einstein ajudar na equação).

O Erro de Einstein, outra vez.



Einstein nunca acreditou nas propriedades fantasmáticas do mundo subatómico. E esse foi um dos seus maiores erros. A capacidade de entanglement das partículas (uma partícula aqui pode alterar e altera o comportamento de outra partícula acolá), é conhecida desde os anos 30 do século XX, mas a experiência definitiva chega-nos agora. Um estudo liderado por Ronald Hanson, da Universidade de Tecnologia Delft e publicado pela Nature demonstra inequivocamente que 2 partículas afastadas e isoladas físicamente uma da outra (sem loopholes) interagem loucamente. Sem que se perceba bem porquê. E era disso que Einstein não gostava. Na sua arrogância de mago, Einstein não gostava mesmo nada de fenómenos que acontecem sem que se perceba bem porquê. E a mecânica quântica, claro, irritava-o deveras, porque o comportamento das partículas é mesmo muito difícil de perceber.

Duelo à chuva.



Demonstrando que a primeira categoria de competição automóvel é, hoje em dia, o campeonato do mundo de endurance, Webber e Fessler embrulham-se num duelo épico durante as 6 horas de Fuji deste ano. Em cinco minutos, temos aqui mais emoção que numa época inteira de Fórmula 1.

quarta-feira, outubro 21, 2015

Jornal de Letras - Edição Especial - Os Deuses e a Origem do Mundo, de António de Freitas.

Crónica publicada a 23/07/15
Licenciado em Matemática com pós-graduação em Lógica Medieval, António José Gonçalves de Freitas fez tese de doutoramento sobre a origem do pensamento filosófico grego, bem como estudos avançados em línguas e culturas do Próximo Oriente. É especialista em escrita cuneiforme, em sumério, em acádio e em outras línguas semitas, desenvolvendo investigação na área das línguas indo-europeias, sobretudo o hitita, o sânscrito e o grego.
Este primeiro e monocórdico parágrafo é necessário porque “Os Deuses e a Origem do Mundo” (Quetzal, 2015)  é uma antologia de textos cosmogónicos, na maior parte traduzidos pelo autor e que resulta da sua vasta erudição, tanto no assunto versado como nas línguas de origem.
Ao longo destas saborosas páginas salta à vista o protagonismo da palavra e da água como agentes da criação. A importância dos nomes é inequívoca. Há aliás deuses que só existem quando são nomeados e o cosmos precisa do substantivo próprio como o dia da luz solar. A água é omnipresente e transversal, inundando os mitos criacionistas um pouco por toda a parte da história e da geografia. Mas o importante a reter para apreciar a obra de António Freitas, como ela deve ser apreciada, é que as cosmogonias são afinal literatura. E literatura primordial. Os textos são amiúde de beleza esmagadora, as frases pesam loucamente sobre os sentidos e o uso da repetição estrófica em anáforas e diáforas constantes deixa a sua marca. É praticamente impossível escapar ao potencial encantatório desta protoliteratura, porque reflecte a sensibilidade artística dos povos que a criaram, mas também porque nos traz o sabor das suas preocupações imediatas. A importância do sexo e da agricultura no enredo mítico, por exemplo, dá-nos um sentido pragmático da abordagem transcendental.
Um detalhe que incomodará certamente a sensibilidade do leitor mais atento, é que em muitos destes aparelhos mitológicos os deuses não são os criadores do cosmos e as forças enigmáticas que estão por trás da criação acabam por não ser claramente reveladas. Aqui e ali, os deuses sabem tanto das origens do cosmos como nós, os humildes mortais. Chega a ser frustrante.
Mas uma das conclusões mais eloquentes, e em simultâneo mais divertidas, desta antologia, é a evidência de que os mitos criadores relacionam-se intensa e despudoradamente uns com os outros, numa iniciática entropia de plágios. As cosmogonias gregas vão buscar Prometeu aos mitos primordiais da Suméria e Hesíodo fala de forças não divinas, mas sobrenaturais, que devem ter sido roubadas aos vedas da Índia. Pelo meio, copia muita coisa da Mitologia Hitita que também é generosa com alguns dos seus elementos fundamentais, presentes na iniciação grega e suméria: o céu, a terra e a fertilidade que resulta dessa separação. Aliás, a maior parte dos mitos cosmogónicos parecem simpatizar imenso com esta última ideia. Por outro lado, a Teogonia de Dunno relaciona-se com a queda impenitente para o incesto que é rotineira na mitologia grega; os mitos judaico-cristãos relacionam-se com os gregos por causa do carácter sagrado, purificador e fertilizante da água, bem como da força criadora do verbo. A água, como já referimos, está por todo o lado. E a serpente, a danada da serpente, une os mitos hitita, grego e bíblico. É a promiscuidade total de conteúdos, talvez resultante da imanente presença da tradição oral – e do seu carácter endémico sobre as civilizações.
Especulações comparativas à parte, António de Freitas reúne nesta antologia os textos fundamentais de sete cosmogonias, a saber:
A Cosmogonia Suméria, que data do terceiro milénio antes de Cristo, foi escrita em caracteres cuneiformes, gravados em tabuinhas. Enlil é a entidade paterna dos deuses, que separa o céu da terra e que, através desse processo de ruptura, gera a dupla de divindades An e Ki. Estes fertilizam a terra e geram uma quantidade desesperante de outros deuses, numa orgia de gritos. A sedentarização e a agricultura fazem já parte do mito. O texto, carregado de estrofes que se repetem numa poderosa oração tântrica, é profundamente lírico:
«Enlil,
Quem separou o céu da terra,
quem separou a terra do céu.
Enlil, Senhor Nunamnir,
O Senhor, que não reverte a uma ordem,
que separou o céu da Terra,
que se separou a terra do céu,
Quem separou o céu da terra.»
Da Cosmogonia da Babilónia traduz o autor as nove primeiras linhas da primeira tabuinha do Canto da Criação. Aqui, é a mistura das águas salgadas com as doces que dá origem a tudo o que existe. Neste mito, há um tempo antes dos deuses, ou melhor: há um tempo em que os deuses ainda não tinham sido nomeados.
«Quando do alto do céu ainda nada havia sido chamado pelo seu nome,
e aqui em baixo na terra nada havia sido nomeado
Apsu, o primeiro, o progenitor de tudo o que existe, e mummu T’iamat misturaram as suas águas.»
Teogonia de Dunnu ou Mito de Harab é uma teologia centrada na cidade de Dunnu, de cultura babilónica. Harab (arado) e Ki (Terra) estabelecem uma relação entre a vida agrícola e pastoril que serve de contexto ecológico para uma arrepiante sequência de parrícidios e incestos.
«Então o deus do gado tomou a Terra-mãe como esposa. 
E matou o pai, o Arado, e colocou-o a descansar no seu amado Dunno. 
O deus do gado assumiu o domínio do pai.
Mas então casou-se com o mar, a irmã mais velha e o seu filho foi o deus dos rebanhos.
O deus dos rebanhos, filho do deus do gado, veio e matou o pai em Dunnu.»
No que diz respeito ao Mito Criacionista de Israel, são traduzidas passagens do Antigo Testamento (Genesis) e do Novo (evangelhos segundo S. João e S. Mateus). É curioso verificar que no Genesis o gado precede o homem, mas é o homem que completa a criação, nomeando os restantes seres que Deus criou. E enquanto no evangelho Segundo S. Mateus, o baptismo de Cristo é uma renovação do acto criador através da água, no Evangelho Segundo S. João ficamos a saber que no princípio estava o Verbo e não Deus. Mesmo considerando que logo se explica que Deus e o Verbo são entidades indistintas, não deixa de ser espantosa a importância atribuída à palavra como força criadora. Este evengelho é interessante também pela evidente convergência estilística com o texto cosmogónico Sumério já mencionado:
«No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
Ele estava no princípio com Deus.»
Os Vedas da Índia são bastante contidos em termos mitológicos mas, apesar dessa parcimónia ou precisamente por causa dela, geraram posterior e paradoxalmente aparelhos metafísicos com dezenas de milhares de deuses. Os hinos védicos datam do século X a.C., sendo anteriores a todas as tradições literárias com excepção dos textos hititas. O autor traduz o Hino da Criação védica, texto que produz mais perguntas que respostas, lembrando técnicas socráticas muito posteriores, e onde os próprios deuses não têm conhecimento pleno da mecânica criacionista nem a certeza se serão realmente responsáveis pela criação.
«No princípio a escuridão estava escondida na própria escuridão.
Indistinta, tudo era água.
(…)
Fundou isto ele ou não?
Ele, que no mais alto dos céus é omnividente,
Somente ele o sabe, ou não o sabe.»
Os Mitos Hititas são fruto inspirado de uma civilização indo-europeia da Anatólia. Os hititas partilhavam com o próximo oriente a escrita cuneiforme, embora tivessem uma língua parente do grego, do latim e do sânscrito. Fundadores de conceitos cosmogónicos que vamos encontrar em grande parte das literaturas posteriores, os mitos hititas “inventam” a separação entre o céu e a terra, que dá lugar ao mundo. O problema é que o deus rei Telepinu desaparece e o cosmos fica doente e estéril. Neste sentido da narrativa, podemos dizer que a tradição hitita é anticosmogónica. Mas depois de muitas catástrofes, as entidades divinas lançam uma apelo à deusa mãe, criatura sábia e prágmática que envia uma abelha na senda do Desaparecido. O bichinho detective encontra o deus dos deuses soterrado e letárgico, mas desperta-o (com uma ferradela?) e assim, com o regresso da vigília enérgica e empreendedora de Telepinu, é restabelecida a ordem do universo. É interessante verificar que, para os hititas, quando a vida na terra fica difícil, até os deuses passam mal:
«(…)
os humanos e os deuses, mais ainda de fome morrem
o grande-deus-sol festival preparou
e os mil deuses convidou
comeram eles mas não se saciaram
beberam eles mas não satisfizeram a sua sede.»
Os Mitos Gregos são cosmogonias lógicas ou semi-lógicas e, em alguns casos extremos, ateias. A água é o elemento unificador das várias literaturas e surge como influência óbvia de mitos anteriores, provenientes do Próximo Oriente.
Na Teogonia de Hesíodo (século VIII a.C.) o Chaos é o elemento primário e principal, mas não divino. E enigmático, claro, porque não foi criado pelos deuses. Pelo contrário, precede os deuses. Mito de fundamentos lógicos, contribui porém com ontologia divina em quantidade industrial: Gaia, deusa da Terra e Urano, deus do céu e toda uma subsequente panóplia de super-heróis que vão oferecer à História Universal da Metafísica as aventuras e desventuras do Olimpo. Porém, Hesíodo oscila entre a criatividade e o cepticismo, colocando despudoradamente o problema da verdade na construção mítica, retirando poderes criadores aos deuses, meros e desastrados executivos do destino, e atribuindo ao sexo a importância demográfica que tem para os mortais: os deuses só se começam a multiplicar quando Eros inventa o desejo sexual que vai unir Urano a Gaia.
Já na versão de Ferécides de Siro (mestre de Pitágoras – século VI a.C), Chthonie é a deusa mãe e a Terra antes de ser fertilizada. Depois de fertilizada, será Gaia, mãe de Zeus, e Zeus será o deus do céu e da tormenta. Pela primeira vez na tradição grega, surge Chronos e o factor tempo. Enquanto isso, o Poeta espartano Álcman introduz na sua cosmogonia um buraco primordial – Poros – onde se encontra toda a matéria antes de haver espaço e tempo. Álcman propõe um demiurgo – Tétis. E o deus da Morte – Tekmor.
Talvez influenciado pela dialéctica do espartano, Platão sugere também o seu demiurgo, o “sumo-bem” que não é capaz senão daquilo que é bom e belo, ou seja, uma espécie de designer da eternidade. Em Timeu, a sua obra cosmogónica, Platão indica ainda os elementos fundamentais do universo que mais tempo duraram como taxonomia de referência: fogo, terra, água e ar.
Outras cosmogonias gregas há – as órficas – em que os conteúdos primordiais manifestam menos amor pela filosofia e uma sensibilidade mais fantasista: a noite primordial de que provém o casal divino que cria a humanidade, o ovo primeiro que vai incubar protogonos, o primeiro ser, que até pode afinal consubstanciar-se em Zeus, mas um Zeus que não é criado, que nunca nasceu, que nunca morreu, que simplesmente é.
Voltando a Platão, o leitor não pode deixar de notar, com um sorriso talvez cínico no pensamento, que a obsessão pela virtude leva o grande mestre da Academia de Atenas a certos exageros: o cosmos, afinal, pode até dever a sua existência exuberante ao facto de o demiurgo recusar a vilania do ciúme.
«Deixe-me dizer-lhe então, por que o Demiurgo gerou o cosmos. Ele era bom, e o bem não pode ter ciúmes de coisa alguma. Por ser livre de ciúmes, ele desejava que todas as coisas deviessem o mais semelhante a ele próprio. Este princípio só pode ser aceite como o mais verdadeiro de todos, tal como os homens sábios o aceitam, de que tudo foi gerado pelo artífice e que o cosmos é bom.»
É a isto que se chama idealismo. E é por isso que as cosmogonias são belas. Mostram ao futuro como os homens antigos tinham capacidade poética e coragem bastante para valorizar e consagrar o poder das boas ideias.
E esta recolha de António de Freitas decorre, de facto, de uma ideia que é boa e que é bela. Como Platão gostava.

O canhão da Nazaré, os tomates do McNamara e a engenharia Mercedes-Benz.

terça-feira, outubro 20, 2015

A Day At The Races #2










 photo curva-S-anima.gif

European Le Mans Series . Circuito do Estoril . Outubro 2015

Poder pop.



The 1975 . The City

Da poesia chinesa.

Wang Yuchon

Wang Yuchon não se importava com as coisas do mundo,
mas gostava de patos.
Um dia encontrou um velho taoista 
que o convidou para sua casa.
Entregou-lhe um rolo de papel branco
e pediu-lhe que caligrafasse o Tao Te Ching.
O mestre utilizou o pincel com o talento dos imortais,
acabou, recebeu uns patos como recompensa,
meteu-os no seu cesto e foi-se embora.
Esqueceu-se de dizer adeus.

Li Bai (701-762)
Trad. António Graça de Abreu


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Da guerra

Apeio-me do cavalo num antigo campo de batalha.
Cobrem-me inteiramente as ervas selvagens,
o vento geme, as nuvens deslizam,
em torno de mim tombam as folhas ressequidas.
As formigas correm céleres sobre as ossadas.
As plantas trepadeiras enlaçam os crânios vazios.
Caminho longo tempo e suspiro a cada passo
perante o horizonte desolado.
Que sejam malditas as guerras e os combates,
terror dos jovens e dos velhos.
Aqui jazem no mesmo pó
tanto os generais como os soldados.
Diz-se: tiraremos a desforra,
havemos de vencê-los amanhã.
Mas nos campos desertos vagueiam, sós,
velhos cobertos de farrapos e a morrer de fome.

Du Fu (712-770)
Trad. António Ramos Rosa

quarta-feira, outubro 14, 2015

Carta aberta a todos os que votaram à esquerda, mas não num governo de frente estalinista.

Apelo hoje e aqui àqueles que votaram, nas últimas eleições, à esquerda, mas que são pessoas decentes, pessoas inteligentes, pessoas desprovidas de uma vontade radical de suicidar este país, e que, quando depositaram o seu voto, ignoravam que esse voto podia ser utilizado para criar um solução golpista e infame de governo, apoiada por forças estalinistas e/ou revolucionárias, que têm apenas como objectivo último a destruição de todos os valores que fazem de Portugal um estado de direito, que tem a dignidade humana, as liberdades individuais e a economia de mercado como princípios básicos.

Peço-vos encarecidamente que leiam o programa eleitoral do Partido Comunista Português. Peço-vos encarecidamente que leiam o programa eleitoral do Bloco de Esquerda e, depois, que projectem a vossa vida e a vida dos que vos são queridos no âmbito desses pressupostos. Peço-vos também que equacionem a reacção dos credores internacionais à tomada ilegal do poder executivo da república por estas forças, que são profundamente anti-europeias, anti-ocidentais e que, manifestamente, não pretendem pagar o que devem.

O Syriza chegou ao poder na Grécia de forma legítima. Mostrou-se, ainda assim, disposto a negociar. E aconteceu o que aconteceu. Com um governo ilegítimo, sustentado por partidos que estão completamente fora do quadro institucional europeu, o que acham, meus amigos, que vai acontecer a Portugal? O que acham que vai acontecer às vossas vidas?

Peço-vos ainda que reflictam nas opiniões inúmeras vezes reiteradas pelos líderes partidários do PCP e do BE sobre o terrorismo islâmico, sobre a ditadura de Putin, sobre a obscenidade criminosa do regime vigente na Coreia do Norte. Lembro-vos que o actual secretário geral do PCP se manifestou indeciso, quando lhe perguntaram, por ocasião de um qualquer campeonato do mundo de futebol que colocou a Coreia do Norte no caminho da Selecção Nacional, por qual das equipas iria torcer (a resposta foi arrepiante, mas até a necessidade de fazer esta pergunta é significativa). Lembro-vos que nunca um quadro do PCP, mesmo que intermédio, foi capaz de renegar publicamente a figura de Estaline, um dos maiores assassinos da história da humanidade (o segundo, a seguir a Genghis Khan).

Áqueles que são católicos, ou apenas cristãos, recordo a constante guerrilha que é feita à igreja e aos mais fundamentais valores da civilização cristã pelos quadros do Bloco de Esquerda, sem que se oiça da parte destes qualquer crítica aos islamismo mais radical e aos seus líderes religiosos, que tratam as mulheres como objectos, que misturam religião com poder político, que recrutam jovens para a matança de milhares de inocentes, que apelam ao ódio, que fazem, todos os dias, a apologia da violência.

Não acredito que sejam insensíveis aos meus argumentos. Não acredito que vejam com bons olhos a tomada do poder por gente cujos valores são objectivamente antípodas dos vossos.

A tentativa de ursupação do presente regime constitucional por parte de um canalha desesperado, um homem que, como é evidente em todo o seu trajecto político, recorreu, recorre e recorrá a qualquer vilania para levar avante os seus interesses pessoais, tem que ser combatida por todos os que acreditam nos ideais da democracia ocidental. E a responsabilidade, meus caros, também é vossa. O vosso voto responsabiliza-vos directamente pelo que está a acontecer neste preciso momento.

Apelo, assim, à vossa dignidade democrática, ao vosso bom senso e à vossa capacidade de cidadania para que manifestem, nas redes sociais, entre amigos, no seio das vossas famílias e, se necessário, nas ruas, a rejeição clara do golpe de estado que está em curso.

Acreditem: é a História que está em jogo. E é o conforto das vossas vidas burguesas e pacíficas que serve a António Costa de fichas de casino.

Paulo Hasse Paixão

terça-feira, outubro 13, 2015

Às armas, às armas.


Perante o tenebroso cenário de um governo frentista de esquerda, um cenário cada vez mais real, cada vez mais tenebroso, chegou a altura da eterna maioria silenciosa vir para a rua gritar.
Cavaco não tem grande margem de manobra para evitar o golpe de estado e a coligação está refém do canalha a que chamamos António Costa. Se os portugueses que se localizam ideologicamente à direita do canalha, mesmo aqueles que são de esquerda, não forem à luta, Portugal, como o conhecemos hoje, está perdido. E a culpa será nossa. António Costa cumpre simplesmente o seu destino de filho da puta. A sua vilania natural condiciona-o à infâmia. É tudo o que sabe fazer. Cabe às pessoas decentes impedirem-lhe o terrífico trajecto que só vai terminar no caos absoluto e revolucionário que é programático das forças estalinistas que o apoiam. E só há uma maneira de o fazer: à bengalada.

sábado, outubro 10, 2015

Da poesia chinesa.

Já coloquei aqui, em Setembro, dois pequenos excertos do espectacular "Quinhentos Poemas Chineses", edição da Vega, coordenada por António Graça de Abreu e Carlos Morais José. Vou deixar mais alguns, sempre que para aí estiver virado. Hei-de depois escrever eu próprio alguma coisa sobre este livro, que, de facto, ensina a qualquer ocidental uma ou outra lição de humildade.

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Canção do Sofrimento

A minha força sacudia as montanhas,
A minha alma sombreava o mundo.
Mas mudaram os tempos,
Já não galopa o meu cavalo baio.
Se já não galopa o meu cavalo baio
que posso eu fazer?
Ah, minha pobre Yu,
qual será o teu destino?

Xiang Yu (232 - 202 a.C.)
Trad. António Graça de Abreu


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A saia caiu

De pé, diante da janela, as sobrancelhas por pintar,
seguro a saia, desaperto os laços de seda.
As roupas voam, tão fáceis de abrir!
Se a saia cair, a culpa é do vento.

Zi Ye (? - 386)
Trad. António Graça de Abreu


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132. Chicoteio o cavalo, atravesso a cidade deserta,
a cidade deserta perturba o viajante.
Elevadas, baixas as velhas muralhas,
grandes, pequenos os túmulos antigos.
Estremecem as sombras de teixos solitários,
o vento assobia em árvores sepulcrais.
Suspiro diante de tantos ossos esquecidos,
na história dos imortais, nem um destes homens.

Han Shan (700 - 780)
Trad. António Graça de Abreu

sexta-feira, outubro 09, 2015

Carta aberta aos golpistas.

É verdade que não poupo as palavras sempre que escrevo sobre política aqui no blog. Imagino até que estes posts serão bastante difíceis de digerir para quem é de esquerda (quando me apercebo que há pessoas de esquerda que têm o fôlego dialéctico de visitarem o Blogville, fico pasmado). Este texto não é, naturalmente, dedicado a essas pessoas, que são tolerantes, que são pacientes e que merecem, porventura mais que eu, o regime democrático em que vivem. Este texto é dedicado às pessoas de esquerda que não são tolerantes, nem pacientes, nem dialécticas. Este texto é dedicado às pessoas de esquerda que querem despedir o José Rodrigues dos Santos por ter cometido um lapso contra o fascismo do politicamente correcto. Este texto é dedicado às pessoas de esquerda que querem acabar com a circulação de automóveis nas avenidas novas, e substitui-lo pelo fascismo das ciclovias. Este texto é dedicado às pessoas de esquerda que nos obrigam a escrever e a falar a língua de Camões como elas querem, dentro de um esquema de nomenclatura fascista que envergonharia qualquer ditador dos anos 30. Este texto é dedicado às pessoas de esquerda que nunca vão chegar a compreender que José Sócrates foi, de longe, o mais ignominioso, o mais rasteiro, o mais fascista dos primeiros ministros da Terceira República. Este texto é dedicado às pessoas de esquerda que acham, da forma mais fascizante possível, que só a esquerda é humana, verdadeira e moral. Este texto é dedicado às pessoas de esquerda que defendem o fanatismo islamita, o mais terrivel dos fascismos já inventados, enquanto atacam despudoradamente a Igreja Católica. Este texto é dedicado às pessoas de esquerda que acham que devemos deixar os fascistas do Estado Islâmico em paz e os fascistas do Hezbolah em paz e o fascista do Putin em paz e a dinastia Sung em paz; que acham que devemos ter pequenos estados islâmicos em Paris, em Londres, em Hamburgo, em Amsterdão, em Madrid e, porque não, em Lisboa.
Mas este texto é especialmente dedicado às pessoas de esquerda que querem convencer os portugueses que a esquerda ganhou as eleições legislativas e que querem convencer os portugueses que um governo constituído ou suportado pelo Bloco de Esquerda e pelo Partido Comunista Português não será necessariamente um governo apocalíptico. Que não será necessariamente um governo fascista.
A todas estas pessoas (sim, bem sei, são muitas), a todas elas sem excepção, fica aqui a minha promessa: se esse governo se concretizar, tratar-se-á de um governo golpista, de um governo revolucionário, de um governo ilegal. Tratar-se-á de um governo infame. E eu, Paulo Hasse Paixão, estarei disposto a combatê-lo por todos os meios que forem necessários. Por todos os meios que forem necessários.
Não fiz tropa. Não sei disparar uma arma. Não sou competente de porradas. Mas estarei disponível para dar o corpo pelo meu país. E a vida por um pequeno momento de decência.

segunda-feira, outubro 05, 2015

Depois queixem-se.

A imprensa que temos é uma vergonha. Se estas eleições provaram alguma coisa é que a realidade política e psico-social do país não tem absolutamente nada a ver com as primeiras páginas dos jornais e com os headlines dos serviços noticiosos da rádio e da televisão.
Hoje, no Diário Económico, há uns tristes que fazem a resenha do que diz a imprensa internacional sobre as eleições em Portugal. Quando chega a altura do Figaro, os desgraçados vêm-se na obrigação de informar o leitor que o jornal é de direita. Mas quando mencionam jornais como o New York Times, o Le Monde ou o El País, o aparte da localização ideológica já não parece ser necessário. Quando um jornal é de esquerda, é credível e isento. Quando é de direita, é comprometido e parcial.

E depois admiram-se de não venderem jornais. Para quê comprar a merda que esta gentalha publica?

Verdade, verdadinha.

Dos partidos com assento parlamentar, o único que realmente pode gritar derrota é o PS.

Pulido Valente dixit.

Suceda o que suceder, uma coisa é certa: o Partido Socialista de Mário Soares deixou de existir como força agente e movente do regime democrático português. A derrota de António Costa foi a derrota de uma época. Corrupto, irresponsável, envelhecido e caótico, o PS teve o fim que merecia. Daqui em diante a vida política portuguesa, sem esse pilar central, será uma balbúrdia com um futuro duvidoso.

in Público Opinião . 05/10/2005

Uma maioria relativa que vale mais que muitas absolutas.

Não consegui, infelizmente, colocar aqui no blog o discurso que Paulo Portas proferiu esta noite, e que diz praticamente tudo o que precisa de ser dito sobre o acto eleitoral. Para quem não o tenha visto e ouvido, está aqui. É assertivo, sintético e, na minha muito subjectiva apreciação, emocionante.
Portas não é propriamente um rapaz que me seja de simpatia e, como raposinha que nunca vai deixar de ser, não perdeu a oportunidade de usar e abusar do seu tempo de antena e deixar Passos Coelho, que vale em votos o triplo, sem muito mais de significativo para dizer. Mas às suas brilhantes e - pasme-se - humildes palavras, que subscrevo integralmente, acrescento apenas isto: esta vitória da direita, no contexto sócio-político e histórico em que aconteceu, vale por não sei quantas maiorias absolutas. E prova em definitivo que os portugueses estão cada vez mais sábios.

domingo, outubro 04, 2015

Jornal de Letras - Edição Especial - Armas, Germes e Aço, de Jared Diamond.

Crónica publicada a 17/04/15
Antes de tudo o mais, convém alertar a audiência para o facto de que a obra em causa valeu ao seu autor o prémio Pullitzer para a edição não ficcional de 1998, o que não é dizer pouco. Jared Diamond é uma estrela: fisiologista de formação inicial, é hoje aclamado como um dos grandes geógrafos da América, disciplina de que é professor catedrático na Universidade da Califórnia. O incansável professor, vencedor da National Medal of Science em 1999, acumula títulos académicos e honoríficos em áreas tão distintas como a história, a antropologia, a filologia e a ornitologia, atribuídos por algumas das universidades mais respeitadas do mundo, a saber: Harvard, Cambridge, Westfield e Trinity.

Acresce que o autor é mais que um académico. Como parte do processo para chegar ao olimpo da comunidade científica internacional, passou qualquer coisa comos seis meses por ano, durante cerca de três décadas, na Nova Guiné, inserido numa comunidade tribal e assumindo em larga parte o estilo de vida dos nativos. Como se não bastasse, parece que é também um muito competente pianista.

Armas Germes e Aço, Jared Diamond, Temas e DebatesJared Diamond tem-se destacado sobretudo por defender que o destino da humanidade está intimamente ligado à relação que mantém com o ambiente, tese de que o seu “Colapso”, de 2005 (1), é o apogeu e de que este “Armas Germes e Aço – Os Destinos das Sociedades Humanas” (Temas e Debates, 2015)  é a obra iniciática.

Será também preciso contextualizar politicamente o leitor: a visão de Jared Diamond sobre a evolução humana sustenta, desde os anos noventa, todo um aparelho ideológico a que hoje, já estafadamente, chamamos “políticamente correcto”. “Armas, Germes e Aço” foi editado nos Estados Unidos em 1996 (com revisão de 2003 na edição da Temas e Debates) e tem como motor de arranque uma pergunta difícil: porque se desenvolveram as sociedades humanas em ritmos desiguais nos diferentes continentes? Ora, se encontrarmos uma resposta para esta pergunta que não passe pelas diferenças entre os povos mas por divergências profundas nas condições geográficas e ambientais de cada região, estaremos a invalidar qualquer tese que tente demonstrar que existem factores genéticos que possibilitam ou dificultam o progresso e, logo, a combater qualquer eugenia pós-moderna que sustente teorias de ordem rácica.

É claro que esta tendência para a equalização genética tem invariavelmente implicações na qualidade científica do discurso, e resulta num inevitável decaimento da objectividade, decorrente dos complexos de culpa relacionados com o fardo do homem branco ocidental, que são evidentes logo na página 19, quando o autor afirma com uma convicção exclamativa que os «modernos povos da “idade da pedra” são provavelmente, na média, mais inteligentes – e não menos! – que os povos industrializados.» Isto porque, segundo o autor, os neoguineenses são mais atentos e mais interessados nas pessoas e nas coisas à sua volta. Não é preciso ser um génio para concluir que talvez essa característica se deva precisamente às diferentes condições ambientais e sociais que rodeiam o nativo da Papua e o natural de Nova Iorque, e não tanto à inteligência dos dois (quem vive numa cidade pode dar-se ao luxo de ser um pouco mais distraído, de ser um pouco mais individualista, do que quem vive numa selva tropical, vulnerável às mais que muitas ameaças da natureza e dependente da eficiência grupal), mas o proselitismo de Jared Diamond só reconhece o valor do argumento ambiental quando este lhe serve a filosofia.

A estranha antipatia que o autor nutre pela civilização ocidental é, aliás, imanente em toda a obra. No célebre encontro entre Pizarro e o imperador Inca Atahualpa, que Diamond refere algo sensacionalisticamente como o momento mais importante da história da humanidade, os espanhóis são classificados como «assassinos portadores de doenças assassinas.» Ora, há que dizer em abono da verdade que os espanhóis não transportavam os seus germes com a consciência de os utilizarem de forma bélica, e que os incas teriam provavelmente a mesma sede assassina, conforme demonstram inúmeros dados arqueológicos e os próprios relatos da guerra civil com que se debatiam à data da chegada de Pizarro.

O argumento que as doenças endémicas deram uma vantagem militar significativa aos conquistadores europeus nas américas é inquestionável, como é óbvio. Mas, como o autor reconhece, a maior parte destas doenças chegaram à Europa vindas do oriente. A peste negra, por exemplo, foi disseminada no ocidente pelos exércitos de Genghis Khan, o mais feroz e bem-sucedido conquistador da história da humanidade (2), que é, muito convenientemente, ignorado pelo Professor da UCLA. A Peste Negra demonstra que a Europa não só foi agressora através das patologias endémicas como também foi vítima delas, o que invalida a tese de que o seu avanço tecnológico e civilizacional se deve, de forma significativa, às doenças que os seus povos transportavam através dos oceanos.
Mais a mais, o autor omite situações de contágio análogas que aconteceram inevitavelmente quando os árabes invadiram o norte de África a partir da baixa idade média ou quando, no início do século XV, a maior armada construída até essa data, levou os chineses à colonização de várias regiões costeiras da África oriental.

Seja como for e maniqueísmos à parte, estamos perante um projecto de divulgação científica de amplo espectro, só possível dada a erudição do autor. A imensa complexidade do tema é evidente e as variáveis que coloca em jogo são assustadoras. Neste tratado de 500 páginas somos confrontados com saber perito e detalhado em geografia, história, arqueologia, antropologia, medicina, paleontologia, biologia, agronomia, botânica, ecologia, tecnologia, filologia, etc., etc., etc.
A título de exemplo, o trabalho desenvolvido no que diz respeito à domesticação de espécies vegetais e animais é absolutamente exaustivo, às vezes quase aborrecido. Nesta obra ficamos até a saber que, se o homem não domesticou a Chita, tal facto se deve aos hábitos sexuais deste animal, que implicam a errância em amplas áreas territoriais.

A extrema complexidade do assunto leva por vezes a certos e inevitáveis facilitismos. A páginas tantas do capítulo 10, Jared Diamond tenta convencer-nos de que os problemas da África do Sul contemporânea decorrem, por maioria de razão e quase exclusivamente, da configuração geográfica do continente africano. Esta resposta simples para uma questão complicada não define, de todo, o incrível trabalho de pesquisa e reflexão do autor, nem diminui a sua monstruosa erudição, mas não deixa de ser importante para uma análise objectiva do resultado final. Este capítulo é aliás, talvez, o mais polémico de toda a obra, já que nele o autor justifica muito da evolução humana através de critérios meramente geográficos e geográficos no sentido mais estrito da palavra: a sua tese da influência dos eixos continentais na evolução das civilizações propõe que os povos da Eurásia progrediram civilizacional e tecnologicamente de forma mais célere que os dos outros continentes porque a Eurásia é o continente com maior extensão territorial, orientada num eixo leste oeste e por isso dentro de latitudes mais ou menos constantes, que correspondem a climas amenos, mais adaptados à actividade agrícola. Não é que este facto não seja verdadeiro, porque o é, mas o autor opta por ignorar as barreiras geográficas que separam a Europa da Ásia (mares, estreitos, desertos, estepes geladas e as mais pronunciadas cadeias montanhosas do planeta), enquanto decide valorizar o mesmo género de circunstâncias em África, justificando muito do atraso civilizacional dos povos austrais através da barreira natural criada entre o norte e o sul do continente pelo deserto e pela selva tropical.

Há, claro, passagens brilhantes, simultaneamente densas e dramáticas, como o relato da “Guerra dos Mosquetes” que levou à chacina perpetrada pelos Maoris sobre os Marioris, povos vizinhos das ilhas Chattam, um arquipélago situado a 800 quilómetros a este da Nova Zelândia. Apesar da proximidade entre as duas tribos, estas nunca trocaram conhecimentos e tecnologias, tendo sido relativamente fácil aos agricultores Maoris, produtores de excedentes agrícolas que permitiam alguma especialização de funções sociais, criar um exército que no espaço de alguns meses exterminou a população Mariori não especializada de caçadores-recolectores. Este episódio é um verdadeiro case study para o argumento fundamental de Jared Diamond: a geografia e a ecologia determinam a passagem para a agricultura e a pecuária. Estas actividades possibilitam a sedentarização, que traz condições para a divisão social do trabalho e consequente indústria do aço e da guerra, a acumulação dos germes (provenientes do gado), a invenção ou implementação da escrita, a centralização política e religiosa e a complexidade social, que advém da massa crítica demográfica.

Como o texto foi escrito em 1996 e revisto em 2003, percebe-se que o autor defenda que é a agricultura que promove a sedentarização e que é esta circunstância que dá à necessidade de transcendência, própria da natureza humana, condições para o exercício ritual da religião. Dados arqueológicos mais recentes, porém, indicam que, pelo menos em certos casos, como em Göbekli Tepe (3), na Turquia, foi o inverso que sucedeu: a necessidade de alimentar milhares de peregrinos que se dirigiam a locais sagrados deu um primeiro impulso à agricultura e à sedentarização.
Ainda assim, Jared Diamond é Jared Diamond e o leitor nunca se vai arrepender da leitura a que se propôs. Senhor de um profundo conhecimento da história da tecnologia humana, redige, nos interstícios desta obra, toda uma nova versão do engenho humano. Aprendemos com ele, por exemplo, que o teclado QWERTY que usamos hoje nos nossos computadores é ineficiente no que respeita à escrita do alfabeto romano, decorrendo ao invés de um glitch técnico detectado por um dos principais fabricantes de máquinas de escrever, no princípio do século XX. E esqueça tudo o que sabe sobre os inventores: Gutenberg não inventou a imprensa, que foi na verdade engendrada por volta de 1700 A.C.; James Watt não inventou a máquina a vapor e não foi na verdade Thomas Edison que fez luz com uma válvula. Aliás, para o autor, ninguém de facto inventou coisa nenhuma. Homens com inventiva há em todo o lado, só que uns têm mais condições sociais, culturais, técnicas e de mercado para aproveitarem o conhecimento disponível num determinado momento do que outros. Este discurso estende-se, claro, para outras áreas da actividade humana. A história segundo Diamond não tem heróis. Ou melhor: somos todos heróis em potência e tudo depende da geografia e da ecologia para realizarmos esse potencial. A única vez que se refere ao papel dos grandes vultos da humanidade estamos já a 7 páginas do fim do livro, e a referência não dura mais que dois curtos parágrafos.

Isto apesar de Jared Diamond ser um humanista fanático. Sente-se um carinho enorme do autor pelo ser humano, especialmente o ser humano que não nasceu na Europa ou nos Estados Unidos. Isto embora se deva dizer que este alegre humanismo deixa muitas vezes o autor em maus lençóis, dada a tendência que os seres humanos têm para se chacinarem uns aos outros como ele próprio reporta, e com mestria, em muitos dos 20 capítulos do seu livro. Um dos pontos fortes deste enciclopédico texto é precisamente a lucidez com que Diamond relata e analisa a forma como os povos colidem e as sociedades mais fortes tecnologicamente absorvem ou esmagam as sociedades menos evoluídas, num processo predatório que respeita em absoluto as leis da selecção natural e da sobrevivência do mais forte.

A erudição do bom professor permite-lhe ir longe nas conclusões que tira de um cruzamento difícil entre a arqueologia e a filologia, nos capítulos 16, 17 e 19, e o seu vasto conhecimento de todas as matérias específicas que estão em jogo reduzem os riscos do determinismo geográfico que advoga e valem por si só a leitura da obra. No final, percebemos que a tese que defende, sendo discutível, está convenientemente apoiada por um largo conjunto de evidências históricas e científicas.
Assim, para o respeitável autor, a evolução humana dependeu nos últimos 11 milénios (altura em que as sociedades começaram a divergir na sua organização funcional), de quatro eixos fundamentais: diferenças continentais nas espécies selvagens de plantas e animais disponíveis para a domesticação, que condicionaram o acesso à produção de excedentes alimentares; os diferentes ritmos de migração de povos e difusão de conhecimentos nas várias regiões do planeta; a localização dos continentes e a natureza dos seus eixos de desenvolvimento; e, por último, a relação entre as áreas continentais e as suas realidades demográficas.

O leitor deve, no entanto, manter o espírito crítico. Esta não é a única tese válida sobre o assunto. Por exemplo, Daron Acemoglu e James A. Robinson, dois académicos do MIT e de Harvard (respectivamente), defenderam recentemente (4) que o sucesso e o falhanço das nações assenta numa premissa de grande simplicidade: as nações triunfam quando apresentam estruturas inclusivas (leia-se, estruturas de estado de direito, democrático, semi-liberal, que premeiam o investimento e o mérito e que permitem a mobilidade social e a distribuição do rendimento pelas diversas classes sociais) e as nações que fracassam apresentam estruturas extractivas (repúblicas totalitárias, monarquias absolutistas, estados de feudo tribal, unidades geopolíticas não centralizadas, etc., cujos motores económicos são constituídos para promover os ganhos das elites). Esta tese alternativa, se bem que reduzida aos últimos séculos da história, foi também aclamada pelo meio académico internacional.

Talvez o mais famoso biólogo vivo, Edward O. Wilson, editou também muito recentemente uma teoria alternativa para a evolução humana (5). O extenso estudo de campo que o aclamado professor de Harvard desenvolveu com as formigas eusociais (organizadas em grupos pela divisão altruísta do trabalho), permitiu-lhe apresentar argumentos concludentes que sustentam a sua arrojada tese evolucionista: a selecção natural premeia a complexidade social, sendo esta determinante na equação da origem das espécies e da evolução das sociedades humanas.

Num trabalho que é referido no seu posfácio de 2003, o próprio Jared Diamond menciona uma outra tese de Jack Goldstone que destaca a importância da “ciência dos motores”(6) e do aproveitamento eficiente da energia para o desenvolvimento das sociedades. Esta tese, embora muito focada nos casos britânicos e europeus, “revela que o desenvolvimento da ciência dos motores poderá ter sido o resultado casual de circunstâncias específicas, extremamente contingentes que por acaso surgiram na Grâ-Bretanha seiscentista e setecentista”. Jared Diamond reconhece que, se o raciocínio do seu colega estiver correcto, a “busca de explicações geográficas ou ecológicas profundas não valerá de nada.”

Ao determinismo geográfico, opõe-se também um notável trabalho de história contrafactual coordenado por Niall Ferguson (7), que explora a probabilidade de certos episódios históricos com grande peso epistemológico não terem sucedido de todo, ou terem sucedido de forma diversa. A história é muitas vezes contingencial e muito menos determinista do que somos levados a pensar e nem tudo na história humana teria necessariamente que ocorrer como ocorreu… Por exemplo, teriam os mongóis imperado na eurásia não fora a tenacidade – e a crueldade – de Genghis? A verdade é que nenhum dos seus filhos conseguiu manter o império na sua integridade. E o mesmo, claro está, poderíamos dizer sobre Alexandre. E se Júlio César tivesse respeitado a tradição secular de deixar o exército no lado norte do Rubicão? Que consequências teria esse gesto avisado no mundo de hoje? Que século XX teríamos se Gravillo Princip não decidisse prosseguir com o assassinato do Arquiduque Franz Ferdinand, mesmo depois do plano inicial ter abortado? E se o atentado de 20 de julho de 1944 tivesse vitimado Hitler fatalmente? Como seria a geografia política da Europa contemporânea?

Por outro lado, há também factores de ordem sociológica que não são inteiramente abordados nesta obra. A queda do império romano às mãos dos “bárbaros” do norte da Europa e a rendição do império chinês ao impeto dos mongóis do norte da Ásia não se explicam à luz das conclusões deste trabalho, mas têm inegáveis raízes de ordem social que não podem ser ignoradas.
A anulação do papel arbitrário e caótico do génio individual e das dinâmicas sociais no entendimento da evolução humana é arriscado, mas também é verdade, como advoga Diamond, que ao cientista cabe determinar o que é acessível à ciência e que os factores indetermináveis devem ser postos de parte. Por outro lado, esses factores podem alterar e frequentemente alteram o curso dos acontecimentos. É um dilema difícil de resolver, aquele com que o autor termina a sua obra, embora o faça com optimismo no rigor metodológico das ciências humanas e no seu potencial como disciplinas que possibilitam entender as circunstâncias que deram forma à modernidade, para uma edificação mais consciente das estruturas do futuro.


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(1) – Colapso – Ascensão e Queda das Sociedades Humanas – Jared Diamond – Gradiva – 2006
(2) – O Grande Livro das Coisas Horríveis – Mathew White – Texto Editora – 2011
(3) – Göbekli Tepe – The Birth of Religion – Charles C. Mann – National Geographic – Junho 2011
(4) – Porque Falham as Nações – Daron Acemoglu e James A. Robinson – Circulo de Leitores – 2012
(5) – A Conquista da Terra – A Nova História da Evolução Humana – Edward O. Wilson – Clube do Autor – 2013
(6) – Why Europe? The Rise of the West in World History -1500-1850
(7) – História Virtual – Niall Ferguson (Coord.) – Tinta da China – 2006

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