quarta-feira, dezembro 09, 2015

Elogio da incompetência.

Sei perfeitamente que sou um mau poeta.
Mas Deus não dorme: para que Homero brilhe
alguém tem que cumprir com a escuridão.

Imaginem o Manifesto Anti-Dantas sem o Dantas.
Que seria da veia prodigiosa do Almada se não fosse o absinto
e os poetas ruins?

Ser mau na poesia, por sistema, é um santo e venerável ofício.
Antes de existirem putas já existiam
poetas sofríveis.

Além disso, a má poesia não é para todos.
Há candidatos a maus poetas que desanimam rapidamente e
passam a romancistas.

Há aqueles que podiam ser verdadeiros génios da pior poesia possível
e que desistem imbecilmente à primeira
recusa do editor.

Há maus poetas que podiam ser muito piores do que são,
mas que não têm a coragem necessária
para a má poesia de qualidade.

Há pessoas que preferem levar no cú
a escrever poemas fraquinhos, o que é, obviamente,
dramático.

Há maus poetas que acabam por ganhar a vida a escrever
cartas comerciais e há outros que vão estudar
engenharia de reactores.

E depois há maus poetas que sofrem de um tal grau de inconsistência
que até conseguem escrever, aqui e ali,
belos poemas.

Esta heresia é uma praga para a a literatura e, muito especialmente,
para a crítica literária. Convém que a poesia boa e má
seja fácil de separar.

Para se ser um mau poeta a sério, para se fazer carreira disso,
é preciso dedicação e esforço, sem qualquer expectativa de
glória.

É preciso dominar as técnicas, e fumar montes de cigarros
sem filtro. É preciso ter lata e, sobretudo evitar
que as rimas suicidem a auto-estima.

Desde que seja bom naquilo que faz,
há muitas razões para que o mau poeta
seja vaidoso do seu talento.

Aliás, um mau poeta que se preze
é o primeiro, mesmo que seja o único,
apreciador da sua poesia.

E eu, mau poeta, confesso:
encontro mais alegria num verso meu e bera,
do que em todas as manhãs de primavera.