quarta-feira, setembro 21, 2016

Arturo diz de sua justiça.

Arturo Perez Reverte. Um escritor que oscila frequentemente entre a obra-prima e a catástrofe literária, mas que tem sempre coisas esclarecidas e importantes para dizer.  E na recente e desassombrada entrevista dada ao Público e desastradamente conduzida por um tal de Paulo Moura (que se mostra incapaz de esconder a sua boçalidade), diz bastantes coisas dessas. Recomendo a leitura integral da entrevista (e muita paciência para a estupidez cavalar do entrevistador), mas deixo aqui um excerto que me parece mais eloquente.



PM - Os protagonistas dos seus romances são as grandes figuras históricas, ou indivíduos excepcionais, heróis. Mas a ciência histórica de hoje não dá tanta importância às figuras proeminentes como dá aos fenómenos sociais, económicos e mentais, aos povos.
APR - O povo fez a Revolução Francesa. Mas dirigido por intelectuais. O mesmo com a revolução russa. Sem personalidades brilhantes, carismáticas, não há possibilidade de que o povo faça algo de positivo. O povo, sozinho, não faz nada. Precisa de orientações e de líderes. O problema da Europa neste momento é que não tem líderes. O melhor que conseguimos é Merkel. Rajoy é um medíocre. Portugal está como está.
 
PM - Há também forças de contestação, de mudança. 
APR - O mundo não muda sozinho. Fazem falta mecanismos que impulsionem, e os mecanismos são pessoas, seres humanos inteligentes. 
PM - Não são as forças económicas, as massas… 
APR - Não, não. Pode haver forças, mas quem as orienta são os líderes, que criam os carris que devem trilhar a evolução da História. Se essa gente desaparece, e está a desaparecer na Europa, a História não encontra os carris, e dispersa-se, gasta a sua energia em nada. Fazem falta Hegel, Kant, Spengler, Aristóteles, Platão. 
PM - E fora da Europa, há esperança? As culturas asiáticas… 
APR - Eu sou ocidental. A minha cultura é esta, não me interessam as outras. De que me vale a cultura ascética, a cultura africana? Respeito-as, mas não são a minha. Não ma podem substituir. A minha cultura é esta e eu sofro com ela. 
PM - Mas falou da civilização da Bíblia, do Talmude, do Islão, de Homero. Não há portanto uma guerra de civilizações. 
APR - Há, sim. Hoje há uma guerra de civilizações, uma guerra social entre o Islão e o Ocidente. Porque o Islão é incompatível com a democracia. 
PM - O islão, ou os radicais islamistas? 
APR - O Islão. É incompatível com os nossos valores. Repare, o comunismo fracassou no Islão.
PM - Também fracassou no Ocidente. Fracassou em todo o lado. 
APR - Sim, mas sobreviveu algum tempo. O Islão é incompatível com a democracia. 
PM - A história do seu livro mostra como já no século XVIII o Catolicismo era incompatível com as Luzes e a Razão. 
APR - Sim, mas no Ocidente lutámos contra isso. Houve uma grande e sangrenta luta para nos livrarmos das grilhetas que a Igreja Católica nos impôs. No Islão não houve essa guerra. E nós não podemos agora renunciar a séculos de luta pelas liberdades e direitos. Para que a minha filha possa usar minissaia na rua, ou o teu filho possa dizer ‘Me cago em Deus’, sem que o executem como blasfemo. Custou-nos muitos séculos de sofrimento, de guerras e de mortos. Mas eles não o fizeram.  
PM - Mas a civilização europeia é constituída também por elementos da civilização islâmica. 
APR - Isso é outra coisa. Portugueses, espanhóis, italianos, franceses vimos de uma civilização que esteve em contacto com o Islão. E o Islão deixou-nos coisas, tanto no sangue como na cultura, depois de muitos séculos. Mas essa herança islâmica evoluiu connosco. Tal como a herança cristã também evoluiu. 
PM - Isso não prova que o sistema democrático poderia hoje integrar várias culturas e religiões, incluindo o Islão? 
APR - Não é possível. É compatível com a democracia que, por exemplo, uma mulher não possa ser tratada por um médico homem? Não, o Islão não vai mudar, e é incompatível com a democracia. 
PM - Vamos então ter uma guerra de civilizações, como no tempo das Cruzadas? 
APR - Já estamos a ter uma guerra de civilizações. Com uma diferença importante: é que desta vez vamos perdê-la.
PM - Porquê? 
APR - Porque o Ocidente é débil, medíocre, cobarde. Tenta ser politicamente correcto, é velho, gordo, acomodado, cheio de tecnologia. Enquanto o Islão tem fome, tem rancor, tem ódio, tem juventude, tem tomates. Não tem nada a perder, e tem muito a ganhar. Por isso vamos perder a guerra. Mas não merecemos ganhar. 
PM - A civilização ocidental, democrática, vai desaparecer? 
APR - Sim. Dentro de 20 anos, chegarão os fascismos. Haverá movimentos neo-nazis vitoriosos por toda a Europa.
PM - Chegarão ao poder por via eleitoral? 
APR - Sim. As pessoas vão escolhê-los. Mas eu já não vou cá estar, já não me importa.

domingo, setembro 11, 2016

Summer Chill.


Foto de Frederico Romero Paixão

Setembro


Quando o verão está a acabar, começa o que tem de melhor o verão.
Há calor e silêncio, há a multidão que regressa e eu que parto
para onde a multidão esteve e já não infecta
o calor e o silêncio.

Quando o verão está a acabar, o Cabo Espichel manda uma ventania
diferente. A luz é outra e um gajo pega na merda do telemóvel e tira
uns bonecos especiais.

Quando o verão está a acabar, a baía, toda vaidosa, despe-se só para mim
e faz questão de caprichar ao entardecer, talvez por causa do rosé,
talvez porque deus me está a dizer: continua.

Quando o verão está a acabar, há mais sol para amadurecer uma amizade recente;
há mais marés para mergulhar a cumplicidade de amizades antigas;
há mais praia para que o vento me escalde a pele
e para que a água me enregele os tomates e há sobretudo
tempo ainda para que consiga escrever uma porcaria
de um poema.

Quando o verão está a acabar, surge a santa oportunidade de fazer
lua de mel com a mulher com que sempre fui casado e de fazer
um irmão a partir de um sobrinho e de fazer
amor com a vida.

Quando o verão está a acabar, nasce a tranquilidade que é precisa para fumar
cachimbos da paz
e para ser o filho que devia ser
no Inverno.

Quando o verão está a acabar, fico muito mais próximo da lua e as estrelas
acarinham-me com intermitências secretas e o cosmos revela-se enfim,
liberto dos seus eternos e, às tantas, aborrecidos enigmas:

Eu estou aqui. Sou insignificante, mas sou um gajo. Chamo-me Paulo Hasse Paixão.
E por isso, sei de onde venho. Não sei para onde vou, claro, mas neste preciso momento
estou-me completamente nas tintas porque já bebi uns copos e porque o verão está a acabar
e essa é a parte que eu gosto mais do verão.
Estou bem disposto. Não quero morrer.
E é assim.