terça-feira, abril 18, 2017

Só sabem fazer bem feito.



Velhos amigos deste blog, os Said The Whale não sabem fazer nada que não seja pop de primeira linha. E este último álbum sobe por essa corda melódica até lá acima. Ao céu dos tímpanos.

Said The Whale . Confidence

sábado, abril 15, 2017

Loneliness is next to godliness.


Outro elogio da incompetência.

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo."


Álvaro de Campos


Todos os meus amigos que escrevem poemas
(tenho bastantes amigos que escrevem poemas, por graça de Cristo)
gostam imenso que eu leia os poemas que eles escrevem.

O facto traduz, na verdade, uma lisonja parva porque
eu não sou propriamente o Luís Borges e porque
eu não sou sequer um legítimo crítico literário até pelo simples facto
de escrever também poemas.

Por muito má que seja a minha poesia
(tão má que serve a boa poesia dos outros, pelo contraste)
não deixa de ser poesia e um poeta que também serve
para crítico literário, é uma besta.

Eu próprio, fenómeno espantoso,
gosto imenso de ler os poemas que os meus amigos escrevem,
mesmo quando são de caras melhores que os meus
ou piores do que eu consigo imaginar.

Tudo isto não interessa realmente à poesia.
As pessoas gostarem ou não gostarem da poesia que se escreve é
completamente irrelevante.

Tudo isto não serve realmente à amizade.
Não é por ser amigo de poetas que sou amigo deles,
independentemente de eles serem bons ou maus poetas ou mais ou menos.

Digamos que me sinto um felizardo por ser amigo destes notáveis trovadores,
embora a qualidade da sua trova seja substancialmente indiferente
tanto para a história universal da literatura como
para mim.

A qualidade da minha própria poesia
é a coisa mais indiferente para mim que tu possas imaginar,
gentil e tolerante leitor.

Talvez por isso, ou por legítimo nojo estético, ou por justificada
inoportunidade ontológica, os meus amigos poetas evitam
o convívio dos meus versos, embora,
estranhamente,
procurem a benção da minha crítica.

Sendo um péssimo poeta serei ainda um pior crítico e é assim
que tantas vezes sinto aquilo que o engenheiro naval sentia:
a improvável singularidade de ser o único gajo que escreve
má poesia.

sexta-feira, abril 14, 2017

A corporação dos bandidos ainda bomba que se farta.



Já me tinha esquecido destes bons ladrões, que tanto beneficiaram os meus ouvidos quando estávamos a mudar de milénio. Mas eis que estão de volta; e de que maneira. Disquinho bombástico que só comprova a seguinte evidência: na música pop, o crime compensa.

Thievery Corporation . Letter to the Editor (feat. Racquel Jones)

Pé na Tábua.


Os senhores da Poliphony convidaram-me para os testes beta do Gran Turismo Sport. Estou com uma pica doida. Começa amanhã. Vroom.

domingo, abril 09, 2017

Um Lehane lunar.

Por Nuno Miguel Silva
Texto publicado a 24/02/17 no Jornal Económico

O último livro do escritor norte-americano Dennis Lehane publicado em Portugal surgiu nas livrarias nacionais no verão do ano passado, com o título ‘Moonlight Mile – A Última Causa’, mas data de 2010. O escritor que traçou inesquecíveis retratos da sua cidade-fétiche, e de centenas de personagens com que a povoou nas diversas obras, regressa ao thriller psicológico, terreno em que é um dos melhores escribas da atualidade. E retorna ao par de detetives que criou ao longo da sua profícua carreira literária: Patrick Kenzie e Angie Gennaro.
Boston volta a ser protagonista num tortuoso regresso ao passado, outra imagem de marca do autor. Uma mulher pediu para lhe encontrarem a sobrinha de quatro anos, que havia desaparecido. Os detetives conseguiram esse intento. A menina foi devolvida, mas a uma mãe negligente e alcoólica. Agora, 12 anos depois, Amanda volta a sair do radar e os detetives de Lehane voltam a entrar em cena.
Há um minucioso destrinçar dos laços familiares e sociais enquanto a cidade de Boston fervilha em pano de fundo. Lehane tem estilo, muito e bom; tem ritmo. É preciso, conciso, destila poesia, enaltece a amizade e o amor, desmascara a violência e alguns bastidores de poder. Há uma queda pelo gótico, pela ficção ‘pulp’, pelos filmes de série B, pelas noites negras. Há tensão e vingança, um bisturi manobrado com precisão.Tudo isso é verdade, certamente bem acolhida para quem com este livro se estreou na obra de Dennis Lehane. Mas para quem já leu grandes livros deste escritor – também autor do guião da série televisiva ‘Boardwalk Empire’ – como ‘Um Copo Antes da Batalha’, ‘Mystic River’ ou ‘Shutter Island’, ou mesmo a monumental ‘biografia’ de Boston, traduzida para português como ‘Terra de Sonhos (’A Given Day’ no original norte-americano), fica a desilusão de perceber que há pouco de novo na estrutura ficional em relação a essas obras incontornáveis. Há mais Lua e menos Sol. Mas vale sempre a pena lê-lo porque é um autor brilhante. E pelos diálogos deliciosos.

Ao ritmo dos glaciares.



Pace of Glaciers . 1905

Ode a Allen Ginsberg.

Allen Ginsberg, estás sentado ao balcão de um bar em New Jersey e eu estou a beber um dirty martini contigo e a falar-te do destino perdido dos escritores da América e tu bocejas de um sono antigo, onde pastam búfalos e washingtons de toda a espécie que fumam as mais estranhas marcas de tabaco azul. A barba chega-te aos pés e a poesia dá-te pela cintura e o teu barbeiro tem saudades tuas e tu tens saudades do after shave das sarjetas de Manhatan e do haxixe de algas de Atlantic City e do ácido estradista do Kerouak e da porrada dos polícias do Midwest e do Jazz ciclónico, carnavalesco, psicadélico-parvo de New Orleans. Como se New Orleans fosse alguma coisa de jeito. Não é.
Allen Ginsberg, estás a apanhar sol nas docas de Boston, que horror - Boston, e a alucinar como um cavalo no opiário. Montas esse cavalo loucamente, e estás a cavalgar a rua cor de rosa aqui no Cais do Sodré que dantes era das putas e que agora é da tua poesia e que devia ter continuado como rua das putas. As putas funcionam como rimas, pá, e tu que sempre recusaste as rimas, mas não tanto as putas; devias saber isso melhor que ninguém e não devias estar aqui comigo, sentado ao balcão de um bar onde o Cardoso Pires também já bebeu o seu copo a mais e o relógio conta o tempo ao contrário como se houvesse uma maneira de contar o tempo ao contrário. Não há.
Allen Ginsberg, fazes-me lembrar o meu amigo Márcio Candoso, embora na verdade o meu amigo Márcio Candoso seja muito melhor poeta do que tu, mas tem o problema de não se chamar Allen Ginsberg e de viver em Algés, que não é um sítio onde vivem poetas decentes. O problema imobiliário, o problema geográfico, o problema demográfico dos poetas é que são poucos e esparsos e não têm morada certa e nunca por nunca seriam capazes da enorme corrupção de comprar um apartamento em Algés. Os grandes poetas sofrem, regra geral, de insuficiência postal e tu, por exemplo, serias um gajo difícil de localizar até pelo Ministério das Finanças, que é uma polícia política que encontra toda a gente.
Allen Ginsberg, impenitente paneleiro, és potente como a pila de um gajo com dezoito anos, tu és erecto-veloz como uma bicicleta a descer pela Rua Poço dos Mouros em São Francisco, tu debitas prosápia como um amplificador Marshall debita as notas graves e a verdade é que escreveste uma quantidade enorme de poemas enormes que ninguém de facto consegue compreender, porque tu nunca escreveste para seres compreendido porque te disseram, talvez a tua mãe, talvez um teu obscuro professor de liceu, talvez o teu incauto mestre do curso superior que fingiste que tiraste ou que não tiraste de todo, não interessa; talvez o teu controlador do partido comunista americano de que nunca fizeste parte, talvez algum ignorante sem nome, génio sem sombra, te tenha dito um dia que tinhas alguma, se bem que remota, hipótese de escreveres num dia, se bem que remoto, um verso decente e tu acreditaste e deste na fúria de escrever versos remotos para entendimento de ninguém. A ver se saía alguma coisa que fizesse de ti um imortal. Nunca saiu.
Allen Ginsberg, mais valia ficares aqui comigo sentado neste bar de Odeceixe, para sempre, a ver as garças fazerem filhos; mais valia fazeres tu próprio alguns filhos, mais valia fazer eu três ou quatro ou setenta filhos. No meio do ruído todo dos teus poemas que ninguém realmente entende, camarada, o que se aproveita é aquilo que não conseguimos e o que não conseguimos foi: continuidade.
Allen Ginsberg, a vida só tem uma ambição: continuar a ser vida. E tu, estúpido, nem isso percebeste. E se nem inteligência tens para perceber isso, desgraçado, como é que esperas que todos os outros, que tiveram a inteligência para ter filhos, percebam a merda intrincada dos teus versos?
Allen Ginsberg, estás aqui sentado comigo, no bar absurdo de Telheiras, que até tem duas mesas de snooker e tudo e não consegues mais que umas estrofes ainda mais absurdas do que é costume, mas estás contente com elas porque a tua Beat Generation acha que és deus e mesmo que as estrofes sejam absurdas, fazem parte de um novo-antigo testamento e são sagradas porque sim. Estás aqui sentado comigo no improvável bar suburbano que não tem jukebox porque a MTV é à borla e entristeces porque o Kansas fica do outro lado do oceano e a estrada sessenta e seis ou sessenta e oito ou lá o que é não te leva para além da Amadora. Sem o faróeste não tens veia para os teus indecifráveis poemas de drogadinho. Sem a tua América de boleias e charros, sem os teus horizontes hollywodescos de estradas poeirentas e mezcal estragado, não encontras inspiração para mais do que teres sono - esse sono antigo onde pastam os fantasmas de uma civilização que já foi civilização e que os teus versos ajudaram a trair.
Allen Ginsberg, a verdade é que nem para companhia de bebedeira tu serves, ò fraude, nem para crepúsculo de Walt Whitman tu tens queda, ò mito! Tudo o que posso dizer de ti é que és fisionomicamente parecido com o Francis Ford Capolla e que o teu apocalipse de agora nunca chegou a acontecer: és um falso profeta e estás a ressonar.

quinta-feira, abril 06, 2017