terça-feira, março 17, 2020

Da quarentena à recessão.

Hoje fiz uma coisa que não faço há décadas: assisti aos primeiros segundos de uma conferência de imprensa de um ministro da República Portuguesa (foi por acaso). Quando sintonizei a coisa (ao calhas) a senhora Ministra da Saúde apresentava as condolências do seu governo à família da primeira vítima mortal do Covid-19 em Portugal. A voluntariosa e ingénua demonstração de pesar, fez-me pensar. Será que a senhora ministra vai apresentar condolências a todas as famílias dos falecidos, quando no fim do mês de março já somar 160 a 460 defuntos?* E quando contabilizar milhares de mortos, o que é mais que certo, vai estar ali com aquele ar sereno de quem está a controlar a situação completamente?

Mas não é só a ministra - um ser demissionário em potência e a muito breve prazo - que vai ver a sua figura de estilo transformada pela brutalidade dos factos. Por exemplo: será o entusiástico apoio aos profissionais da saúde, que, pontual, desperta com aplausos o silêncio deste temeroso recolhimento, pelas dez da noite, exactamente o mesmo entusiasmado tributo quando os médicos começarem a decidir quem vive e quem morre em função das camas e dos ventiladores disponíveis?
 
E os burocratas de Bruxelas, serão assim tão prestimosos com subsídios se isto durar, digamos, 3 meses?
 
E os portugueses, serão assim tão obedientes no seu acolhimento das ordens superiores, no seu recolhimento tele-trabalhoso, na sua pronta prestação eremita, quando entretanto foram despedidos dos seus empregos, quando entretanto virem os seus pequenos negócios caírem na falência; quando entretanto perceberem que a estratégia para combater o Covid-19 é um disparate medonho e os efeitos da recessão económica que virá depois forem bem mais assustadores - e se calhar - bem mais fatalistas do que a imaginação dos políticos e dos directores dos jornais e dos gestores das grandes empresas consegue projectar?
 
Sei que o pior está para vir. E desconfio que o pior que está para vir não tem nada a ver com o vírus chinês. Deriva antes de uma doença antiga, também endémica mas sobretudo crónica no Sapiens: a mais espúria estupidez.


* Projecção do Professor Jorge Buescu, num artigo de fundo para o Observador.