segunda-feira, junho 15, 2020

Nos últimos seis meses aconteceu isto:

Um vírus gripal, com a mesma taxa de mortalidade das estirpes comuns, escapou de um laboratório em Wuhan para infectar milhões de pessoas à volta do mundo. A reacção do mundo foi fechar as pessoas nos seus domicílios, retirando-lhes todos os direitos possíveis e imaginários, que para além da liberdade de movimentos incluem a liberdade de expressão, o direito ao exercício de actividade económica, o direito à reunião, o direito ao protesto (esta violação foi aplicada apenas à parte da população mundial não conformada com a narrativa oficial). A iniciativa da maioria esmagadora de Estados afectados pelo vírus constitui - convém registá-lo - uma novidade histórica. Nunca até aqui, fosse em que circunstâncias fosse, um governo tinha experimentado praticar, em simultâneo, semelhantes crimes sobre a massa governada.

A propósito da perigosidade extrema do virús gripal de Wuhan, nunca confirmada pela ciência e sempre apoiada em projecções criadas por modelos matemáticos fundamentalmente errados, paralisou-se a economia global, inventaram-se novos pretextos para o exercício da censura, libertaram-se centenas de milhares de criminosos enquanto se prendiam as pessoas que tentavam desesperadamente salvar os seus pequenos negócios.

Está ainda metade do mundo neste inédito isolamento quando acontece algo banal: um polícia branco mata um civil negro, numa cidade dos Estados Unidos da América. Morrem em cada dia uma quantidade enorme de civis e de polícias por actividade criminosa nas cidades dos Estados Unidos da América. Civis negros que são mortos por polícias brancos, negros, amarelos, vermelhos e castanhos. Civis brancos que são mortos por polícias brancos, negros, amarelos, vermelhos e castanhos. Polícias brancos que são mortos por civis brancos, negros, amarelos, vermelhos e castanhos. Polícias negros que são mortos por civis brancos, negros, amarelos, vermelhos e castanhos e assim sucessivamente, porque há polícias de todas as cores, civis de todas as cores e vontade bastante de se matarem todos uns aos outros, na América entrincheirada dos tempos que correm.

Por causa da morte deste civil, levanta-se uma rebelião. Os protestos, que em princípio nem seriam permitidos em pleno lockdown anti-viral, passam rapidamente a motins que passam rapidamente a uma espécie de levantamento global contra o alegado racismo da polícia americana (talvez a força etnicamente mais diversa de entre todas as forças policiais do planeta). Uma boa parte das capitais dos estados federais americanos ardem e são pilhadas, sem que as autoridades intervenham de forma decisiva porque a capacidade autoritária tem limites e já tinha sido inteiramente consumida pelo fascismo que o Vírus de Wuhan gerou. E porque quando os porcos triunfam há sempre uns porcos que são mais iguais que outros. Morre montes de gente no processo. Civis e polícias de todas as cores, etnias e origens.

Também impunemente, civis em Londres e em Paris e em outras notáveis capitais europeias roubam lojas e destroem monumentos porque estão indignados com o comportamento criminoso e alegadamente racista de um polícia de Minneapolis.

Apoiada pelo activismo cínico e/ou pela cumplicidade operacional das celebridades, das elites, dos líderes políticos, dos gurus da economia e dos sicofantes da imprensa, que entretanto se esqueceram da obrigatoriedade do confinamento, a multidão revolucionária entra em modo de ocupação física e metafísica do espaço público e mediático, transformando fatias de cidades em repúblicas jacobinas e exigindo que a opinião pública se conforme a conceitos que, ainda no princípio deste ano, seriam impensáveis: desinvestir na polícia, mandam uns, acabar com ela de todo, demandam outros. Os governadores destes estados e os mayors destas cidades aplaudem entusiasticamente e pedem por mais exigências insanas, enquanto se ajoelham perante a turba em contrição constrangedora e patética, por serem uns tipos horríveis, principalmente horríveis se forem brancos. A seguir vão a correr para as respectivas assembleias legislativas e legislam e fazem aprovar de facto o desinvestimento na polícia e a abolição da segurança pública.

Entrementes, a estátua de Sir Winston Churchill, um dos pais da liberdade que já tivemos, cai na lama da revolução. A estátua de Abraham Lincoln, que foi capaz de uma guerra civil para acabar com a escravatura, cai na lama da revolução. Há livros que são queimados, filmes que são retirados do mercado, programas para crianças que avisam as crianças sobre os horrores do mundo racista em que elas vivem.

A realidade destes últimos seis meses supera qualquer exercício de ficção alguma vez sonhado e a velocidade a que a civilização ocidental está a ser terminada é completamente vertiginosa. Caminhamos a passos largos para um fim qualquer. Isso é nítido. E é claro que em História, os fins geram princípios. Mas é talvez sensato recordarmos que, como aconteceu durante a e depois da queda do Império Romano, os fins podem ser ensanguentados e os princípios podem demorar muitos séculos a acontecer. E esses séculos que separam os fins dos princípios são geralmente muito duros e cruéis e estéreis para o género humano.