Uma das dez mil razões que justificam a minha paixão pela NFL é que esta liga produz histórias incríveis ao mesmo ritmo que os quarterbacks lançam para touchdown.
A temporada 2011/2012 foi, no que concerne a esta prodigiosa capacidade de gerar rábulas, absolutamente fenomenal. Por agora deixo aqui uma, que é a mais eloquente, mas, calhando, outras se seguirão.
O ESTRANHO CASO DE TIM TEBOW, O ANTI-QUARTERBACK.
Numa liga que é cada vez mais a liga dos quarterbacks e cada vez menos a liga dos running backs (leia-se: passa-se mais a bola do que se corre com ela), o novo grande herói americano tinha todas as hipóteses de falhar a sua primeira época a titular. Tanto mais que não começou a titular. Os Denver Broncos iniciaram a época com Kyle Orton no lugar de maestro, mas com um registo de quatro derrotas para uma vitória apenas, mandaram Kyle Orton para a orquestra de Kansas City e deram a Tim uma oportunidade de mostrar o seu jogo. Ora, acontece que Tim Tebow não gosta nada de passar a bola. Prefere mil vezes correr com ela. E sempre que tem de passá-la, o gesto técnico não é assim muito bonito, é esforçado, é contra-natura e a bola sai-lhe das mãos com uma trajectória de parafuso assimétrico de tal forma errática que parece sempre chegar ao seu destino como por milagre. Mas se os wide receivers não vão nunca fazer grandes números numa equipa com Tim Tebow a quarterback, o mesmo se pode dizer dos running backs. É que o rapaz acredita em correr com a bola, desde que seja ele a fazê-lo. A título ilustrativo desta tendência para o protagonismo, a ESPN passa inúmeras vezes um segmento em que, entre duas jogadas, um Tebow muito zangado dirige-se ao banco e esclarece, aos berros, a sua equipa técnica de que só há ali um gajo que corre com a bola: ele.
É assim fácil perceber porque é que muita gente desconfiava que Timothy Richard Tebow não iria fazer muitos amigos na NFL. E que a maior parte dos críticos condenava o homem ao fracasso total. Ora o que aconteceu foi precisamente o contrário. Contra tudo e contra todos, invertendo o recorde negativo dos broncos de 1-4 para 8-5 nos seus primeiros 8 jogos na NFL e contribuindo decisivamente para o apuramento dos Denver Broncos para os play-offs, algo que já não acontecia há uns anos largos, o vencedor do Heisman Trophy de 2006 (que distingue anualmente o melhor jogador de futebol universitário) tornou-se rapidamente na maior atracção da NFL, fazendo subir as audiências a novos recordes e criando, em tempo real, a "Mile High Magic" (referência à altitude da cidade de Denver e à magia de Tebow).
Tim Tebow é um atleta extraordinário e nem seria de esperar outra coisa de um quarterback que não receia correr para cima de linebackers que pesam cento e cinquenta quilos. Mas acima de tudo, são as suas qualidades humanas que o elevam às alturas do mito vivo. Competitivo como ninguém e corajoso até à insanidade (no liceu, jogou 15 minutos com uma fractura na tíbia, tendo corrido nesse período 54 jardas para um touchdown), devoto acólito da igreja do seu pai e líder nato, o rapazinho parece ter um talento único para congregar as equipas em torno de um objectivo, que é vencer, mesmo que isso implique o sacrifício das estatísticas, das convenções tácticas e da simples beleza do jogo pelo ar.
Os Denver Broncos terminaram a época regular em apuros, perdendo os três últimos jogos, nos quais Tebow se mostrou absolutamente incapaz de lançar a bola ou construir o mais débil fio de jogo. No último jogo aconteceu uma outra história dentro desta história. Os Broncos recebiam os Chiefs (precisamente o franchise para onde tinha sido enviado Kyle Orton) e precisavam de ganhar para garantir a passagem aos playoffs sem ficar à espera que outras equipas "dessem um jeitinho". Porém, Kyle Orton jogava aqui a sua honra e, perante um adversário totalmente desinspirado, os Kansas Chiefs humilharam a cidade de Denver e deixaram nas mãos dos Oakland Raiders o sucesso ou insucesso da temporada de Tim Tebow. Foi precisamente nessa altura que os deuses decidiram intervir: Oakland perdeu o último jogo da época e abriu assim as portas a Denver, que, com um dúbio recorde de oito vitórias e oito derrotas conseguia ainda assim permanecer na prova.
Por esta altura, já ninguém no seu perfeito juízo acreditava que Tim Tebow e companhia poderiam constituir uma séria ameaça aos Pittsburgh Steelers - eternos favoritos da NFL - que se deslocavam a Denver com a disposição de quem tem que cumprir um mero formalismo. Ora acontece que um ressuscitado Tebow lançou perto de 400 jardas e dois touchdowns de se lhe tirar o chapéu, correu para mais outro touchdown e eliminou os Steelers com uma limpeza arrepiante (e uma ajudinha grande da sua impecável linha defensiva). No vídeo em cima, está a primeira e única jogada do prolongamento (os Steelers são os Steelers e mesmo um Ben Rothliesberger lesionado obrigou os Broncos ao esforço extra), em que Tebow, num momento de suprema ironia, lança a bola para um incrível touchdown de 80 jardas, calando todas os críticos e assegurando em 8 segundos um lugar na posteridade.
Os Denver Broncos estão agora nas meias-finais da sua conferência, deslocando-se no próximo fim-de-semana a Boston, para enfrentar os mais que temíveis New England Patriots de Tom Brady, provavelmente um dos três melhores quarterbacks da história da NFL. Mas tudo é possível. O importante, segundo Tim Tebow, é acreditar. Acreditar em Deus, acreditar na vitória, acreditar na magia. E eu, que sou ateu por filosofia e que sou céptico por natureza, acredito nos Denver Broncos.