segunda-feira, dezembro 31, 2018

Esta canção

serve bem qualquer tipo de passagem de ano. Serve bem qualquer par de bons ouvidos. No meu escasso entender, é uma das mais belas músicas que o Pop já pariu. Serve bem para lançar uma nova viagem à volta do sol.



Slow
I'm gonna settle down slow
Down to the hum of electric life and soul

Faith
In my hands to trade
But for the word and
The light of a bitter saint

And you can get me work?
But I can't work for free
I've got a room downtown
With a bed and a big TV
If you can raise a star
From garbage on the street
Then you can make a modern life
For a modern girl to lead

Alone, I feel alone
When I'm living in a building
Like a tooth at heaven's throat

True, it's a beautiful view
But you know they're gonna set it on fire
When they feel like something new

And you can get me work?
But I can't work for free
I've got a room downtown
With a bed and a big TV
If you can raise a star
From garbage on the street
Then you can make a modern life
For a modern girl to lead

But why can't anything be real?
Emotion like the movies feel...
A pill to break the drone of reverie...
So bring me to the hand of fate
The river or the new arcade
So I can wash the empty hour away

But why can't anything be real?
Emotion like the movies feel...
So bring me to the hand of fate
The river or the new arcade

And you can get me work?
But I can't work for free
I've got a room downtown
With a bed and a big TV
If you can raise a star
From garbage on the street
Then you can make a modern life
For a modern girl to lead

Cos I'm living in a room downtown
With a bed and a big TV 


White Lies . Big TV

Mensagem de Ano Novo.


Desejo que 2019 não viva ao ritmo do Dow Jones. O Dow Jones é um índice cobarde da aritmética. É um algoritmo traidor da economia. O Dow Jones é uma média estatística que funciona como palhaço histérico e que vive à conta dos bons tempos e que bomba como carrasco das desventuras. Ninguém precisa de um índice que calcula a ganância humana, principalmente quando é anónima.

Desejo que 2019 viva para além da histeria dos gananciosos e do medo dos novos capitalistas, cambada de maricas com desejos de apocalipse climático.

Desejo para 2019 homens com colhões de aço e visão de Alexandre o Grande.
 
 Desejo para 2019 aquilo que não houve em 2018: líderes. Gajos tesos que estabeleçam um rumo para a civilização ocidental. Que protejam e exponenciem este muito bem sucedido modelo de governo.

Estes gajos tesos podem ser mulheres. Podem ser pretos (podem ser de todas as cores). Podem ser heterossexuais ou homossexuais e ninguém tem nada a ver com isso. Podem até ser travestis (e ninguém tem nada a ver com isso) mas têm que ter tomates de ferro. É muito simples.

Desejo para 2019 um sacana de um político carismático que valorize e respeite a cultura que me criou. A civilização de que sou produto. E que até ver, é a civilização melhor que já foi inventada.

E isto, convenhamos, não é pedir muito.

sábado, dezembro 29, 2018

Golf Mk7 GTI Performance Pack Vs. Trotineta.

Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa: não me foda, por favor. Este meu carrinho lindo bomba mais que dez milhões de trotinetas. E para ser proprietário deste carrinho lindo, paguei mais impostos que V. Exa. pode imaginar, porque V. Exa., não se deslocando certamente de trotineta, não paga um cêntimo do seu dinheiro para que se faça transportar civilizadamente de automóvel, que até deve ser para aí um Audi A8 com 3.000 de cilindrada e mais cavalos que o meu carrinho lindo. V. Exa. é a morte da civilização porque V. Exa reserva apenas para si o prazer dos cavalos. E a vantagem da borla.
Eu desejo sinceramente que acabe por ser condenado, no seu dia do Juízo, a uma eternidade de trotinetas. E daquelas que não têm bateria eléctrica. Para ter que passar a eternidade a dar à perninha.

Breve história de uma onda.


segunda-feira, dezembro 24, 2018

Postal de Natal #05 (epílogo)


Primeiro Proudhon, depois Marx, a seguir Nietzche e mais à frente os pós-modernistas todos investiram num combate furioso ao cristianismo e aos seus dogmas, com implicações na forma como ainda hoje representamos oniricamente Jesus: um anarca gadelhudo, em saiotes coloridos, saído de Woodstock ou de uma manifestação de ocupas. Acontece que o nazareno não partilhava de todo das convicções filosóficas dos três grandes mestres e das relatividades escolásticas da Sorbonne. Os seus exigentes patamares morais, que cumpria com escrúpulo fanático e de que era intransigente campeão, desesperavam até os seus discípulos. Qualquer figurinha diletante do género John Lennon o horrorizaria por certo e sabemos bem que só conseguiu perdoar a promiscuidade sexual a uma mulher que, não por acaso, fazia disso o seu ganha pão. E quanto ao direito à propriedade, estamos conversados: não há revolução que legitime o roubo e se os homens nascem iguais perante Deus, vão chegar com certeza diferentes ao dia do Juízo. A revolução do espírito não serve para libertar escravos ou enriquecer fariseus. O seu objectivo é a salvação da tua alma, não da tua vida.






Cântico de Natal #05

Outra vez os Young The Giant, o prodigioso agrupamento de rapazinhos talentosos que simplificam imenso a tarefa de coligir uma banda sonora para este Natal.



Yougn the Giant . Simplify

domingo, dezembro 23, 2018

Aqui está um post muito pouco natalício.

O Observador, publicação online de que tive a infeliz ideia de ser assinante, está cada vez mais sofrível e irritante. Esta entrevista aqui, conduzida por um par de groupies do entrevistado (personalidade televisiva que eu desconhecia por completo - e ainda bem), é o acabado exemplo disso. Como o comentário que deixei - e que publico a seguir - é também válida amostra do que penso hoje sobre este lamentável pasquim, cujos colunistas fingem que são de direita enquanto a redacção finge que faz jornalismo, embora na verdade siga apenas o trend propagandístico da esquerda mediática, que é norma nos media tradicionais.
O Observador é uma fraude enorme.


Os portugueses são ingratos porque se recusam a assistir à porcaria que passa na televisão portuguesa (e não só na portuguesa, claro, a televisão contemporânea é uma imensa porcaria). Este senhor gostou de ser júri do Ídolos porque acha que o ídolos é um excelente produto televisivo. E os portugueses devia ser gratos por causa disso.
Deuses.
E diz que se sente muito sozinho porque ninguém viu as três séries de que ele fala como ele as viu! As séries de que ele fala, e que eu (mais quinhentos milhões de seres humanos) vi como ele viu, caíram muito na minha consideração pelo simples facto de ele gostar delas. E de se sentir, coitadinho, solitário por causa disso.
Que espectacular imbecil.
Eu nem sabia quem era este senhor, na verdade, e perdi uma grande oportunidade para continuar ignorante.
Por outro lado, o problema deve mesmo ser meu, que continuo a frequentar esta espécie de jornal, que está cada vez mais infrequentável.
Bah!

sexta-feira, dezembro 21, 2018

Postal de Natal #04



Os 27 livros do Novo Testamento, e alguns outros do Antigo, foram originalmente redigidos em grego clássico. A vulgata latina e a tradição anglosaxónica instituiram  que o substantivo “pecado” e o verbo “pecar” traduzissem a palavra grega “Hamartía” (άμαρτία) que na verdade significa a menos gravosa acção de errar, e que se relaciona com o verbo “Hamartánó” (errar o alvo). Mas atenção: se é verdade que errar é humano - e que não significa, necessariamente, pecar - aos olhos de Cristo o teu erro é trágico. Principalmente o erro no discurso, que produz a mentira, a blasfémia e, nos tempos que correm, as fake news. Falhar no acertado uso da palavra é uma espécie de queda, repetida e catastrófica, num drama dantesco: o eterno incêndio da tua alma. 
 
Há uma boa razão para que as epístolas de Paulo, mesmo as apócrifas, sejam extremamente populares junto dos crentes e bastante apelativas para aqueles que leem a Bíblia pelo prazer da literatura: é que estão carregadas dos pequenos e grandes defeitos que dão textura à humanidade. O apóstolo de Tarso expõe e critica constantemente os desvios para o mal nas assembleias de primeiros cristãos espalhadas pelo Mediterrâneo e rezinga veementemente contra as perversidades e as invejas, as rivalidades e as barbaridades que proliferam entre os seus acólitos. Trata-se, claro, de um eficaz truque da retórica evangelista, porque é precisamente através da indexação das infâmias adstritas à natureza humana que melhor compreendemos o carácter divino de Cristo, o derradeiro super-herói da metafísica: aquele que sobe ao sacrifício da cruz para salvar uma raça infame de idólotras, bandidos e assassinos.

Nani e a qualidade de serviço.

 
Nesta maravilhosa tabuinha com 4 mil anos, escrita em caracteres cuneiformes e língua acádia, encontramos o primeiro registo histórico de um cliente queixoso. Nani, um empresário da Mesopotâmia, reclama e protesta com um tal de Ea-nasir, a quem terá comprado lingotes de cobre de qualidade inferior. Não é apenas a virtude do produto que está em causa: o serviço pós-venda também deixa bastante a desejar.

Na tradução do assiriólogo Leo Oppenheim, Nani, que vê rejeitada a intenção de ser reembolsado, mostra a sua indignação com veemência:

"Por quem me tomas para me tratares com tal desdém? Enviei como mensageiros senhores como nós para receberem o pacote com o meu dinheiro, mas foram tratados com desprezo, voltando de mãos vazias e por território inimigo.
Há alguém entre os comerciantes que negociam com Telmun que me tratasse de tal maneira? Só tu tratas os meu mensageiro desta forma!
Tem em mente que a partir de agora não aceitarei qualquer cobre que não seja de boa qualidade, selecionarei e levarei os lingotes individualmente e exercerei contra ti o meu direito à rejeição porque me trataste com desprezo.”

A pequena tábua está actualmente em exposição no British Museum.

quinta-feira, dezembro 20, 2018

Cântico de Natal #04

Este senhor tem um incrível jeito para ganhar o prémio "O Pai Natal É Um Nerd Que Desafina À Brava". É só encarapuçá-lo numa boina vermelha e está tudo dito. Está tudo escrito. Está tudo cantado.



"I want you to be my stay-inside winter
I want you to be my freeze-dried goods
I want you to be my layers of sweaters
I want us to get lost in the woods
I hope I’ve opened my eyes in the nick of time

And I want love, love, love."

Say Hi . Sweaters

Muito, muito breves e muito, muito leves leituras do Alcorão.





"Isto não é mais do que a revelação 
revelada pelo poderoso poder
que se fez estático
no mais alto dos horizontes;

que se aproximou e, suspenso
a dois arcos de distância (ou mais perto),
falou a Maomé."


Alcorão . 53:4-11 . Tradução livre do texto em inglês.


I . Todos somos Gabriel.
Na origem do Alcorão está o arcanjo Gabriel, que traz a Palavra a Maomé. É exactamente o mesmo anjo que anuncia, na tradição judaico-cristã, a encarnação do Verbo de Deus, que traz a justiça e a verdade, mas também o amor e a fraternidade. Essa "encarnação do Verbo", para os cristãos é Jesus e para os judeus é ninguém, até ver. Seja como for, cristãos, judeus e muçulmanos têm mais em comum que descender de Abraão. Acreditam todos neste extra-terrestre que traz uma mensagem de transcendência. Os judeus até acham que este anjo em queda livre é uma espécie de guardião da fé.

II . Barba ou cabelo?
Como diferenciar judeus e muçulmanos num campo de batalha do Mediterrâneo Clássico? Os muçulmanos rapam a cabeça (porque uma careca escanhoada funcionava como uma pintura de guerra e porque Maomé nunca fez a barba) e os judeus rapam a cara (porque uma face escanhoada funcionava como uma espécie de pintura de guerra e porque se rapassem a cabeça não se distinguiam dos muçulmanos). Assim, toda a gente tem a certeza rápida de que está a matar o filho da puta certo: se tens barba és de Meca, se não tens és de Jerusalém.
Qualquer santificação da barba no contemporâneo mundo que vivemos deriva assim de um medo de barbeiros e de uma cosmética de guerra. Ponto.

III . Quem nunca pecou é um macaco (macho).
O apedrejamento não está legislado no Alcorão porque, reza a lenda, uma sacana de uma cabra petiscou essas iniciáticas páginas. Mas o segundo livro sagrado do Islão (Ṣaḥīḥ al-Bukhārī), que precede cronologicamente o Alcorão, conta a história de um profeta que, vendo um macaco atirar uma pedra a outro macaco, concluiu que o macaco vítima de apedrejamento teria que ser uma fêmea infiel e que o macaco agressor teria que ser o macho traído e por isso, justificadamente, atirador de pedras.

IV . Virgens infinitas.
As setenta e duas virgens que o Islão promete aos seus mártires não são na verdade setenta e duas. São infinitas, porque no árabe do Alcorão o número 72 serve para ilustrar o que é inumerável. Se eu disser que o califa Abdul Hamid tem 72 cabras, o que eu quero dizer é que ele tem cabras que nunca mais acabam. Além disso, nos escritos sagrados originais, o meu paraíso com 72 incontáveis virgens lá dentro implica também a presença - e a logística - dos incontáveis servos das virgens (todo o bordel tem seguranças, todo o harém tem eunucos). Trata-se de uma multidão ansiosa, dependente e dispendiosa que não perfaz na verdade os mínimos necessários a uma ideia de qualidade de vida-depois-da-vida.

V . Uma língua moribunda.
Noventa por cento dos 1.7 biliões de muçulmanos no planeta não falam a língua em que o Alcorão foi escrito. Não é de admirar. Cem por cento dos cristãos contemporâneos não dominam o grego clássico, o hebraico e o aramaico em que o Antigo e o Novo testamentos foram originalmente redigidos, por exemplo. Há no entanto que ter em consideração que a tradução escolástica de textos ancestrais, ainda por cima resultantes de tradição oral, podem rapidamente transformar a mensagem original num disparate fascista, como aconteceu na baixa idade média da Europa e acontece actualmente um pouco por todo o mundo islâmico.

VI . O guerreiro e o carpinteiro.
Maomé era um próspero comerciante do médio oriente do século VI depois de Cristo. De forma a dominar as rotas comerciais dessa época, um comerciante competente teria que ser em concomitância um guerreiro de primeira estirpe. Não existia outra hipótese. É por isso que o Alcorão será sempre mais inspirador de violências do que o Novo Testamento. Como qualquer pessoa normal, os dois profetas são produto da sua Situação. Cristo é um pobre carpinteiro de um canto pobre do império romano, no seu apogeu. Maomé é um próspero - e bélico - capitalista que trabalha sobre a decadência desse mesmo império. A mensagem evangélica tem que ser diferente.

quarta-feira, dezembro 19, 2018

Postal de Natal #03


Do Dilúvio à Torre de Babel, de Sodoma a Gomorra, o Antigo Testamento insiste num princípio básico: dado o holocausto, a culpa é tua. É a tua exclusiva degenerescência moral que conduz à degenerescência moral - e funcional - da sociedade. Por isso, não adianta protestares com as injustiças do mundo enquanto não acabares completamente com a mais remota hipótese de seres injusto. Não adianta assinalares a vilania dos outros enquanto procuras justificar a tua própria. Em vez de te queixares da tua sorte, age eticamente de forma a erradicar a aleatoridade da tua vida. Na medida em que é pelos teus actos e pelas tuas palavras que serás julgado, comporta-te com os outros como gostarias que os outros se comportassem contigo e usa o dom do discurso com sabedoria e sensatez. Esse é o melhor método para manter os monstros no seu devido perímetro de trevas.Esse é o único processo que contribui com eficácia para que na tua cidade consigas, ao contrário de Abraão em Gomorra, encontrar  um punhado de justos homens. Porque o apocalipse é isso mesmo: a ausência de homens justos.

Os Dez Mandamentos constituem um elogio ao bom senso de tal forma eloquente que ainda hoje algumas das principais leis morais e jurídicas permanecem fundadas nestes breves versículos do Êxodo. Por isso, sempre que um pacifista secular atira contra a convicção cristã o célebre Quinto Mandamento, está nitidamente armado em parvo porque no hebraico original o acto que se interdita é o assassinato. Num texto que respira sabedoria como este, não faria sentido obstar à legítima defesa ou à utilidade civilizacional da guerra (sendo certo que os soldados não se assassinam uns aos outros). Mais a mais, Deus tem outras prioridades: antes deste imperativo, que surge apenas no 13º versículo, já tinha proíbido o culto de outros deuses, a arte sacra, a vã invocação do seu nome, o trabalho ao sábado e a má educação dos adolescentes. Afinal, há mais coisas no céu e na terra do que sonha a literatura policial.

Artigo do mês.

"A minha greve predilecta está a ser a dos enfermeiros. Para viabilizar a paralisação os enfermeiros fizeram contas a quanto custava apoiar os grevistas e efectuaram uma campanha de crowdfunding para financiar a greve. Estamos portanto na presença da primeira greve com um modelo de negócio. Quem disse que sector público e sector privado não podem coexistir em harmonia? Este exemplo combina na perfeição a típica greve do sector público com o empreendedorismo do sector privado. Parece é ser trabalhoso de organizar. Não daria muito menos trabalho ir simplesmente trabalhar?

Como é óbvio os funcionários públicos têm razões de queixa. De Passos Coelho, claro. Basta lembrar como em 2015 o PSD optou, maldosamente, por ganhar as eleições apenas com maioria relativa. Só para obrigar António Costa a formar a geringonça. Depois, claro, o actual primeiro-ministro não teve alternativa salvo ir a reboque dos comunistas na reposição de rendimentos. E perante isto que alternativa tinha Mário Centeno excepto cativar despesa ao ponto de deixar os serviços públicos à beira do colapso? Maquiavélico, aquele Passos."

 Tiago Dores . Ho! Ho! Ho! A Greve Chegou! . Observador

terça-feira, dezembro 18, 2018

Cântico de Natal #03

A banda sonora deste Natal é interpretada, quase a solo, pelos Young the Giant. Eis outro tema do último disco, "Mirror Master". Na verdade, qualquer das 12 músicas deste álbum podiam entrar na playlist do Blogville, sem problemas. Estou só a colocar os temas que têm clip...



Young The Giant . Call Me Back

segunda-feira, dezembro 17, 2018

Postal de Natal #02


Adão e Eva são produtos de directo fabrico divino e, assim, não biológico. No sentido técnico, que não é dispiciendo, não são mamíferos. São uma espécie de autómatos sem consciência de si, até que cedem à tentação de provar dos frutos da Árvore do Conhecimento, e por esse atrevimento serão condenados a uma árdua existência. A raça humana na verdade inicia-se apenas com a prole deste infeliz casal e sendo que o primogénito é Caim, assassino rematado do seu irmão Abel, ficamos avisados acerca da orgia sanguinolenta que vai manchar a narrativa daqui para a frente. Ficamos esclarecidos sobre o potencial de vilania que existe em cada um de nós. Mas também sobre os limites da justiça: Deus mostra-se severo para com Caim depois de saber do seu bárbaro cometimento. Mas, naquele que é o primeiro acto de corrupção judicial da história da humanidade, ameaça com violências septuplicadas qualquer tentativa de aplicação de castigo proporcional sobre o seu infame neto. E é por isso que a razão divina não deve nunca ser uma fonte do  Direito.




O Livro de Job é um dos mais discutidos e surpreendentes textos do Antigo Testamento. Transformado em mercadoria de casino por uma estranha aposta entre Deus e o Diabo e enclausurado numa tenebrosa galeria de horrores, Job, o mais fiel dos crentes, o mais justo dos homens, o mais próspero e amado senhor do oriente, vê num só dia o seu património aniquilado, o seu gado sacrificado, os seus servos exterminados e toda a sua prole extinta. Leproso, abandonado pela mulher, vilipendiado pelos irmãos e traído pelos amigos, o desgraçado arrasta-se em agonia por uma desventura que, de tão cruel e imerecida, pertence ao domínio do surreal. Job mortifica-se e pergunta-se pelos males que possa ter cometido para ser sujeito a semelhante conjunto de cataclismos. Mas é a sua resiliência, a sua resignação a um destino cujas leis não domina, que impressionam e que acabam por salvá-lo. No fim da história, Deus ganha a aposta que fez na fidelidade de Job e compensa-o finalmente, com redobrado património, dez filhos e a redenção social. O que foi entretanto sacrificado, em vidas e bens, passa a nota de rodapé e o herói nunca chega a perceber porque raio foi atingido por semelhante vendaval ontológico. Deve permanecer insondável o mistério do sofrimento.

domingo, dezembro 16, 2018

Em família.

Quando amas uma tribo de pessoas durante 30 anos, será sempre demasiado tarde para que esse amor se desvaneça, para que as pessoas se esqueçam. Para que a tribo sucumba.

Estes meus amigos são uma boa definição de família. Correm no meu sangue, circulam neurologicamente pelo meu pensamento; são a minha memória, com pernas; são a minha escassa sabedoria, com abraços. Fecham e abrem o círculo da minha existência.

Não interessa realmente se estamos juntos uma vez por semana ou duas vezes por milénio. Estamos sempre juntos. Somos todos da mesma tribo iniciática. Partilhamos todos desta mesma emoção.

Estes meus amigos, bons e sãos, sérios e loucos, generosos como o raio e leais até ao fim; que me fazem rir e chorar com a mesma virtude de gurus; deixam-me grato com a vida.


Estar entre eles é estar vivo. Fazer parte. Dar significado ao destino.


Postal de Natal #01



Mais que um livro, a Bíblia é uma enciclopédia. Encerra centenas de narrativas, milhares de personagens, provérbios e profecias, cataclismos e calamidades, poemas eróticos e épicos, parábolas e epístolas de toda a ordem. Curiosamente, as escrituras não desenvolvem assinalável filosofia sobre o prazer, a alegria ou a felicidade. O objectivo é que aprendas, pelo contrário, a viver com as mais que certas e muitas vezes terríveis dores da existência; com as injustiças, os mistérios e as angústias que, na clara convicção dos redactores dos livros sagrados, constituem a grande constante do universo. E é nessa convicção que reside a pertinência da Bíblia: mesmo que não acredites em Deus tens aqui um excelente manual de normas para sobreviveres a um cosmos difícil, cuja natureza ameaça o teu frágil balanço emocional e transcende largamente a tua capacidade cognitiva.

sexta-feira, dezembro 14, 2018

Lindo porquinho.


O meu cão velho e surdo e esperto como o raio para aquilo que lhe interessa e palhacinho e meigo como ninguém e alegre e feliz no seu reumático; o meu cão feiticeiro branco, eterno Gandalf; o meu cão mimado e adorado por mim e por toda a gente; amigável, simpático, ferrugento: é o mais inocente dos podengos, é o mais natalício dos porquinhos.

Foto: Susana Baptista

Cântico de Natal #02

Mais uma banda amiga do Blogville, com um novo disquinho maravilhoso, que não consigo parar de ouvir. Esta música aqui é uma espécie de jingle bells, para quem gosta de pop alternativo. Ainda por cima refere-se à capacidade ubíqua das sub-partículas atómicas. Eu tinha que amar isto.



I don't believe in faith
No psychic vision
But when things fall into place
Superposition

In any universe
You are my dark star

I want you 

To want me
Why don't we rely on chemistry
Why don't we collide the spaces 

that divide us
I want you 

To want me

Superstition aims
With imprecision
But when things can't be explained
Superposition

Oh, oh
In any universe
You are my dark star

I want you
To want me
Why don't we rely on chemistry
Why don't we collide the spaces 

that divide us
I want you
To want me
I want you
To want me

No matter what we do
I'll be there with you

I want you
To want me
Why don't we rely on chemistry
Why don't we collide the spaces 

that divide us
I want you
To want me 


Young the Giant . Superposition

quinta-feira, dezembro 13, 2018

Pela estrada fora #14





Um carro eléctrico, um carro autónomo, um carro de que não sou proprietário (três populares teorias sobre aquilo que vai ser o automóvel do futuro), não tem cavalos, não tem combustão, não tem poder, não tem liberdade para me fazer sair de casa.

quarta-feira, dezembro 12, 2018

Cântico de Natal #01



Orthodox Christian Chant "In the Dark Night" about the Birth of Lord Jesus Christ, by the Monks of Svetogorskaya Lavra in Ukraine.

Guerra ao Natal.


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Entre a comicidade e o dramatismo, sucedem-se todos os anos e com uma intensidade exponencial, os episódios de combate às tradições do Natal. Os presépios passam a manifestações da arte popular ou desaparecem por completo, as árvores de natal são árvores das festividades (de Christmas tree para Hollidays Tree), os cânticos religiosos são substituídos por corais seculares, os jingles natalícios são censurados, proibidos ou reescritos e a mais pequena referência ao verdadeiro e original evento que o Natal celebra - o nascimento de Jesus Cristo - é inapropriada e pressurosamente afastada, vilipendiada, esquecida.

Há exemplos vindos de todo o lado, a toda a hora, mas o que mais diverte e assusta ao mesmo tempo é o da directora do liceu público de Elkhorn, no Nebraska. Verdadeira missionária do fascismo anti-cristão que é o novo normal do Ocidente, Jennifer Sinclair enviou um memorando a todos os funcionários da escola com uma lista de práticas natalícias aceitáveis e inaceitáveis.

Entre as aceitáveis estão actividades que se relacionam com pinguins, bonecos de gengibre, bonecos de neve, chocolate quente, festejos multiculturais e prendas, entre outras deste nível de ridículo, que a professora considera apropriadas. É de notar que algumas têm fundamento pagão (os bonecos de gengibre, por exemplo), portanto religioso, mas desde que não sejam cristãos, servem.

Na lista das práticas inaceitáveis, encontramos a realização de materiais artísticos ou comunicacionais com pais natal, árvores de natal, elfos ou renas; a difusão ou interpretação de cânticos e músicas de Natal; a presença de árvores de Natal nas salas de aula; a oferta de livros com histórias de Natal, a exibição de filmes baseados na época festiva, o consumo de barras de rebuçado em forma de J (candy canes) e, cereja em cima do bolo, a utilização das cores vermelha e verde (!).

Se não acreditas em mim, caríssimo audiente, o pdf original que a senhora Sinclair enviou está aqui para download.

Não consigo perceber como é que chegámos a este ponto, sinceramente. Não consigo perceber como uma civilização que encontra os seus fundamentos na tradição judaico-cristã, uma civilização que, muito graças a esses fundamentos, é a mais bem sucedida da história da humanidade, a que mais facil e recorrentemente consegue garantir progresso, prosperidade, segurança, liberdade e justiça aos seus cidadãos, a que primeiro aboliu a escravatura e separou o estado da igreja, a que inventou e propagou o Direito e a norma constitucional, a que fundou cânones de referência para as artes plásticas, a literatura, a música; não consigo perceber como é que esta civilização se suicida todos os dias, assim, parvamente.

Esta gente ignorante que quer substituir S. Nicolau por um boneco de neve e Jesus por um pinguim, pretende obter, na redução da narrativa cristã ao zero absoluto, exactamente o quê? O inferno de viver sem valores. Porque é no inferno que está a última revolução de todas, a que vai transformar o mundo num imenso, num eterno, programa quinquenal estalinista.

Guerra à verdade.


Sobre a infame tradição da figurinha do ano, teimosamente perpetrada pela revista Time, já aqui protestei bastante. Volto a repetir uma frase desse post de 2015:

Na medida em que já elegeram gente tão ilustre como Chiang Kai-Chek (1937), Adolf Hitler (1938), Joseph Estaline (por duas vezes: 1939 e 1942), o Rei Faisal (1974, em plena crise energética) e Hayatolla Khomeini (1979), seria de esperar que mais tarde ou mais cedo achassem por bem terminar com esta actividade de mau gosto. Mas não. Persistem.

A eleição deste ano não fugiu à desastrosa regra. A capa de Dezembro celebra pomposamente um grupo muito discutível de jornalistas, com o lead "The Guardians and the War on Truth". Para além de ser deveras questionável a virtude de um grupo de jornalistas eleger outro grupo de jornalistas; para além do jornalismo que a Time defende ser precisamente o primeiro inimigo da verdade, como é óbvio para milhões e milhões de pessoas que deixaram entretanto de ler - e de comprar - este género de literatura doutrinária sem qualquer ligação à realidade (o que matou a imprensa escrita, não foi a internet, foi a ideologia); para além da péssima qualidade gráfica - e fotográfica - das 4 capas, há que esclarecer os meus escassos e pacientes leitores sobre o perfil de Jamal Khashoggi, o mais recente mártir do circo mediático internacional e um dos eleitos da Time.

Para começar, Jamal Khashoggi não é bem um jornalista, pelo menos não no sentido ocidental do termo. Entre as diversas actividades profissionais que desenvolvia, encontram-se as de diplomata, espião, spin doctor, lobista e consultor da família real saudita, que em outubro o torturou até à morte (aparentemente Jamal trabalhava para a família certa, mas para o irmão errado). O fantástico CV deste novo herói da imprensa está documentado, é do domínio público para quem quiser fazer uma breve pesquisa na web e está bem sintetizado aqui. Torna-se evidente que o jornalismo do falecido saudita surgia mais como uma ferramenta de reforço da sua performance multi-disciplinar, do que o inverso.

Neto do médico do primeiro rei da actual dinastia saudita, sobrinho de um riquíssimo e notabilíssimo traficante de armas e primo de Fayed, o célebre amante de Diana Spencer; membro da Irmandade Muçulmana, organização radical islâmica que luta pela institucionalização da lei da Sharia e que financia o Hamas, entre outras simpáticas agremiações terroristas; velho amigo de Osama Bin Laden, que entrevistou várias vezes, com quem viajou e a quem serviu de pombo-correio; zeloso defensor dos interesses do regime aristocrático de base medieval, constituído oligarquicamente por facínoras multi-milionários, e do consequente estado totalitário e, para todos os efeitos civilizacionais, bárbaro, que se instalou na Arábia Saudita desde que em 1927 os ingleses concederam a independência do território peninsular a Abdul Aziz; Khashoggi é um personagem complexo e pouco recomendável. Não merecia a horrível morte a que foi sujeito, claro, ninguém merece, mas está a milhões de anos luz de poder ser vendido como um guardião na luta pela verdade.

A verdade não é para aqui chamada, claro. Isto é apenas política. E baixa política.

Da correcção ao desemprego.

Comentário deixado no Observador, na peça sobre o perfil do terrorista de Estrasburgo:

Esta notícia foi escrita com tanto cuidado, com tanta correcção política, que mete nojo. O terrorista foi "alegadamente" radicalizado, mas os seus motivos podem ser outros completamente diferentes, claro (se calhar foi recrutado pelos coletes amarelos, esses malandros). Nem por uma vez se usa a palavra "muçulmano" e o islão é mencionado apenas a propósito do Estado Islâmico (deve ter custado horrores ao jornalista ter relacionado o "alegado" radical a esta organização) e somente no último parágrafo da peça, porque Alá é grande. Enquanto alguns colunistas do Observador ainda vão tentando convencer a audiência de que este é um jornal ideologicamente desalinhado com a maioria dos media, a redacção já não tenta enganar ninguém: é a cartilha do costume. O problema é que a cartilha do costume está a levar rapidamente os jornais à irrelevância. E os jornalistas ao desemprego. É que o Deus cristão também é grande. E não dorme.

segunda-feira, dezembro 10, 2018

Isto não é bem aquilo que os americanos consideram futebol.

Isto é uma espécie de manifestação religiosa. Um milagre em Miami. A sete segundos do fim do encontro, a perderem por cinco pontos e com um down a 70 jardas da end zone dos New England Patriots, os Dolphins decidem improvisar e conseguem o inconseguível. O que se mostra a seguir é mesmo muito raro, na NFL.

Pela estrada fora #13





A estrada acaba no penhasco sagrado da Costa de Prata: a Nazaré de um lado, a Praia do Norte do outro e o Canhão em frente. O Atlântico, brutal, lava-me a alma.

sábado, dezembro 08, 2018

Numa simples canção, os fundamentos da música pop.

A solo ou na bom companhia de Alex Turner, nos The Last Shadow Puppets, Miles Kane é um rocker poderoso e inspirado. O último disco, Coup De Grace, não desilude. E esta canção aqui tem poder encantatório que nunca mais acaba. Ando a cantarolá-la há uma semana.



Ghost eyes fall upon my baby doll
Ghost eyes love to watch me too
Ghost eyes don't say much but they see it all, yeah
 
Ghost eyes sleep beside my baby doll
All night when I'm in bed with you
Sunrise never sets on baby doll
Her ghost tears, some call it rain
Well I'm crying for just one name
 
I made it up in a dream I had
My French is bad, some say, "Je t'aime beaucoup"
I say, my darling, "Shavambacu"
 
I can't stand to see another day
I'm not in L.A. to have my way with you
My little darling shavambacu, oh honey I love you
 
Her ghost eyes float around my empty room
Do your eyes, but I can't tell it's you
Where I try, but I can't see for baby doll
Her ghost tears, some call it rain
Well I'm crying for just one name
 
I made it up in a dream I had
My French is bad, some say, "Je t'aime beaucoup"
I say, my darling, "Shavambacu"
 
I can't stand to see another day
I'm not in L.A. to have my way with you
My little darling shavambacu, oh honey I love you
 
Miles Kane . Shavambacu

quinta-feira, dezembro 06, 2018

Uma elegia como deve ser.

"The idea is to die young, as late as possible." 
George H. W. Bush

George W. Bush honrou o seu pai com belas e sentidas palavras, no funeral de estado de ontem, que decorreu na Catedral de Washington. Vale a pena ouvi-las.


O elfo de Lisboa.



Já há muito, mas mesmo muito tempo que não via um spot tão bem feitinho como este aqui. E acho que nunca na vida tinha visto uma campanha decente do Corte Inglés. Há de facto uma primeira vez para tudo. A agência Sra. Rushmore está completamente de parabéns. O filme é enternecedor, está bem carregado do espírito natalício, tem um jingle de antologia - que fica no ouvido sem ser facilitista - e funciona esplendidamente para os dois públicos (clientes e colaboradores). Cinco estrelas.

terça-feira, dezembro 04, 2018

Frase bombástica do mês:

"Um colapso do 'macronismo' dificilmente significaria o regresso ao anterior sistema partidário. Comecem, à cautela, a imaginar o inimaginável."

Rui Ramos . Três erros sobre a França dos coletes amarelos . Observador

Pela Estrada Fora #12

Enquanto a gasolina não for um produto de luxo, acessível apenas aos ambientalistas que se transportam em jactos privados, continuarei a fazer a estrada pela estrada.







sábado, dezembro 01, 2018

O último dos estadistas.

"We know what works: Freedom works. We know what’s right: Freedom is right. We know how to secure a more just and prosperous life for man on Earth: through free markets, free speech, free elections and the exercise of free will unhampered by the state."

George H. W. Bush . 1924 - 2018