domingo, março 30, 2014

Uma Arte (Manuel Anastácio Jam)















A arte de  perder não exige grande perícia;
tantas coisas se afiguram moldadas ao intento
de se perderem, que a sua perda não é notícia.

Dá aos extravios autoridade vitalícia
sobre chaves ou sobre a hora  entornada ao vento.
A arte de  perder não exige grande perícia.

Depois, pratica-a  arduamente e fá-la mais propícia
a lugares, nomes, ou  destinos sem provimento
para viagens. De nenhuma se fará notícia.

Perdi o relógio de minha mãe. E, sem sevícia,
três casas onde não terei já acolhimento.
A arte de  perder não exige grande perícia.

Perdi duas cidades e, com elas, a primícia
dos meus domínios, rios, o mais vasto monumento.
Sinto-lhes a falta, mas perdê-los não foi notícia.

- Até perder-te  (a tua voz, teus gestos de carícia
em que me perco). Mentir não teria cabimento:
A arte de perder não pede especial perícia
nem que pareça tão (diz!) uma tão triste notícia.


Versão do poema "One Art" de Elisabeth Bishop gentilmente criada e cedida pelo blog irmão Da Condição Humana

terça-feira, março 25, 2014

Uma Arte (Blogville Jam)

A arte de perder não é de difícil mestria;
Há tantas coisas que parecem cheias de vontade 
de se perderem que a sua perda não faz razia.

Aceita o incómodo de perder em cada dia
as chaves de casa, a hora que não deixa saudade.
A arte de perder não é de difícil mestria.

Depois procura perder, com mais alcance e energia,  
os nomes, os lugares para onde talvez te agrade 
viajar. Nada disto faz razia.

Perdi o relógio da minha mãe. E também a moradia,
última-ou-quase de três casas da minha afinidade.
A arte de perder não é de difícil mestria.

Perdi duas cidades amadas. E mais perdia;

alguns reinos meus, dois rios, uma tempestade.
Dei-lhes pela falta mas não pela razia.


Até perder-te (a tua voz, o teu gesto e a ironia
que amava) não devo ocultar - é de claridade:
a arte de perder não é de difícil mestria
mesmo quando parece fazer (di-lo!) fazer razia.

segunda-feira, março 24, 2014

O drama de um poema.



The art of losing isn't hard to master; 
so many things seem filled with the intent 
to be lost that their loss is no disaster. 

Lose something every day. Accept the fluster 

of lost door keys, the hour badly spent. 
The art of losing isn't hard to master. 

Then practice losing farther, losing faster: 

places, and names, and where it was you meant 
to travel. None of these will bring disaster. 

I lost my mother's watch. And look! my last, or 

next-to-last, of three loved houses went. 
The art of losing isn't hard to master. 

I lost two cities, lovely ones. And, vaster, 

some realms I owned, two rivers, a continent. 
I miss them, but it wasn't a disaster. 

—Even losing you (the joking voice, a gesture 

I love) I shan't have lied. It's evident 
the art of losing's not too hard to master 
though it may look like (Write it!) like disaster. 

Elizabeth Bishop  |  One Art

terça-feira, março 18, 2014

Back to rock and roll basics.



Drowners  |  Luv, Hold Me Down

Uma Avaria no Cosmos, Na Carpintaria de S. Lázaro.





Textos: Paulo Hasse Paixão
Cenografia: João Lagido

Aula extra : LabZero


A Tragédia da Rua de São Lázaro.

A Rua de São Lázaro quer ser Mártir da Pátria.
Custa-lhe horrores fugir do Martim Moniz,
mas esgueira-se ainda assim, dolorosamente, num estreito sinuoso
pela encosta acima, parece
uma espécie de elevador da glória feito de asfalto e nostalgia.

Passa a ambulância numa gritaria de urgências
(as ambulâncias andam sempre aflitas, mesmo quando não trazem doentes)
que faz trepidar as janelas devolutas
e a fotografia, assinada, da Amália que brilha
na parede nobre da tasquinha do brasileiro das pataniscas.

A Rua de São Lázaro transporta antípodas e nativos
como condenados numa barca de Gil Vicente,
como heróis numa nau de Camões ou fantasmas num cargueiro de Pessoa.
É democrática e trata todas as criaturas com o mesmo desdém
de quem sobreviveu a terramotos.

Os magníficos escombros de um império perdido atrapalham
a paisagem.
O ambiente é excessivamente cenográfico, mas há gente que vive aqui.
Parece impossível, mas há gente que sobe e desce em trabalhos e serviços,
num atarefado trânsito de ambições.

A Rua de São Lázaro bomba ao ritmo do desígnio dos deuses
e da vontade dos homens.
E enquanto o Hospital de São José geme de dores e disfunções,
abre-se um palco para a vida encenar o seu ofício de caos
e frémito e azáfama e frenesim.

A Rua de São Lázaro quer ser Mártir da Pátria
como o Tejo quer ser oceano, mas ao contrário:
a subir é mais difícil chegar lá e não há marés que ajudem à conquista
e não há maneira de cumprir o caminho que não seja esforçada e inglória
e é essa a tragédia.

quarta-feira, março 12, 2014

Inscrições fechadas para dias 13 e 20. Aula extra dia 31 de Março. Mais informações: schooling@sponge.pt

domingo, março 09, 2014

Economy of Words #1


"What would men be without women? 
Scarce, sir, mighty scarce!"
Mark Twain



“I have only made this letter longer because I have not had the time to make it shorter.”    
Blaise Pascal

segunda-feira, março 03, 2014

A história repete-se (e de que maneira).

Enquanto a Rússia toma posse da Crimeia, a Europa e os Estados Unidos dão-se ao luxo da perplexidade. Obama fez um telefonema a Putin que, para além de ter funcionado como uma espécie de photo-op, serviu para largar umas poucas veladas e vagas ameaças, que não escondem a impotência e a mais absoluta ausência de carácter desta presidência. Nos aborrecidos corredores de Bruxelas, está ainda tudo demasiado abananado para fazer política e só Merkel, com o seu proverbial pragmatismo, consegue reagir. Com outro telefonema impotente.
Os Ucranianos, que fizeram a sua revolução com os ideais do Ocidente e as bandeiras da União Europeia, são por agora abandonados ao poder e à ambição de um Czar.
Convém lembrar a gentil audiência que os actuais argumentos de Putin para invadir a Crimeia (e que se estendem à reivindicação de toda a região oriental ucraniana), são exactamente os mesmos que Hitler utilizou para iniciar a Segunda Guerra Mundial: na altura, a necessidade de proteger a maioria étnica alemã no sudoeste da Polónia. Agora, a necessidade de proteger a maioria étnica russa no leste da Ucrânia. Foi aliás por razões também muito próximas destas que rebentou a sangria dos Balcãs.
Hoje como ontem, a incapacidade das nações livres de defenderem os seus valores civilizacionais dá muito mau resultado. Até onde estamos dispostos a ir, no caminho da infâmia, até que ponto continuaremos a insistir nesta cobardia de dar aos bárbaros e aos tiranos a rédea solta de que precisam para a prossecução das suas vilanias?