domingo, março 30, 2014

Uma Arte (Manuel Anastácio Jam)















A arte de  perder não exige grande perícia;
tantas coisas se afiguram moldadas ao intento
de se perderem, que a sua perda não é notícia.

Dá aos extravios autoridade vitalícia
sobre chaves ou sobre a hora  entornada ao vento.
A arte de  perder não exige grande perícia.

Depois, pratica-a  arduamente e fá-la mais propícia
a lugares, nomes, ou  destinos sem provimento
para viagens. De nenhuma se fará notícia.

Perdi o relógio de minha mãe. E, sem sevícia,
três casas onde não terei já acolhimento.
A arte de  perder não exige grande perícia.

Perdi duas cidades e, com elas, a primícia
dos meus domínios, rios, o mais vasto monumento.
Sinto-lhes a falta, mas perdê-los não foi notícia.

- Até perder-te  (a tua voz, teus gestos de carícia
em que me perco). Mentir não teria cabimento:
A arte de perder não pede especial perícia
nem que pareça tão (diz!) uma tão triste notícia.


Versão do poema "One Art" de Elisabeth Bishop gentilmente criada e cedida pelo blog irmão Da Condição Humana