domingo, novembro 30, 2008

A gargalhada que veio do frio.

Feliz ou infelizmente ainda há notícias que me levantam gargalhadas. A paupérrima Revista do Expresso traz um artigo esta semana a dizer que afinal essa coisa do Aquecimento Global era treta porque nestes últimos dois ou três anos tem feito um briol do escafandro em Portugal, na América e na Austrália. O que temos agora é Arrefecimento Global, isso sim. É exactamente a mesma lógica de quarta classe, a mesma ciência de mercearia, a mesma verdade pobrezinha do telejornal ignorante de sempre, mas ao contrário! Houve uma manhã em que o chefe de redacção não trouxe o sobretudo e constipou-se. Por isso, as alterações climáticas decorrentes do efeito de estufa e dessas coisas todas cómicas que faziam aquecer a temperatura do planeta e que eram uma loucura infernal, resultam agora numa autêntica era glaciar que é de monta! Brilhante. Estou desconfiado que os mitos ambientalistas ainda me vão dar muitos e muitos motivos de riso.

sexta-feira, novembro 28, 2008

Quem é que havia de ser?


O flagrante amadorismo das forças policiais e militares em Bombaim é risível e assustador. Parece facílimo - e barato - passar 3 dias a matar pessoas desta maneira: recrutam-se uns imbecis miseráveis cujos cérebros foram previamente lavados nas mesquitas europeias, dá-se-lhes umas semanas de treino nuns buracos entre o Afeganistão e o Paquistão, faz-se um elementar reconhecimento do terreno e algum trabalho de pesquisa (até o GooglEarth serve) e desenha-se um plano de ataque que qualquer mercenário sabe de trás para a frente. Armam-se os imbecis até aos dentes e é soltar-lhes a trela numa cidade caótica. Passam a ser muito mais perigosos e bem organizados do que as diversas forças da segurança regimental do Estado Indiano. A incapacidade para responder a este ataque, como a todos os outros do passado recente é sintomática, só por si, da sua autoria. O timing e o conteúdo simbólico, o modus operandi e o critério geo-político apontam claramente para o monstro de milhares de cabeças que é hoje a Al-Quaeda. A Al-Quaeda é taliban, é paquistanesa, é xiita, é palestiniana, é sudanesa, é indiana, é saudita, é iraniana, é indonésia, é bósnia, é basca, é tchetchena; são imãs e aiatolahs, mujahidins e califas, mehdis e al-faruqs, fatahs e hezbollahs; são brigadas e comités, convenções e seitas, exércitos e advogados; são políticos e homens de negócios e mercenários e toda a espécie de bandidos e párias e revolucionários e teólogos e são os filhos deles todos que hão-de rebentar o futuro!
Não percebo o mistério sobre a identidade dos criminosos de Bombaim. Qualquer atentado terrorista de larga escala que possa ocorrer no planeta Terra tem origem directa ou indirecta, ideológica ou militar, operacional ou académica na Al-Quaeda. A pedagogia do terror - que vem dentro de cada atentado - já está a dar resultados. Não é preciso agir sob as ordens de Bin Laden para fazer a coisa. Basta pensar como ele.

quinta-feira, novembro 27, 2008

Elogio do Pelotão de Fuzilamento.


Não quero saber se são 20 gajos, trezentos mil ou quatrocentos milhões. Não quero saber se são julgados em Haia ou torturados em Guantanamo ou empalados nos respectivos buracos de origem. Não me interessa que idade têm, se são brancos ou pretos ou cor-de-rosa, se são pobres ou milionários, se levaram no cu do pai ou foram chupados pela mãe. Estes gajos têm que sair do mundo. Têm que ser despachados, todos. Rapidamente.
Estes filhos de um deus manhoso, estes filhos de uma rameira pandora, estes produtos de uma fé obscura e profundamente, eloquentemente estúpida, têm que ser terminados, esburacados na testa, todos. Rapidamente.
Estes soldadinhos de Alá que entraram hoje, por exemplo, num hospital para desatar a matar quem por ali estivesse, assim, em nome de deus e à toa; estes soldadinhos moldados a partir da merda que o próprio diabo defeca, têm que ser enviados para o inferno, todos. Rapidamente.
E não me venham com éticas de tempo de paz. Não estamos em paz. Enquanto um só e único destes animais Bin, enquanto um singular exemplar destas bestas Laden mantiver qualquer vestígio de um ritmo cardíaco, ninguém está a salvo e a guerra permanecerá na caixa do correio. Na estação de comboios. Na torre de escritórios. No quarto do hotel. No centro comercial do bairro. Na bomba de gasolina da esquina. No jardim onde o cão vai cagar. Convenhamos, há que acabar com estes piratas da baía do absurdo, há que acabar com eles todos e rapidamente.

quarta-feira, novembro 19, 2008

Desculpe, mas posso-Lhe roubar um instante só para responder a este inquérito?

Não é por nada, mas gostava de ter uma conversa com Deus. Gostava de Lhe perguntar se sempre existe o tal bosão de Higgs e gostava que Ele me dissesse se o Mourinho vai ganhar alguma coisa em Itália. Trago sempre comigo uma lista de ignorâncias para matar, caso O encontre no vão de escada ou no café da esquina: porque é que a Portugal Telecom tem o monopólio da televisão por cabo e porque é que eu tenho que pagar o IVA antes de receber o dinheiro da factura. Porque é que é tão difícil viver e porque é que Helena de Tróia caiu de amores por um adolescente cobardolas. O Pessoa sempre morreu virgem? E Beethoven, estava mesmo apaixonado pela irmã? E o Oráculo de Delfos, acertava alguma? E aquele enigmático fundador da civilização Maia, era um astronauta alienígena? Há grandes mistérios que me intrigam e que numa breve entrevista podiam ficar integralmente esclarecidos. Afinal, não se percebe a razão pura de Kant sem ter uma reunião com a Entidade Suprema, não é? Não se percebe nada de nada, para dizer a verdade. E mais a mais, para quem é eterno, o que são cinco minutos de palheta? Sempre ficava a saber quando é que o Benfica vai ganhar a Champions e se a Teoria das Cordas tem pernas para andar. Sempre ficava a conhecer as regras da criação e tudo o mais. Sempre podia dormir descansado, caso Ele me negasse a existência do inferno. Sempre acordava bem disposto, se o Gajo me respondesse a isto só: por que raio é que ando para aqui às voltas tontas, no cilindro de centrifugação da vida?

segunda-feira, novembro 17, 2008

Não consigo parar de rir.

O Instituto Superior Técnico deu-se ao magnífico trabalho de medir com método científico os consumos e as emissões dos veículos automóveis de propulsão híbrida e chegou à deliciosa e hilariante conclusão que são afinal os carros a diesel que consomem menos energia e emitem menos dióxido de carbono. Acresce que os motores híbridos são apenas muito ligeiramente mais eficazes que os motores a gasolina. Eu peço imensa desculpa, mas cada vez que penso neste estudo do IST, cada vez que penso na malta que, para descansar a consciência ambientalista de trazer por casa, andou para aí a comprar prius e bluemotions e outras caranguejolas assim, dá-me uma vontade de rir que não pára.

A notícia está aqui.

sexta-feira, novembro 14, 2008

As Benevolentes

O nazi que se abandona enternecido
ao fantasismo de Bach
depois de ter fechado duzentos judeus
no esterco ensanguentado da vala comum,
não me espanta.

O que me espanta, é isto espantar tanta gente.

Uma nação que se une à volta de um logótipo equívoco
e de um louco furioso,
uma nação zangada com o mundo e consciente do mal
que fabrica às carradas como quem fabrica volkswagens,
não me admira.

O que me admira, é acontecer só de vez em quando.

A humanidade é um produto topo de gama da indústria do diabo,
espécie de bactéria projectada para infestar um universo sem deus.
E porque a estética não é uma ética,
é tão natural para o hauptsturmfuhrer
encontrar a consolação nos Concertos de Brandenburgo

como Bach aceitar o cargo de kapellmeister do inferno.

O oficial cínico e laborioso de Jonathan Littell
que foi para a cama com a irmã e leva no cú da soldadesca,
que mata a mãe como quem termina um cigano
e que faz contas de engenheiro e que se dá a trabalhos de arquitecto,
para saber quantos ciganos é que se conseguem terminar por dia,

não me choca nada. É só mais um ponto no desenho do mundo.

quarta-feira, novembro 12, 2008

Olha, um gémeo do Álvaro de Campos...


Acabo de descobrir, pela mão de David Mourão Ferreira, este sujeito poeta chamado Valery Larbaud (1881-1957) que foi um dandy modernista da geração do Pessoa, mas em francês. E que também tinha um heterónimo, chamado Bartlebooth (cruzamento onomástico entre o Bartleby de Melville e o Barnabooth de Perec em "La Vie mode d'emploi"); e que também tinha pancada por Whitman (não lhe chamou mestre querido mas ainda hoje os franceses lêem o seu Walt pela tradução dele). Reparem bem, geografia à parte, se não podia ter sido o Álvaro de Campos, ele mesmo, a escrever isto que esse tal de Bartlebooth escreveu:

ODE

Empresta-me o teu grande ruído, o teu doce andamento,
O teu nocturno deslizar através da Europa iluminada,
Ó comboio de luxo! e a música tão angustiante
Que sussurra ao longo dos teus corredores de couro dourado,
Enquanto por detrás das portas lacadas, com loquetes de cobre maciço,
Dormem os milionários.
Cantarolando percorro os teus corredores
E sigo a tua corrida até Viena e Budapeste,
Misturando a minha voz às tuas cem mil vozes,
Ó Harmonika-Zug!

Senti pela primeira vez toda a doçura de viver,
Numa cabina do Norte-Expresso, entre Wirballen e Pskow,
Deslizava-se através das pradarias, onde pastores,
Ao pé de grupos de grandes árvores semelhantes a colinas,
Estavam vestidos de sujas e cruas peles de carneiro...
(Oito horas da manhã no Outono, e a belíssima cantora
De olhos violeta cantava na cabina ao lado.)
E vós, grandes espaços através dos quais vi passar a Sibéria e os montes do Sâmnio,
A áspera Castela sem flores, e o mar de Mármara sob uma chuva tépida!

Emprestai-me, ó Oriente-Expresso, Sud-Brenner-Bahn, emprestai-me
Os vossos miraculosos ruídos surdos e
As vossas vibrantes vozes de corda de viola;
Emprestai-me a respiração ligeira e fácil
Das altas e delgadas locomotivas, com movimentos
Tão desembaraçados, as locomotivas dos rápidos
Precedendo sem esforço quatro vagões amarelos com letras de ouro
Nas solidões montanhosas da Sérvia,
E, mais longe, através da Bulgária cheia de rosas...

Ah! é preciso que esses ruídos e esse momento
Entrem no meu poema e digam
Para mim a minha vida indizível, a minha vida
De criança que não quer saber nada, a não ser
Continuar eternamente à espera de coisas vagas.


Ele há coincidências do catano, não há? Qualquer dia pego outra vez no terceiro volume das "Vozes da Poesia Europeia" do David M. F. e ainda encontro um tipo qualquer que escreveu de outra maneira a Tabacaria. Não faltava mais nada.

De flores carnívoras e amores imaginários.

I
Recolhes-te no jardim perdido, Eva, demoras-te na varanda do paraíso à espera do pecado de que Deus fez prosa. Escondes-te nos bastidores do teatro proibido, Julieta, negas ao mundo a tua luz enquanto aguardas pela implosão do drama. E quando sais por fim desse eclipse de astro negro, Ofélia, já o teu poeta encantado jaz derrubado pelo dragão das asas em verso.

II
Começa por crescer em ti um pudor sobrenatural:
queres sair na próxima paragem, parar o mundo ou mudar de canal.
Depois, é a tua inteligência que desconfia:
Fazes da dúvida a dialéctica, adubas a flor da filosofia.
Com o tempo, acabas por ceder ao medo e ao fado:
entregas-te com devoção a um budismo do teu agrado.

III
Dou-te o meu corpo. Leva-o. É o troféu que mereces: leva-o. Leva este corpo exorcista para longe de mim e fiquem lá os dois. Entretidos. Sumam-se e consumam-se nesse inferno de utopias. Dediquem-se ao combate primordial pelo direito ao êxtase. Mas uma vez saciados, não corram de volta à loja. Não acredito na propriedade privada nem aceito devoluções. Prefiro-me sem o escalpe biológico: virgem outra vez. Outra vez inocente.

IV
Para além do umbigo, Cleópatra só desvendou a sua beleza grega perante imperadores romanos. Madalena, mesmo apedrejada, não desnudou o seio e Joana d’Arc nunca mostrou o cú ao inimigo. A Rainha Isabel andou a vida toda com um fecho éclair até ao pescoço (que não a favorecia nada) e Catarina a Grande vestia demasiadas saias para se poder despir convenientemente. Não é por acaso que até a lua, essa velha meretriz, tem um lado escondido. Exibicionistas são as flores. Por isso acalma-te e apaga a luz.

V
Há uma geometria oculta, há uma mecânica quântica, há um Princípio da Incerteza no teu útero de planta carnívora. Há um logaritmo de possibilidades na tua estranha gravidez de equações. Contestas o caos com uma conjectura de números.

VI
Nem a cólera de Aquiles,
nem a astúcia de Ulisses
macularam o teu crescente fértil.
És o jardim das delícias, a ilha dos amores;
és terra santa e colo sagrado.
Vais um dia subir a deusa. E grega.

VII
Espanta-me a tua metafísica de nenúfar. O teu ponto G é um lago Zen, feito perfeito antes mesmo da Criação. O sorriso de Buda abre-se sobre o teu pântano de lilazes e de lótus: deixas de acreditar no tempo e és enfim imortal sobre a decadência celular do cosmos.

Mais que um desenterro, uma exumação.

Dreamtime, dos Hearthrobs, em 1990! Grande buraco no tempo.

sábado, novembro 08, 2008

Elogio da NFL.


Estou completamente vidrado na NFL. A sério que acho o futebol de contacto dos americanos um desporto esteticamente deslumbrante, intenso, complexo, hiper-táctico, hiper-físico, vertiginoso. Uma vez que o quarter back recebe a bolinha, os restantes 21 malucos em campo ficam ligados a uma corrente de voltagem nuclear: atiram-se uns contras os outros em fúria épica, correm que nem doidos na perseguição, escapam-se por embustes de prestidigitador e arrancam a velocidades sónicas; há pés que dançam contra toda a lógica e corpos que se esticam desafiando a gravidade, que se lançam sobre os limites plausíveis da termodinâmca, que se maltratam selvaticamente à revelia do bom senso anatómico.


No meio desta tourada há artistas e operários, velocistas e facínoras, heróis e brutos, génios e carrascos, aristocratas e plebeus, como na vida. O que acontece ao contrário desta é que todos têm consciência do seu papel exacto no jogo e não se metem a fazer aquilo que não sabem. Não há cá petits a marcarem livres directos, nem nunos assiz a distribuirem jogo. Cada um faz o que sabe. As equipas de futebol americano são constituídas por planteis extensíssimos, porque cada partida exige a colocação em jogo de várias equipas especialistas, mas, em princípio, a maior parte dos jogadores não chega a tocar na bolinha. Se um gladiador, que está ali para gladiar, por acaso acaba por ficar com a bola nas mãos, o que faz é correr com ela sobre as jardas até que alguém tenha a decência de levar o sujeito ao nível da relva, altura em que o jogo pára, para que o elíptico objecto seja entregue a quem sabe melhor o que fazer com ele.


Quanto aos artistas, é-lhes reservado o prazer do ataque. O quarter back é o maestro do jogo e está ali para passar a bola ao running back atrás de si ou lançá-la para os wide receivers que no momento tentam desesperadamente ludibriar os seus marcadores directos, umas dezenas de jardas lá à frente. É claro que pode simplesmente ter os tomates para correr ele mesmo com a bolinha por ali fora, embora esta atitude de ninja lhe possa custar a integridade física e é por isso que é rara. A integridade física de um quarter back é algo de muito importante no jogo, porque enquanto o homem está a decidir o que fazer, a maior parte da equipa adversária tenta acabar com a sua posição vertical como se o mundo fosse acabar logo de seguida. É por isso que uma parte importante do jogo se passa no combate corpo a corpo à volta deste género de prima dona. Apesar da defesa estar ali para o proteger, o quarter back nunca tem mais que uns pequeninos segundos para tomar e executar uma decisão, pelo que deve ser um tipo bastante jeitoso de mãos e muito cool under pressure.


Eu gosto especialmente do running back, que é lindo de ver. Sempre que o quarter back tem a brilhante ideia de lhe colocar a bola nas mãozinhas, é vê-lo lançar-se com arrepiante valentia contra a confusão instalada. O objectivo, claro, é passar por entre ela, mas se houver molhada, so be it. Um running back comum faz tudo o que for preciso para ganhar meia jarda; um dos extraordinários pega na bola e faz as 100 jardas de seguida que é quanto mede o terreno de jogo. Corre, finta, dança, empurra, esmurraça, salta por cima, passa por baixo, distribui pontapés e estaladas, enfim, faz pela vida. Digamos que é muito difícil convencer um running back de que é bem pago. E eles são todos milionários.


O wide receiver é o gajo com asas nos pés. É o tipo que depois de correr que nem um louco pelo campo a dentro se vira de repente para trás, como que telecomandado, para receber, com precisão mecanicista e extraterrestre, a bendita bolinha e rumar, se puder, para o touchdown, momento de todas as catarses. Para ser wide receiver na NFL um humano tem que ser ágil como o homem aranha, esquivo como o homem morcego, determinado como o homem da regisconta e principalmente rápido como o homem olímpico: quem não faz os 100 metros abaixo dos dez segundos e cinquenta centésimos não joga na liga.



A NFL é um produto de entertenimento sem paralelo e a liga, muito ao jeito americano, controla tudo de uma forma hiper-profissional e orwelliana. Não há cá meninos a receberem fortunas em Manchester e a namorarem Madrid. Não há cá empresários livres para fazer rodar os jogadores com o olho esperto posto nas comissões sobre as transferências. Nem há cá nunos gomes a ganharem 24 mil contos por mês. Os jogadores são avaliados em função dos seus números (nº de jardas conquistadas, nº de passes completos, nº de derrubes efectuados, nº de touchdowns, nº de pontos marcados, etc. etc. - os americanos contam tudo) e é em função desses números que podem ganhar isto ou aquilo. É claro que mesmo os ordenados dos jogadores que apresentam menos resultados são elevadíssimos, mas há um princípio de mérito que é de razão prática e de que eu gosto.




E gosto, enfim, do aparato cenográfico, dos equipamentos, das transmissões televisivas, dos jornalistas que relatam e analisam e comentam, e dos spots e trailers e sites que vendem o jogo. Gosto desta indústria porque está bem montada, diverte e entusiasma; serve bem o desporto. Ouvir os comentadores da NFL e depois mudar de canal para o Guimarães - Paços de Ferreira que está a dar na Sport TV é como substituir a leitura de Cícero pela prosápia de Santana Lopes.

quarta-feira, novembro 05, 2008

Uma longa série de equívocos.

"All that is human must retrograde if it does not advance."
Edward Gibbon


I - Atrás de mim está a CNN com o matraquear da evidência. Barak Obama é o novo líder do mundo livre. É claro que McCain não perde as eleições por causa da guerra no Iraque (nenhum dos doze Césares perdeu a plebe - ou a vida - por causa do sangue nas fronteiras) mas por vingança do estado económico a que as coisas chegaram. A ironia é violenta. O estado económico a que as coisas chegaram não tem nada de republicano: qualquer pessoa que perceba alguma coisa do que é ser republicano na América sabe que a ideia de "democratizar" a propriedade das empresas, despojando-as de um dono em favor de um colégio de accionistas, é repugnante. Ora se chegámos a este estado económico das coisas foi precisamente porque um colégio de accionistas, que segue a proverbial voracidade selvagem de qualquer grupo de pessoas, objectiva disfuncionalmente o interesse individual, ou seja: exclusivamente o lucro. Não são os gestores que, em última análise, temos de levar ao tribunal da decadente ética ocidental. Estes cumpriram apenas com o que aqueles exigiam e ninguém consegue julgar tanta gente capitalista que é só culpada de ser gente e de querer o que todos queremos e o que todos queremos é mais dinheiro.

II - A actual crise financeira tem origem na falta de liquidez dos mercados ocidentais. Digo por outras palavras: a geografia do dinheiro sofreu e está a sofrer uma alteração nas coordenadas. A massa já não está em Nova Iorque, Londres ou Frankfurt. A massa está em Shangai, Nova Deli, Riade, Dubai, Luanda, S. Paulo, Caracas, Moscovo e outros desaconselháveis buracos da Terra. A responsabilidade desta desgraça cabe em grande parte à forma irresponsável como os estados ocidentais têm encarado a questão energética, deixando-se tomar como reféns por tribos civilizacionalmente antípodas, mas acima de tudo deriva desta ilusão de que todos os povos da planeta podem prosperar como os mais prósperos. Infelizmente, ou nem tanto assim, o dinheiro é como o cobertor da rábula popular. Se estica para um lado, destapa no outro. E a prosperidade como a temos, não chega para todos. E se chegar para os outros, vai faltar para cumprir com o plano de pagamentos do nosso crédito à habitação. É, na verdade, muito simples.

III - Pode ser um banana albino, um charme de menino ou um preto aristocrata, pode ser um gajo numa cadeira de rodas ou o tipo que primeiro carrega no botão nuclear: no que diz respeito ao grande chefe índio da nação americana, desde que seja democrata a Europa gosta dele. Este facto é espantoso porque todas - mas todas - as evidências históricas recomendam para o continente velho, um presidente republicano no novo. A sério que chega a ser de gargalhada. A esquerda europeia (ou seja, a esmagadora maioria dos europeus) deposita todas as balsâmicas esperanças do mundo no Partido Democrata Americano, que, na verdade, está para a Europa como uma brigada de bombeiros irresponsáveis e incapazes está para um incêndio: ou aparecem para atear o fogo ou chegam demasiado tarde para o apagar. Ora, deitemos um olhar sobre os 6 últimos presidentes democratas dos Estados Unidos da América, numa prosaica viagem de 8 décadas:

F. D. Roosevelt - Este carismático "all-of-famer" só concedeu meter-se ao barulho da Segunda Guerra Mundial depois dos Nazis terem tomado por força das armas a Polónia, a Holanda, a Bélgica, a Dinamarca, a Noruega, a França e por sujeição de cobardes, a Itália, a Grécia e toda a Europa oriental. E mesmo assim foi necessária a ignição de uma das mais bem sucedidas, espectaculares e competentes ofensivas da história militar. Não fosse a loucura inspirada da marinha nipónica e os americanos do democrata F. Delano R. chegariam ao outro lado do oceano apenas a tempo de negociar o resgate de alguns judeus famosos e assinar um pacto de paz Atlântica. Com Adolf Hitler.

H. S. Truman - Este sujeito é mesmo um ídolo da esquerda bem pensante e um guardião dos mais altos interesses sociais e pacifistas da Europa. Deuses! Nos seus dois mandatos, Truman teve tempo para inaugurar a era nuclear, o Plano Marshall (segundo os revisionismos históricos da esquerda contemporânea, foi por aqui que o lamentável liberalismo triunfou sobre a Europa), a caça às bruxas e uma guerra nova, na Coreia. Isto para além de ter entregue (em cumplicidade com o seu antecessor) a Europa de leste a Estaline. Um currículo invejável, mesmo se o compararmos a Bush filho.

J. F. Kennedy - Provavelmente o maior mito político da atribulada e sanguinolenta história do Século XX, este bonitinho veio a Berlim dizer que era um berlinense e assim foi acreditado para toda a história universal da infâmia. Descendente e herdeiro de uma linhagem mafiosa no sentido WASP da palavra, Kennedy ia levando o mundo todo com ele para o abismo terminal por duas vezes e pelas duas vezes por causa de Cuba, o que é uma absoluta imbecilidade (é como o Filipe que perde duas vezes em casa contra a Grécia no mesmo Campeonato da Europa). Mais a mais, para salvar a face da crise dos mísseis, comprometeu completamente o equilíbrio estratégico da guerra fria na Europa, retirando as capacidades nucleares na Turquia, como secreta e cobarde moeda de troca para o regresso dos sovietes à soviética ignomínia. Assim sendo, e reduzindo esta paixão guterrista por Berlim ao valor da oratória de casa de banho, gostava que me dissessem porque raio é que ele é tão amado deste lado do mar. É certo que combateu certos vícios sulistas e que traiu a máfia no sentido siciliano da palavra (mais por insolência do irmão), mas o que é que isso tem a ver connosco? Os sicilianos não chateiam para além da recolha do lixo em Nápoles e de dois ou três juízes italianos que agora descansam em paz. E imaginem só como funcionariam hoje, apesar do exemplo de Kennedy, as sociedades europeias se fossem multi-étnicas como a América dos anos 60 era multi-étnica. Ich bin ein berliner. Famous empty words.

L. B. Johnson - Sobre este rapaz, personagem infame da história da América, nem preciso de dizer nada. Gostava só de o ressuscitar para fazer dele companhia única de Francisco Louçã, num quarto minúsculo com vista para a eternidade. Ou melhor ainda, de Joana Pais do Amaral. Boa ideia?

- Um parêntesis cronológico e republicano Quem entretanto acaba por acabar com a vergonha do Vietname não é nenhum democrata, não é nenhum Kennedy, é um republicano de gema e chifrudo chamado Nixon. É só rir.

J. E. Carter - Se há personagem do Partido Democrata que mais defendeu como Presidente a democrata doutrina de que os EUA devem apenas interferir militarmente no palco internacional por motivos de segurança interna (como se isso fosse próprio de uma primeira potência mundial), esse personagem infeliz é Jimmy. O resultado foi a desgraça dos reféns em Teerão e o bem dito triunfo do sindicato dos actores de Hollywood, que acabou por resolver montes de coisas e mudar o curso da história e libertar metade da Europa, mas como o Ronald era um bom e velho republicano caiu logo em desgraça nas praias de Cannes.

W. J. Clinton - Sobre este simpático de Arkansas basta-me escrever uma palavrinha horrivelmente mágica: Balcãs. Quem critica a hoje falecida administração americana por causa da idiotice do Kosovo, devia revisitar a história dos anos 90. Sem que a ONU fosse tida ou achada, a administração democrata meteu os pés pelas mãos numa caminhada macaca sobre os cadáveres de centenas de milhar de pessoas, grande parte mortas pelos tapetes de bombas nada cirúrgicas da força aérea americana. Grande Bill, provedor da dignidade humana, presumível vencedor do prémio nobel da paz, espécie de terapia de mau divã através do qual os europeus pensam que aliviam os males de consciência pesada que julgam ter.

IV - As forças aliadas em presença no Iraque integram 21 nações. Mas pelos vistos, Barak Obama já convenceu a Albânia, a Arménia, a Austrália, o Azerbeijão, a Bosnia-Herzegovina, a Bulgária, a República Checa, a Dinamarca, o El Salvador, a Estónia, a Geórgia, o Cazaquistão, a Letónia, a Lituânia, a Macedónia, a Moldávia, a Mongólia, a Polónia, a Roménia, a Coreia do Sul e o Reino Unido a abandonar o Iraque nos próximos seis meses. Nada mau para um senador, diria Caio Suetónio. Aldrabice eleitoral, digo eu. A ver vamos.

V - Que o império está em decadência, já se tinha percebido. Que se prepara para cair, estamos agora a verificar. Para se provarem as leis de Gibbon, só falta agora uma malária grande em Nova Iorque. Mas o problema não é bem o império que cai a oeste. O problema é o que se levanta a Este. Na Europa a malta parece dar de barato que prefere Bollywood a Hollywood. E é isso que nos vai sair caríssimo.

Sou lúcido, como o Fernandinho.

"Merda, sou lúcido."

Não há nada de tão estúpido como um Dostoievski. A não ser um desgraçado que meta conversa comigo.
Não há situação absolutamente real que mais me aborreça e que mais me repugne que a senhora de idade que se vira para mim no meio da rua como se eu lhe fosse vagamente familiar, como se por momentos a esclerose lhe baixasse os instintos para me dirigir a palavra e comentar a criminalidade comum ou os Prolegómenos de Kant.
Esta gente que não é mendiga a valer, no sentido imediato, que não me dirige o discurso por normais tragédias de materialidade insolúvel, que não está a somar tostões para o cavalo, para a litrada ou para o mcdonalds; que não precisa do meu dinheiro, mas que precisa da minha atenção; esta gente que não está à procura de matar a fome ou o vício ou a loucura, mas que apenas se encontra na vida derradeiramente só, que sobrevive à superfície do planeta num desesperado estado de abandono moral e ético, que não tem um alheio ouvido zero que oiça as suas trivialidades sobre a segurança pública ou o idealismo alemão, esta gente equívoca e atrevida é que me deixa doente. Ponho-me a correr à frente deles como não me vêem a fugir de uma facada no 6 de Maio, onde volta não volta vou comprar 10 euros de ganza, com a naturalidade do turista de centro comercial. Tenho medo e raiva destas pessoas estranhas que decidem falar comigo a despropósito e é sempre a despropósito que um estranho pode tentar uma conversa comigo, que sou alérgico a estranhos, que não sou parvo nem romancista russo, aplicado (e romantismo, sim, mas devagar), que entrego, do bolso onde tenho menos dinheiro, uns desinteressados dinheiros ao pedinte, mas não dou troco nenhum à esmola do conversador.
Ora acontece que cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da baixa do mundo, este homem mal vestido da vida, pedinte de atenção por profissão, que se lhe vê na cara, que simpatiza comigo e eu não simpatizo nada com ele, que acha que tem a liberdade pestilenta de ser cúmplice com um tipo que não conhece de lado nenhum e que me confessa, num gorgolejar de corneta falida: "um calor destes em Novembro!"
"Um calor destes em Novembro!" é tudo o que é preciso para que eu entre em pânico. O que é que eu tenho a ver com a a temperatura e o mês deste gajo? Não quero realmente saber se ele tem frio ou calor ou se vai para uma manifestação em Bruxelas. Não, fodasse, tudo menos querer saber deste telejornal, tudo menos ter razão, tudo menos importar-me com a interpretação climática deste gajo x, tudo menos importar-me com a humanidade, tudo menos ceder ao humanitarismo!
Não gosto de quem não conheço. Cada vez gosto menos de quem não conheço. Quem não conheço é o inimigo dentro de mim e não acredito que seja possível ganhar uma guerra à conversa.
E não me queiram converter a convicção: sou lúcido. Já disse: sou lúcido. Irra.

Reentrada.



Olá a todos. Regresso com um exemplo feliz da minha infeliz profissão, o que é de duvidável agoiro, mas enfim, segui o danado do chicharro de poetas e políticos até ao fundo da vontade e deu nisto:

Trabalho em publicidade há cerca de 19 anos, ou seja, sou um gajo que já gravou spots de rádio de 20" durante 8 horas de corta aqui na bobine e mistura ali no PA e repete o take acolá e mais 14 takes ainda assim manhosos e um fartote de tecnologia do paleolítico inferior. Sou do tempo (gosto imenso desta expressão) em que o único sistema informático montado numa agência de publicidade servia invariavelmente o departamento financeiro. Sou do tempo (maravilha de meia frase) das repromasters e das fontes de letra em calquitos Mecanorma, e das maquetes feitas à pata literalmente à pata e lambidas pela língua literalmente lambidas e de ninguém conseguir respirar nos ateliers por causa do aerógrafo e dos ilustradores passarem metade do tempo das suas vidas a recortarem máscaras para a aerografia e dos copywriters confiarem com relutância ignorante os manuscritos a muito competentes dactilógrafas (palavra linda em vias de extinção), ou pior ainda dactilografarem os textos eles mesmos (eu mesmo!) com mil pragas de correctores disfuncionais e duas mil e trinta gralhas e ausências várias de senso comum na prosa comercial. Sou do tempo (estas palavras sorriem) em que uma arte final era um objecto físico, concreto, perfeito. Sou muito antigo nesta profissão adolescente, mas numa coisa sempre fui coerente e esta coisa sempre me fez uma confusão dos diabos: porque raio é que obrigavam a malta a criar jingles dissonantes e bandas sonoras chorosas e sonoplastias da maria cachucha, quando podíamos simplesmente meter no comercial uma malha rock qualquer, que estivesse a dar na altura? Em vez de pagar a músicos que têm que compor jingles para ganhar a vida, porque é que não vamos ao mercado daqueles que não pensaram na música para vender plástico mas para agradar às multidões? Não é para agradar às multidões (leia-se: mercados-alvo) que estamos aqui? Não é para disfarçar o plástico com emoções e estéticas? A publicidade não faz parte da cultura pop, caramba? E não se deve emaranhar nela, por deus? Este é um argumento que parece básico básico básico hoje, mas que era muito complicado complicado complicado de defender no Portugal Marketing de 1990, garanto-vos.
Bom, agora que a história me provou o protesto errante (cago na modéstia porque não é a vaidade que me conduz o post), agora que um gajo escolhe um musiquinha porreira do portfolio do top of the pops e depois é que escreve o comercial, agora que saltam para dentro dos ouvidos bandas magníficas e menos magníficas que foram lançadas por agências de publicidade, agora que as agências de publicidade fazem coisas magníficas e menos magníficas com bandas de primetime, agora que a cultura pop é uma cultura publicista e vice versa, agorinha mesmo que até temos o marketing viral e o mp quarenta mil e três e a falência dos direitos de autor e isso tudo e agora em que tudo isso se confunde e consome num eléctrodo de transcendência epistemológica; agora como nunca eu posso dizer: ainda bem que as coisas já não são como no meu tempo (adoro o som destas três últimas palavras).
Um bom exemplo de como um comercial pode viver completamente à custa de uma música que absolutamente não foi composta para servir qualquer intenção comercial é este que se segue.



Não discuto, claro, a impecável qualidade plástica e simbólica do registo cinematográfico (um clássico da produção americana), mas é a Vashti Bunyan que fica com a grossa fatia do mérito, não é? Pois vos digo que "Train Song", esta mesma melodia com que a Rebook nos introduz a presente época do Futebol Americano, foi escrita e gravada em 1966, por esta mesma menina hippie que se estava de todo nas tintas para quem afinal irá estar no Superbowl de 2009, ritual supremo e divino do império que hoje, dia 4 de Novembro, apresenta formalmente a sua queda. E vale mesmo a pena ouvir a música até ao fim do encanto.