terça-feira, janeiro 30, 2007

Um Cole Porter original.



"I Get a Kick Out of You" de Cole Porter, por Jamie Cullum. A interpretação respeita a versão original, de 1934, que a dado passo, fazia referência à cocaína:

"Some get a kick from cocaine
I'm sure that if
I took even one sniff
That would bore me terrifically, too
Yet, I get a kick out of you"

Chegados porém à puritana década de 50, o bom do Sinatra, que entretanto popularizara a cantiga, teve que passar a cantá-la assim:

"Some like the bop-type refrain
I'm sure that if
I heard even one riff
It would bore me terrifically, too
Yet, I get a kick out of you"

Numa gravação ao vivo em Paris, de 1962, Sinatra volta a cantar a versão original, embora com alteração do primeiro verso (ah, o pudor!) que passou a ser este lindíssimo:

"Some like the perfume from Spain
I'm sure that if
I took even one sniff
That would bore me terrifically, too
Yet, I get a kick out of you"

Nesta versão epiléptica de Cullum, o magnífico talento lírico do Sr. Cole Porter é poupado à censura paroquial.

quinta-feira, janeiro 25, 2007


Rasgadinho e egoísta, como deve ser o Rock.



Oh no, my feelings are more important than yours.
Oh, drop dead, I don't care, I won't worry.
Let it go.


The Strokes - Razzorblade

Crítica da Razão Tuga.

Disfunção ao metro.
Depois de custar mais 300% do que estava previsto, e antes que um centímetro sequer de via estivesse pronto, o metro da Margem Sul faliu. Se calhar é melhor desistir da ideia, enquanto ainda vamos a tempo de poupar os cofres públicos a demais calamidades.
Entrementes, o Metro de Lisboa custou aos portugueses, em 2006, 2.2% do PIB. Sim, 2,2% da riqueza criada num ano em Portugal é gasta a sustentar esta gente grevista e priveligiada que se acha no direito de ter 36 dias de férias, horário de part time pago por inteiro e um incompreensível décimo quinto salário. E já agora: os senhores responsáveis pela obra, importam-se de dizer aos portugueses se são ou não capazes de construir o túnel do Terreiro do Paço?
No Metro do Porto a coisa ainda pia mais falsetes: a administração siciliana do inevitável Valentim gastou que se fartou, nem sempre da melhor maneira e quase sempre ao sabor dos mais mesquinhos interesses que se possam imaginar.
Porque é que esta gente toda acha que eu devo contribuir para isto?

Tribute-se o ar! Digna de um inspector fiscal de César Bórgia, esta taxa sobre a dádiva superior a 500 euros, que o Ministro das Finanças inventou para sacar mais qualquer coisa aos portugueses, fica equitativamente entre o ridículo e o histérico, na escala da falta de vergonha na cara. Para mais, ainda veio o draconiano senhor ministro dizer aos portugueses que a lei não é bem para todos, é só para aqueles que mais dinheiro dão. Para além da displicência com que irresponsabiliza os cidadãos perante a lei que o seu ministério criou, Teixeira dos Santos acha que os mais generosos de entre nós, devem ser castigados em 10%. A absoluta amoralidade com que o Ministério das Finanças encara o contribuinte é, no Portugal de hoje, um puro fascismo.

Achas que o papá tem uma amante? Quantas cabeças alienadas foram necessárias para criar este eugénico inquérito, hilariante objecto de culto de todo o aparelho estatístico da grande academia das Ciências Sociais? Quantas mãos passaram entre si este documento marciano, quantos animais foram necessários para pensar no projecto, para desenhar objectivos e redigir as perguntas e levá-las às escolas? Num dado sistema burocrático, quantos sapiens é que são necessários para que o processo desça à mais absoluta estupidez? E no meio desta gente toda que criou este púrpuro elefante da administração pública, não houve uma luminária que, num ataque de impulsiva sinceridade dissesse assim: senhores, façamos uso da pornografia com a devida parcimónia.

Salvadores da pátria. Naquela espécie de magazine que procura eleger os mais competentes dos portugueses, os portugueses mostraram-se de uma incompetência imunda. Para além de outros lamentáveis disparates, parece que Salazar e Cunhal ficaram no grupo dos 10 mais ilustres. Portugal é uma das mais provectas nações do mundo. Em nove séculos de história, não haverá ninguém que possa substituir, por uma questão de bom gosto e higiene moral, estes dois infelizes? É claro que há. O que não há é juízo.

O reino por um nome. Cada dia que passa, estou mais triste com o Benfica. Não consigo compreender como é que ninguém de valor e nome pega no clube, que por acaso até tem um mercado global de vários milhões de almas. Assim, entregue aos bichos vieiras, aos bandidos veigas e aos santos incapazes, assim oferecido aos piratas damásios, aos azevedos corsários; o clube assim nas mãos de tonis e de ramos, o clube dos pintos e dos costas e dos mantorras e dos gomes e dos betos e dos gonzalez e da puta que os pariu, apodrece e falece. O clube assim, sem resultados desportivos nem capacidades de tesouraria, sem glórias nem virtudes, o clube assim inviável, envergonhado, humilde, não vale de nada.

Sobretudo fúria, o resto é percussão.



Queens of the Stone Age - No One Knows

terça-feira, janeiro 23, 2007


S E G U N D O C A P Í T U L O
UTÓPICOS E DISTÓPICOS:
DO SONHO DE UM MUNDO PERFEITO
AO PESADELO DA REALIDADE.


“Laws could be passed to keep the leader of a government from getting too much power”
THOMAS MORE


Ao iniciar este segundo capítulo devo advertir o simulacro de audiência que trato agora da mais estranha espécie de adivinho que existe na grande feira da história universal: o adivinho credível. O animal político que está a falar a sério ou o académico de cachimbo que sabe aquilo que diz. O cientista social fundador de cartas constitucionais e o filósofo engenheiro de novos paradigmas. Os seguintes personagens são muitíssimo respeitáveis, sem serem ícones religiosos ou campeões olímpicos de pallacorda, logaritmo de muito rara verificação na fauna dos imortais.

O conceito de utopia imanente neste capítulo tem muito que se lhe diga. E, provavelmente, correrei o risco de me arrastar na prosa. Assim sendo, para não dar muita seca ao gentil leitor e para não ficar muito tempo sem editar a rúbrica, o segundo capítulo será exibido aos poucochinhos.

Uma coisa é certa: não se deixem entusiasmar pelos primeiros optimistas. À medida que a cronologia avança, adensa-se o cepticismo. Parece que a malta só aguentou com os baldes de água fria da realidade até um certo ponto histórico. De tal forma vai caindo a fé na humanidade que os últimos protagonistas deste capítulo já não são utopistas. São distopistas. Estes, tratam não de construir a sociedade perfeita, mas de desconstruir o projecto de uma; parecendo estranhamente empenhados em demonstrar que ao homem não será sequer permitido sonhar.

Tenho ainda para dizer introdutoriamente que a palavra utopia deriva do grego clássico que mal se traduz por “não lugar”. Avanço assim uma definição fanaticamente filológica: utopia é uma ideia de um lugar que não existe. Parece-me bem. Adiante.


1 - ORIGENS DO CONCEITO UTÓPICO:
PLATÃO E THOMAS MORE.


Platão e a República Snob.

Sempre que Platão põe Sócrates a tagarelar sobre a forma ideal de governar o povão de Atenas, vem ao de cima do grego uma certa sobranceria intelectual, que se compreende: gajo assim para o inteligente, Platão não confiava na populaça um ontológico centímetro que fosse da sua querida República. E explicava o politicamente incorrecto recorrendo ao seu esquema de filósofo oracular. A sociedade ideal deveria ser governada pelos filósofos, ou pelo filósofo-rei, porque somente o homem sábio tem a inteira ideia do bem, do belo e da justiça. Mais a mais, o sábio já o era antes desta vida e assim o será depois de ser condenado ao tijolo e à minhoca, pelo que não há nada que enganar. Ao contrário do que muito boa gente anda por aí a pensar, para Platão o regime ideal não era a democracia, mero estágio necessário à evolução histórica. Percursor de todos os iluministas que em má hora o século XVIII pariu por desgraça, Platão acreditava na figura do sábio tirano, no contexto de uma “ditadura moral do conhecimento”, so to speak. Fazendo uso da sua proverbial oratória de agent provocateur, Sócrates, na República, chega ao ponto de assumir o inconfessável: entre uma democracia má e uma tirania bera, é preferível uma tirania bera, muito simplesmente porque neste último caso só erra um homem e só a ele se pedem responsabilidades. Corta-se-lhe o pescoço e está o caso arrumado. Na democracia má, a cantiga já não cabe na escala. Há muitos incompetentes para levar ao carrasco (todos os cidadãos, basicamente), que não vai aguentar psicologicamente a ceifa de mais que dois ou três pescoços por jorna. Sejamos sensatos.
Minudências à parte: para Platão a política é uma estética e a administração pública é uma ética. Como o género humano que melhor sabe enquadrar o belo e o bom é o do filósofo, a república ideal seria liderada por esta ilustre classe operária de intelectuais de pijama. Penso, logo governo.
É claro que, para nós outros, que vemos o mundo do lado 2006 D.C., esta coisa não tem pés nem cabeça, mas na altura era um conceito pop à brava. E olhem que durou que se fartou, como ilustram as rábulas seguintes.

Thomas More e a reforma agrária.

Escrever sobre o pai natal do mundo socialmente perfeito é tarefa que provavelmente deveria ter o juízo de evitar, dada a grandiosidade do assunto, mas enfim:
Thomas More (1438-1535) viveu uma vida épica. Homem de carácter e imaculada reputação, jurista dos sete costados, operático soldado da dignidade humana e iconográfico inimigo do despotismo esclarecido, foi um cavaleiro com causas, com génio e com um grupelho de excelentes amigos, como, por notável exemplo, Erasmo de Roterdão.
Lamentavelmente apanhado no mesquinho conflito entre Henrique VIII e a igreja romana, conseguiu chegar a Lord Chanceler sem se converter ao anglicanismo (religião que Henrique inventou para se poder divorciar quantas vezes lhe desse na gana). Independentemente de muito receber o Rei na sua casa mítica dos arrabaldes de Londres, para grandes repastos bucólicos e supremas conferências sobre o último destino da humanidade e a soberania civilizacional do povo inglês, afora More considerar o seu monarca como um verdadeiro messias da administrção pública, a coisa tinha que acabar em dramalhão grande e foi assim mesmo em grande dramalhão que acabou. Em Março de 1534, é editado o Act of Succession pelo qual todos os súbditos de Sua Majestade deveriam jurar reconhecer a descendência de Henrique e Ana como herdeiros legítimos do trono, sem que nenhum estrangeiro (leia-se, alienígena do vaticano) pudesse alvitrar fosse o que fosse. A 14 de Abril, More é convocado a Lambeth para jurar sobre o edital e, ao recusar tal promessa, levado à custódia do abade de Westminster. Quatro dias depois é preso na Torre e em Novembro culpado de traição. Na Primavera de 1535, Lord Cromwell (vilão de série b e ancestral inimigo de corte) oferece-lhe, surpreendentemente, a chance de sobrevivência: caso se manifeste favorável aos novos estatutos que conferem a Henrique o título de Supremo Chefe da Igreja, More safa-se da forca. Mas o obstinado e valente personagem afirma-se apenas fiel súbdito do rei, rejeitando qualquer devoção ao bispado inventado. A 1 de Julho é julgado por traição em Westminster Hall por uma comissão especial de 20 membros. É condenado à forca de Tyburn, embora Henrique, depois de um ataque de misericórdia, decrete uma bem mais agradável decapitação na Torre, executada na manhã de 6 de Julho para grande vergonha da justiça inglesa que ainda hoje chora a canalhice infame.


Mapa de Utopia por Ambrósio Holbein - 1516


Fã incondicional de Platão, Thomas More inspira-se na República para inventar a obra que é a mãe de todas as batalhas do futurismo: a Utopia. O protagonista, Rafael Hitlodeo, resulta de um cruzamento genético entre Ulisses e Sócrates e fala-nos de uma ilha que encontrou no decurso das suas viagens, onde as gentes vivem felizes numa sociedade perfeitinha da silva, embora a escravatura seja aceite com naturalidade (graças ao velho truque da retórica grega: os escravos não são cidadãos), estranho conceito que Jefferson veio a recuperar para justificar o seu idealismo-com-escravos-em-casa.
A Ilha da Utopia é uma espécie de negativo da Ilha dos ingleses e para perceber a obra é preciso perceber a Inglaterra do tempo. Ora a Inglaterra do tempo estava entretida a inventar o capitalismo e Thomas More é capaz de ser o primeiro marxista antes de Marx, o primeiro comunista antes de Proudhon, na história da ideias.
A concepção da ilha de Utopia centra-se na limitação dos interesses individuais, na consequente sublimação das necessidades colectivas e na abolição da propriedade privada.
Esta sociedade não se dá às bactérias da burguesia e, por isso, tudo é justo. Através das sábias palavras de Rafael Hitlodeo, More inventa o conceito de Reforma Agrária para que a terra (o grande valor capitalista de então) não pertença nem a nobres, nem a padres, nem a mercadores, nem a burocratas - todos parasitas da felicidade comum - e o trabalho, assim como a riqueza, seja distribuído igualmente por toda a gente. E isto não só para prevenir a prosperidade dos ricos, mas na mesma medida para que não subsistam os preguiçosos!
As monarquias e oligarquias tendem a ser debilitadas pela natureza egoísta dos homens, acabando por se transformar em burocracias sem virtude, que servem apenas os interesses de alguns indivíduos para prejuízo de todos os outros. Por isso é que, na ilha, se contrapõe a república democrática assente na antítese dos ensinamentos de Maquievel: o bom governo tem origem no povo e o poder administrativo e executivo é atribuído democraticamente aos mais velhos, já que estes são, por consequência da provecta experiência de invernos, mais sábios (outro tique platónico).
Em Utopia, as decisões políticas têm por base as células familiares. Cada família é dirigida pelo homem mais velho e um certo número de famílias elege um magistrado regional que as governará. Cada dez destes magistrados obedece a um género de ministro, também eleito, e estes ainda elegem um príncipe. Os magistrados, os ministros e o príncipe reúnem-se no Senado, onde determinam a política da nação, sendo porém invariavelmente sujeitos ao rígido escrutínio da opinião pública. Kadhafi tentou implementar, na Líbia, um modelo desvairado assim parecido com este durante os seus primeiros anos de poder, mas a experiência não correu lá muito bem e a república passou rapidamente a monarquia.
No meio disto tudo (e causa de tudo isto?) as mulheres, claro está, não têm direitos políticos, mas trabalham como os outros e é-lhes dada a faculdade suprema de ter opinião na polémica escolha dos seus maridos, o que não é de fraca consolação.
Thomas More foi, de certa forma, um percursor do behavorismo: em Utopia toda a gente é condicionada e educada dentro dos mesmos parâmetros cluturais e simbólicos, valendo para eficácia da escolástica a censura, a repetição, o bombardeamento subliminar e demais reputadas técnicas de berbequim, cuja origem injustamente atribuímos a alguns malucos mais tardios como Goebbels, Estaline ou Mao Tsé-tung. Mas porque o axioma igualitário é insustentável perante a ignorância de muitos e a erudição de uns poucos, em Utopia, a educação é gratuita, obrigatória e servida da mesma maneira a toda a gente: bem temperada pelo sal ideológico.

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O alfabeto Utopiano - com elementos latinos e gregos - segundo Peter Giles.

No que diz respeito à defesa, em Utopia a guerra é encarada sempre como último recurso, embora todo o cidadão receba treino militar. Thomas More tem aqui um acesso simultâneo de inocência e pragmatismo: como o trabalho colectivo resultaria numa produção muito acima da necessária para a manutenção da sociedade (erro crasso, que viria a ser demonstrado quatro séculos depois), parte dessa riqueza seria reservada para contratar exércitos mercenários que protegessem a ilha fora das suas fronteiras, bem como para subornar os exércitos adversários. Mais a mais, este recurso não pode ser utilizado contra o utopiano comum, já que este não encontra no dinheiro qualquer valor.
A ilha de Utopia é, além de tudo, epicurista. Como na dialéctica entre a liberdade e a igualdade, More opta pelas virtudes da igualdade, a compensação individual surge através de um conceito de prazer e felicidade que é inerente à vivência social e que lhe dá o seu último sentido. Todo o cidadão de Utopia tem carta branca para procurar o prazer, desde que as suas delícias não resultem no prejuízo de alguém. Muito convenientemente, a ética e a religião também são ligadas ao prazer e à felicidade, embora o deus dos utopianos permanecesse - na sua essência - judaico-cristão. Esta inédita combinação entre as convicções pagãs e os evangelhos segundo Constantino implica a execução de alguns exercícios radicais de ginástica moral que More não enuncia, mas que por certo a sua imaginação prodigiosa conseguiria resolver. Afinal, a criatividade sempre foi a melhor amiga do adivinho profissional.

(cont.)

quinta-feira, janeiro 18, 2007

O Condensado de Bose-Einstein ou os deuses devem estar loucos.

(4)
Por mil voltas que dê na net, ainda não consegui dominar como deve ser esta coisa absolutamente inclassificável dos Condensados de Bose-Einstein (muito provavelmente porque não percebo um boi de física), mas tenho que escrever sobre isto antes que rebente de ansiedade, porque o assunto é lindo. Seja como for, rogo aos ilustres matemáticos e físicos que de vez em quando têm a paciência de ler os deveras imprecisos posts deste blog, que façam o favor de me corrigir. Obrigado.


Estudos de Einstein sobre a mecânica estatística dos fotões e o abrandamento dos átomos por arrefecimento. Manuscritos encontrados em 2005 numa biblioteca da Universidade de Leiden.


Na segunda vintena do século XX, Einstein interessou-se imenso pelo trabalho do senhor Satyendra Nath Bose, que se dedicava a estudar a mecânica estatística dos fotões e o abrandamento dos átomos por meio de arrefecimento. Com base nestes cálculos, Einstein especulou que, se conseguíssemos arrefecer os átomos bosónicos até temperaturas muito baixas estes entrariam em colapso, ao ponto de atingirem o mais baixo estado quântico possível, do que resultaria uma nova forma de matéria.


A conversa, convenhamos, era de tom alquímico o bastante para ficar por ali sossegada, no pântano especulativo que divide a física da metafísica (mais ou menos como a questão da fissão a frio, mas ao contrário).
Ora, acontece que, setenta anos mais tarde, Eric Cornell, Carl Wieman e Wolfgang Ketterle (tudo gente Nobel) conseguiram levar a teoria doida do mago Albert à prática. Utilizando uma técnica maluca de arrefecimento a laser (!), estes senhores lá arranjaram maneira de baixar a temperatura de um sistema quântico a níveis completamente insanos. Gelada a este ponto, é claro que a matéria entrou em delirius tremens para se transformar em algo de muito estranho. E assim, podemos dizer que, na última década do século XX, a ciência humana descobriu um novo género de Coisa. Porque é verdade.


O Condensado de Bose-Einstein é uma fase da matéria formada por bosões (partículas de spin inteiro) sujeitos a uma temperatura muito próxima do zero absoluto (para além dos -460º). Nestas condições, registam-se algumas excentricidades como a fluidez espontânea* e a tendência que uma grande fracção de átomos exibe para atingir o mais baixo estado quântico, fenómeno quase religioso que nos permite observar os efeitos quânticos à escala macroscópica (!).
Mas há mais magia negra nisto: como os bosões têm um spin inteiro, não estão sujeitos ao Princípio da Exclusão de Pauli**, e assim sendo dá-se o seguinte milagre: as partículas trocam de identidade, fundem-se umas nas outras, ocupam as mesmas posições em simultâneo ou estão em vários lugares ao mesmo tempo. Nesta dimensão bizarra das coisas, o dom da ubiquidade é de rotina, a invisibilidade uma brincadeira de crianças e o conceito de individualidade não faz qualquer sentido: as partículas deixam simplesmente de ser singulares e formam de facto um todo de possibilidades interactuantes. É uma verdadeira loucura.


As cores artificiais representam o número de átomos em cada velocidade, indicando o vermelho menos átomos e o branco mais átomos. As áreas a branco e azul claro são velocidades menores. Esquerda: Logo antes do aparecimento do condensado de Bose-Einstein. Centro: No instante do aparecimento do condensado. Direita: após a rápida evaporação, deixando amostras puras do condensado. O pico não é infinitamente estreito devido ao Princípio da Incerteza de Heisenberg***


Ora, não deixa de ser estranho que Einstein, um feroz inimigo de todas as ideias que pudessem levar a ciência pelo perigoso caminho da incerteza, tenha mais uma vez acertado na mouche contra sua vontade. Creio que intuía talvez a possibilidade (muito do seu agrado) de trazer o campo quântico para o laboratório da macrofísica, mas tenho dúvidas. Porque se é verdade que os seus cálculos percebiam bem que algo de substancialmente novo podia surgir do bosão, o sábio estava provavelmente a milhas de antecipar a confusão em que se estava a meter. Caso contrário teria rapidamente lançado os preciosos manuscritos para a fogueira do seu descontentamento: que aborrecimento, que chatice, que nada, isto de não saber tudo.


* Se um sistema está a uma temperatura tão baixa que esteja no seu estado energético mínimo, não é possível reduzir a sua energia, nem sequer por atrito.

** Princípio da Mecânica quântica formulado em 1925 que estipula que duas partículas de spin semi-inteiro (tais como o electrão, o protão e o neutrão) não podem ocupar o mesmo estado quântico simultaneamente.

*** Quando um átomo é retido numa região específica do espaço a sua distribuição de velocidade possui necessariamente uma certa largura mínima.

Fontes:
Wikipedia
Instituto Lorentz da Universidade de Leiden
Universidade Estadual Paulista
BEC Homepage
""What the bleep do we know?""

domingo, janeiro 14, 2007


A miserável história do ser humano está insuportavelmente preenchida por magos do futuro. Entre astrólogos e bruxas, oráculos e videntes, profetas de longa vida e belas barbas, junkies e filósofos, romancistas russos e ensaístas americanos, políticos e cineastas e cientistas e jornalistas, temos um muito respeitável portfólio de génios que se deram ao trabalho de espreitar para o dia de amanhã - ou para o século depois - com uma seriedade que oscila entre a vocação apocalítica (o fim do mundo como objecto de desejo) e a fé num mundo melhor (conceito que, se colocado em prática, desvaria estranhamente num mundo pior).
Bem vindos, portanto, ao universo extremo do adivinho.


PRIMEIRO CAPÍTULO
OS PROFETAS: QUE DEUS NOS PROTEJA DELES.


"As coisas que prometi no passado já se cumpriram, e agora vou lhes anunciar coisas novas, para que vocês as saibam antes mesmo que elas aconteçam." - Isaías 42:9

De certa maneira, os profetas constituem uma estirpe de poetas bastante competentes, apesar da excentricidade dominante. Têm visões no deserto (sem lsd) e tiram delas as mais fantásticas - para não dizer fantasistas - conclusões que se podem imaginar. Sobem ao cimo da montanha e vêm muito para além da curvatura da Terra. São carismáticos, relativamente bem sucedidos e gostam de reinar sobre as audiências. Aqui e ali, nota-se até algum exibicionismo. Assustam com sustos-arrepios na espinha, espantam mais que espantalhos na seara alheia; juízes e carrascos do futuro, condenam à barda e executam bastante. Rogam pragas de juízo final a toda a gente. São grandiloquentes em palavras e por acções e sabem que vão ficar para a história (regra geral, têm contrato assinado com os deuses). São todos personagens de dimensão mitológica.

Dentro desta classe de gente notável destaco, com o suspeito sentido cronológico que podemos atribuir a criaturas olímpicas, uns quantos mais divertidos. Devo advertir que deixo de lado sistematizações futurologistas como os oráculos gregos, ou representações de feira como os astrólogos famosos. Não nos levam a lado nenhum de interessante e são essencialmente imediatos: acabam por incomodar pouco o percurso danado da História.
Evito outrossim personagens operáticos de grande calibre como Buda (e os budas), Krishna e Maomé porque, sendo considerados profetas, eram mais doutrinários que proféticos. Buda não tentou adivinhar o futuro porque não acredita no factor tempo, Krishna foi pastor, guerreiro e professor mas não arriscava uma aposta e Maomé era um líder político e militar com mais que fazer do que perscrutar as estrelas.
Outras fantásticas cabeças serão concerteza omissas por minha ignorância e descontracção natural. Que por isso me perdoem os eruditos, os enciclopedistas, os bibliotecários e todos os sábios irmãos de Jorge Luís Borges.

No princípio era Abraão.
Herói do Antigo Testamento (primeiro capítulo - Genesis) e pai das três religiões do Mediterrâneo que sobreviveram à antiguidade, Abraão (1800 - 2000 A.C.?) era filho de Terah, descendendo de Adão em 20 gerações e de Noé em 10. No seguimento de uma conversa com Deus (ou de uma sucessão de más colheitas) decide carregar a sua tribo pelo deserto na senda de Canãa, a terra da abundância, onde profetiza o nascimento de uma grande nação. Para convencer os cépticos e os preguiçosos garante-lhes o carácter eleito da tribo, e a consequente responsabilidade de se arrastarem pelo deserto à procura do leite e do mel e da posteridade (leia-se: redenção).
Esta história é estranhamente parecida com a de outro artista da família e também herói deste romance (segundo capítulo - Êxodo): Moisés, um pouco mais tarde, iria conduzir os judeus do Egipto para a terra prometida, à conta da mesma profecia, odisseia de 40 anos (1250-1210 A.C.) e diversas peripécias literalmente bíblicas (às tantas aborreceu-se e, para atalhar caminho, abriu via por entre as águas do Mar Vermelho).
A verdade é que ambos morreram de velhos (com 175 e 120 anos de idade, respectivamente), pelo que isto de passar décadas a palmilhar as dunas do médio oriente deve ter qualquer segredo de Matusalém que escapa à medicina moderna.

Zaratustra e o mundo perfeito.
Zaratustra, o Persa (VII A.C.), nasceu de uma virgem (a ideia foi depois plagiada), facto que ele próprio deve ter achado bem divertido, já que, acabadinho de sair do útero de sua mãe, abandonou-se a uma convulsivo ataque de riso. Eremita empedernido e voz alarvemente ignorada pelos ouvidos do seu tempo, foi muito provavelmente a figura que inspirou o remate ideomático do latim: “vox clamantis in desertum”. A sua profecia ensinava sobre o futuro que o mundo não duraria para mais de doze mil anos que é o preço temporal a pagar pela perfeição. A presença periódica e policial de outros Zaratustras e de um tal de Saoshyant (uma espécie de Jesus com turbante) iria preparando entretanto os bons e condenando entrementes os maus da respeciva fita. No fim, Luke Skywalker trinfa sobre Darth Vader e as almas sobem à redenção de uma outra dimensão física, já que nada de perfeito pode subsistir num mundo decadente. Uns bastantes séculos mais tarde, Nietzsche recuperou o mito de Zaratustra para a sua missão contra-cristã e divertimento intelectual da modernidade (lá iremos).

Dois Isaías e uma boa nova.

Parece que o Livro de Isaías tem duas identidades literárias: o Proto Isaíais e o Dêutero-Isaías (nomenclatura líndissima pela qual já valeu a pena a trabalheira que este post está a dar).
O Proto Isaías viveu entre 740 e 681 A.C. e fica para a história como um chato: irredutível crítico social, passa a vida a censurar as práticas de ricos e pobres, reis e súbditos; quizilento palrador, consome-se em pragas contra os Assírios; político feérico, não se cansa de injuriar sem parcimónia todos os bandidos do deserto e os demais cortesãos barrigudos. Apesar da imaginação fértil no que à reprimenda diz respeito, as suas profecias eram as do costume: no fim da orgia há-de vir o castigo de deus com fogo no céu e sangue na estrada.
Dêutero-Isaías (provavelmente um nome de código para vários autores do exílio babilónico do século VI A.C.) chega-nos num embrulho mais simpático, porque foi o primeiro pivot do telejornal da metafísica cristã a anunciar a chegada de um servo de deus que faria regressar o seu povo às areias de Judá. Este tal Dêutero fica assim no boneco da história das religiões como o primeiro profeta messiânico do Antigo testamento, o que não é dizer pouco.

O estranho caso do mago Daniel.

Um dos ilustres redactores do antigo Testamento, Daniel (VI A.C.) foi o vidente de serviço do Rei Nabucodonosor e grande bruxo da Babilónia, depois de ter sido para lá arrastado como despojo de guerra. Um judeu na Babilónia é para aí o equivalente contemporâneo de um Albanês em Nova Iorque, mas nem isso impediu o acertivo profeta de subir na vida: interpreta sonhos, alucina imenso e dá ares de mago, perfil de sucesso no enquadramento burocrático da altura que o ascende a conselheiro real e anunciador fatalista de um destino histórico meio hegeliano, que caminha de império em império até ao juízo final. As visões constantes do seu Livro, são surpreendentemente atrevidas. A primeira serve a razão política e trata sobretudo das minudências administrativas e dos conflitos domésticos do reinado de Nabucodonosor, prevendo, algo temerariamente, a decadência e loucura do monarca. A segunda visão ainda é mais revanchista: lamenta o jugo a que foi submetido o povo eleito e promete vingança. A terceira trata os inimigos dos judeus abaixo de cão, enquanto a quarta e última se dedica a descrever com detalhe gráfico os acontecimentos “ao cabo do tempo”, incluindo a proverbial redenção do povo de deus e condenação dos seus inimigos aos horrores da morada do grande Satã. O facto de Nabucodonosor aturar e sustentar o judeu Daniel, cujas visões o remetiam à insanidade terrena e à condenação eterna, transcende a minha imaginação.

João contra todos.
Este apóstolo de Jesus é um incondicional do apocalipse. Depois de uma visão 3D Dolby Surround na ilha de Patmos, João (?-103 D.C) redige o Livro da Revelação do Apocalipse, onde anuncia a subida dos mares (primeiro adivinho do aquecimento global) e apresenta à humanidade uma besta de sete cabeças e dez chifres, com pés de urso e cara de leão, acompanhada de um dragão que, digo eu, há-de vir a chamuscar a lança de S. Jorge. Não contente com o poder de destruição da sua besta, anuncia uma segunda. Apesar de contar menos oito chifres, esta besta segunda ainda é mais malvada que a besta primeira e recebe o apropriado baptismo: 666 (aqui há direitos de autor). Presume-se que este animalzinho simpático é para aí uma encarnação de Belzebu, já que o seu objectivo aparente é o de acabar com a raça dos homens, raptando pelo caminho o maior número de almas possível, para alimento dos altos fornos do inferno ou posterior resgate chorudo. A dominante cenográfica da profecia é própria de um filme de Cronenberg e a coisa é, em geral, sanguinolenta. Diria eu que a S. João talvez fizesse falta um acompanhamento clínico mais competente, dada a evidência do seu patológico ódio pela humanidade. Mesmo assim, tem o seu crédito: para discípulo de um artista pop, era um tipo muito heavy metal.

Cristo, o meta-profeta.
Para além da visão muçulmana do Nazareno como prosélito de Maomé, a abordagem a Jesus Cristo como profeta está na penta-esencialidade do seu mito. Para os cristãos Jesus não é um profeta, é O Profeta, muito simplesmente porque a sua vida é o cumprir da profecia.
Por outras palavras, dizer que Jesus é o profeta é o mesmo que dizer que ele é o Messias.
Segundo o evangelho de Lucas, Jesus reconhece que a unção profética anunciada por Isaías se referia á sua pessoa:
“Jesus veio a Nazaré onde se tinha criado. Segundo o seu costume entrou em dia de sábado na sinagoga e levantou-se para ler. Entregaram-lhe o livro do profeta Isaías e, desenrolando-o, deparou com a passagem em que está escrito:
O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres. Enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, o recobrar da vista. Enviou-me para mandar em liberdade os oprimidos e a proclamar um ano de graça da parte do Senhor.
Depois enrolou o livro, entregou-o ao responsável e sentou-se. Todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. Começou, então a dizer-lhes: Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura que acabais de ouvir.” (Lc 4, 16-21).
Isto é que é ter classe. E coragem. E sentido histórico. Por estas e por outras é que a coisa não acabou assim lá muito bem.
Seja como for, o meta-profeta é o rei desta comédia. Afinal, até o relógio das eras foi acertado pelo fuso transcendente da sua existência.

Nostradamus e a invenção do Passatempo.

Para um homem que sofria de epilepsia psíquica, gota, insuficiência cardíaca e dificuldades respiratórias (morreu vítima de um edema cárdio-pulmonar), Nostradamus (503-566 D.C.) foi até um versador/vidente de notável prodigalidade.
Médico, alquimista, crítico literário, conselhero de reis, astrólogo e astrónomo, este prolixo adivinho era até um excelente poeta e um dedicado editor de almanaques que incluiam previsões sobre o estado do clima e as convulsões políticas, conselhos aos agricultores, horóscopos e outros presságios mais ou menos proverbiais.
As suas profecias compõe-se de 942 quadras em versos decassílabos e anunciam todo o tipo sortido de guerras, pragas, catástrofes e desgraças futuras. Por ser muito dado à charada e à metáfora, a informação surge truncada de tal forma que é de uma imprecisão escrupulosa. As profecias de Nostradamus só se confirmam quando eventos entretanto desencadeados são colados a um qualquer dos seus versos enigmáticos e nunca ninguém conseguiu prever fosse o que fosse baseado nestas famosas escrituras. Charlatão ou mago, o que interessa é que Nostradamus inventou uma espécie de Sudoku Ontológico para as gerações vindouras que queimaram muita pestana na vã tentativa de desvendar estes insondáveis versos.
Pesquisas contemporâneas feitas aos seus escritos pelas universidades de Ottawa, Cambridge e Sobborne, revelam aliás que o famoso personagem se inspirava em eventos que já tinham acontecido à altura da sua vida para versar sobre factos futuros, o que não deixa de ser um método razoavelmente credível, já que, como todos sabemos, a história tem a terrível mania de se repetir.

(cont.)

Uma ventania de som sagrado.



Arcade Fire - "Rebellion"
Paul Valery - "Mas o que é que me prova que exista unidade na natureza?"
Einstein - "Um acto de fé."


F. BRADUEL - GRAMÁTICA DAS CIVILIZAÇÕES


(3) A pergunta fundamental que resultou da primeira tentativa de Einstein para explicar as leis de funcionamento do cosmos - a Teoria da Relatividade Restrita - foi esta: se, como Newton defendia, os corpos celestes se atraem, como é que ainda existe um universo? Certamente que sem uma força que compensasse a atração gravítica, as galáxias acabariam por se esmagar umas contra as outras. Que força poderosa, desconhecida e maçadora estaria então a salvar o universo da implosão?

Depois de ganhar umas simpáticas rugas de sábio e mais uns carismáticos cabelos brancos de druída, Einstein tirou da sua cartola de Merlin uma solução lindíssima, apoiada em facto nenhum que tivesse até aí sido observado na natureza ou experimentado pelo engenho humano: a Constante Cosmológica ou Lambda.

Para Einstein, o Lambda seria uma constante de energia no vácuo, um fluído de matéria primordial que compensaria o efeito gravítico dos corpos celestes e manteria o universo ordenado e domingueiro, de que ele tanto gostava.

Assim, a Teoria da Relatividade Restrita, passou a Teoria da Relatividade Geral e, durante um breve período, o físico alemão passeou pela existência com a certeza de que tinha o cosmos todo muito bem explicadinho.

Lamentavelmente para ele, as observações de Edwin Hubble, uns anos depois, demonstraram que o Universo está, na verdade, em expansão. Leia-se: as galáxias estão constantemente a afastar-se umas das outras. Daqui resultou que o fenómeno de repulsão se tornava desnecessário. O bom do Albert retirou rapidamente a constante cosmológica da equação, reconhecendo o erro e prosseguindo como se nada fosse.

Não sabia o sábio que errando, acertava.

As recentes medições da velocidade das estrelas que explodem a grandes distâncias, permitem concluir que estas se encontram não apenas em afastamento, como também em acelaração, sendo por isso e muito provavelmente impulsionadas por um força de natureza desconhecida.

Por outro lado, a análise do comportamento quântico das partículas, permite-nos hoje saber que o vazio cósmico está cheinho de matéria e anti-matéria, quadrilhões de partículas positivas e negativas que passam a a vida a surgir e a desaparecer, aniquilando-se mutuamente.

Essa força enigmática imanente no universo afinal existe. A física contemporânea voltou a chamar-lhe Constante Cosmológica. E o instinto de Einstein, mais que a sua ciência, permanece lendário.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Pop around the clock.



Suede - "She's in Fashion"

Jornalismo a sério.

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Assumo desde já que o Nuno Miguel Silva é um amigo meu de ferro. De aço. De idade. Apesar disso, posso dizer com objectividade que o Nuno Miguel Silva leva à redenção o jornalismo em Portugal. A manchete do Diário Económico de ontem - dia 9 - é dele e é exemplar: as fontes, a oportunidade, a pertinácia, o saber escrever Português.
O problema do jornalismo em Portugal não é o de estarmos à míngua de grandes repórteres. É o de existirem muitos maus jornalistas. O meu querido amigo Nuno Miguel Silva, como a minha querida Carla Carvalho, como o meu querido António Barroso, como o meu querido Márcio Candoso são excepções à regra. Porque eu conheço, e amo, jornalistas com um Jota enorme. Porque eu desconheço, felizmente, os outros todos.

terça-feira, janeiro 09, 2007

Durinho e realista. Como deve ser o Rock.



"Blood runs through your veins, that's where our similarity ends."


The Editors - Blood
(2)
Doutorado em Física Teórica na Universidade de Cambridge, João Magueijo é Professor de Física no Imperial College de Londres, tendo sido Cientista Convidado em universidades como Berkeley e Princeton. O que o currículo não diz é que, com trinta e tal anos, o homem é já a figura de proa de uma revolução científica e filosófica. A teoria de João Magueijo chama-se VSL (Variable Speed of Light) e propõe: porque varia em função da idade do universo, a velocidade da luz não é uma constante. Eis a herança de Einstein em sérios sarilhos.

Magueijo editou recentemente "Mais Rápido que a Luz - A biografia de uma especulação científica". No capítulo quarto, curiosamente intitulado "O seu maior erro", o jovem cientista escreve assim:
"Em 1917, o carácter permanente do universo era um dos canônes da filosofia ocidental (...) Einstein ficou por isso muito incomodado por a sua equação de campo prever um universo em mudança. Confrontado com esta contradição entre a sua teoria e os princípios filosóficos da época, Einstein cedeu: modificou a teoria.

Se Einstein tivesse sido um pouco menos inteligente, talvez não tivesse cometido este erro (...) mas era demasiado esperto para o seu próprio bem e logo descobriu uma modificação simples da sua equação que o deixava construir mentalmente um universo estático."

Estes dois parágrafos valem pelo desassombro, fundamentam lindamente o ponto de vista que antes tinha apresentado e remetem-nos para a excelente rábula da Constante Cosmológica (Lambda em jargão de cientista). Assunto de que farei post tarda nada.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

O Dakar é um excelente ensaio sobre a insanidade humana. A ideia de criar a mais dura prova automobilística de todo-o-terreno nasceu muito adequadamente no deserto, em 1977, quando Thierry Sabine se viu perdido por entre as areias da Líbia, durante o rali Abidjan - Nice. Ele próprio viria a morrer numa das edições da prova, devido a um acidente de helicóptero. O rali mata, aliás, que se farta: desde a sua primeira edição, em 1978, morreram mais de 50 pessoas e só em 2005 registaram-se cinco óbitos directamente resultantes da competição, entre os quais uma menina senegalesa de cinco anos, atropelada por um concorrente. Na Fórmula 1, como na Nascar, na DTM ou no WRC, um evento que matasse assim já tinha sido, no mínimo, revisto ou muito simplesmente terminado. O Dakar não. Nem o arrepiante número de fatalidades, nem a imensidão dos desertos, nem as temperaturas escaldantes, nem a duração insustentável da prova, nem a desumanidade das etapas extensíssimas, nem os conflitos armados do Magrebe, nem os bandidos do deserto, nem o senso comum assustam esta gente temerária. Vão todos contentes a acelerar para o inferno. Vão despreocupados e ligeiros para dentro do pesadelo. Vão muito divertidos rumo ao suplício. À chegada restarão 40% deles, derrubados pela exaustão, mas à partida, ninguém quer saber. Vão-se embora como quem vai para a Costa da Caparica, cheios de pica. Há gente para tudo.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Um absoluto bocadinho de som.

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Bloc Party - "So here we are"
3 - Do milagre fonográfico.


Imaginem a vida sem música. Quero eu dizer: imaginem viver num mundo em que a música serve apenas o ritual da tribo, o folclore saloio, a missa da paróquia, os vícios da corte ou a acústica da sala de espectáculos. Imaginem que, pelo prazer da melodia, teriam que suportar a gaita desafinada do avô, o pregão insuflado da varina ou a marcha desconcertada da filarmónica local. Imaginem a vida sem reprodução fonográfica. Imaginem o silêncio de uma civilização sem grafonola, sem gira-discos, sem leitor de CD's, sem MP3. Imaginem que vivem sem poder ouvir Mozart quando vos der na real gana. E acendam uma velinha por Thomas Edison.
Foto de Susana Baptista.