quarta-feira, setembro 26, 2012

Marcha Fúnebre

I

Não sou nenhum génio e não engano ninguém:
Nem vou morrer cedo nem nunca fui amado pelos deuses.
Não, nem, nunca, nenhum: sou eu.
Não, nem, nunca, ninguém: e é tudo.


II

Toda a gente é pequenina e eu também sou minúsculo como gente grande.
Talvez por causa disso de se ser canina dentro de um inferno do tamanho do universo,
A minha mãe sempre me avisou a navegação,
A minha mãe sempre me disse da vida ser infiel puta.
E eu acreditei nela e foi desse acreditar que fiz o meu destino triste,
Foi disso que fiz a minha desgraça de pobre diabo,
A minha absoluta desgraça de pobre diabo que afinal nada tem que ver com a puta da vida;
Que é exterior a esse facto igualmente absoluto, objectivo e lamentável
Que a minha mãe tinha gosto de me ensinar.

Porque se a vida é assim comercial, é assim comercial para todos
E se assim é infiel, assim infiel é para todos
E se eu sou mais infeliz e desgraçado que a maioria,
É porque transcendi a miséria que é comum;
Fui mais fundo, enlouqueci mais, errei excessivamente,
Fui vil para além da vilania que é suposta nos homens.

Porque se toda a gente é pequena e eu, que também sou diminuto,
Quântico no pântano incontável da macro-física,
Sigo ainda assim para além das estrelas,
Sigo ainda assim para além da noite e dos pesadelos;
É porque vou a caminho de um fim imenso, com fome.
É porque a morte é o meu prometido momento de grandeza.


III

A minha vida é um velório de 45 anos.
As pessoas entram, prestam os seus respeitos e saem aliviadas,
Como quem retira a máscara incómoda que o baile entediante exigia de regra.
No entretanto, fazem o possível para encontrar algo de agradável e apropriado
Para dizer do cadáver - tarefa ingrata;
Fazem o possível - e o impossível - para escaparem incólumes
Ao breve confronto com a morte.


IV

Há muito que já não devia andar por aqui,
Bípede periclitante sobre a instável curvatura da Terra.
Há muito que já devia ter sido raptado por extra-terrestres, morrido num acidente de viação;
Há muito que já devia ter sido assassinado por um psicopata, desaparecido em combate;
Que já devia ter sido carbonizado numa manifestação, ceifado pela cirrose,
Interrompido pelo cancro, terminado pelas drogas, enforcado no sótão,
Suicidado da ponte abaixo ou por baixo da locomotiva ou a tiro de pistola.

Mas eu, que não guardo no genoma nada que possa interessar aos astronautas do mistério;
Eu, que respeito os limites de velocidade e já poucas vezes levo a bebedeira ao volante;
Eu, que vivo num país com escassez de psicopatas e medo das guerras;
Eu, que não sei como dar o nó à forca, nem nunca vivi numa casa com sótão;
Eu, que não tenho tomates para me jogar da ponte abaixo ou para baixo do comboio,
Nem causa que justifique a imolação em praça pública;
Sim, eu, que não tenho imaginação para suicídios criativos
E que vivo num país de burocratas, onde possuir uma arma é complicado e oneroso;
Eu, que nem bebo assim tanto para poder morrer com pressa,
Que nem chego a fumar 3 maços por dia,
Que não chuto cavalo nem dependo da cocaína;
Eu, que sou tão modesto de vícios como de virtudes, que sou de moderados excessos,
Que não sei oferecer-me em sacrifício, que não tenho fé que chegue para ser mártir;
Eu, que tanto desejo a morte, vou devagar apodrecendo.
Eu, que tanto desejo a paz última, vou em primeira velocidade,
Vou sem saber do ponto de embraiagem, aos solavancos, aos sobressaltos,
Percorrendo lentamente a inviável estrada da existência.


V

A minha vida é um velório de 45 anos e por mais anos ainda velório será,
Até porque, mais que provavelmente, vou precisar de pedir dinheiro emprestado
Para pagar a conta do funeral.

Equinócio da Lua


Os deuses decretam o Outono
E publicam em opúsculo:
Que se dê o Atlântico ao abandono,
Que a orla se esconda em crepúsculo.

Atrás da montanha, o sol ainda arde
Em equinócio-capicua.
O Verão desfalece com a fuga da tarde,
A noite começa com o cair da lua.

Os deuses obrigam ao Outono
E publicam no firmamento:
Que o Atlântico cederá ao sono,
Que a orla calará o movimento.

O espectáculo é dramático, faz alarde
De astrofísica-falcatrua:
O Verão cessa com o fugir da tarde,
A noite avança com a morte da lua.

quinta-feira, setembro 20, 2012

Sobre a difícil arte do regresso.

Tenho os ouvidos embrulhados por 5 novos discos de retorno. É muito difícil fazer melhor que os respectivos 5 discos anteriores, mas eles bem que tentam. Mas eles bem que lutam contra a maldição do brilhantismo efémero. E eu respeito isso.


Metric - Synthetica


The Killers - Battle Born


The Vaccines - Come of Age


Two Door Cinema Club - Beacon


Fanfarlo - Rooms Filled With Light

sexta-feira, setembro 14, 2012

Algumas achas para a fogueira.

Maomé era homossexual. Tenho o direito de dizer isto.
Eu acho, posso achar; eu digo, posso dizer o seguinte:
Maomé, o profeta, levava no cú.
É minha esta liberdade. E quero que os islamitas-facínoras, espécie sub-sapiens dos esgotos da ontologia, filhos enjeitados do sudão que é o mundo muçulmano todo, vão fazer exactamente como o seu desgraçado profeta gostava imenso de fazer e que era: levar na bilha. Pegar por trás. Enrabar e ser enrabado.
Podem queimar bandeiras e incendiar embaixadas à vontade. Preferia morrer a ser calado por vós, gentinha miserável, produto infecto, gonorreico, dos intestinos de Deus.

Recordações escondidas na poeira bolorenta de um esquecido e velho baú, no sotão do meu bisavô.


POR ARTUR PAIXÃO

Pergaminho amarelado, de cantos que a rataria teria mordiscado, entre outros manuscritos embrulhados num laço cor-de-rosa desmaiado, conspurcados pela traça e humidade de muitos Invernos.

Permita-me, condessa, usar formalismos menos de acordo com a justeza da vossa nobre condição, omitindo títulos que possuis muito honrosa e justamente. Cinquenta anos após o meu afortunado encontro com vossa  senhoria nos jardins do Palácio Real, sob a bendita sombra dos plátanos, muito mudou nas gentes e nos costumes, envolvidos agora na incivilidade de novas ideias e hediondas maneiras, abjectas. Sou hoje um lamentável produto da chamada evolução, já sem as delicadas cortesias com que vos secava as lágrimas que haveis vertido por entre o perfume vosso e do roseiral e que vos podiam ter valido o cepo.
Não poderias amar-me, bem sei, cruelmente arrastado dos vossos gentis braços pela minha condição de moço de estrebaria, e vós entregue ao vosso conde, afraldado em berço de ouro, peça da corte e do Rei, tolhida pelos garrotes da política e de outras conveniências.
Ficou, porém, o nosso amor por mercê de Deus selado na morna doçura do palheiro e essa foi a única benção que me foi dada em vida. Recordo-vos agora, assalariado municipal, aboletado numa mísera arrecadação de Paris, escanzelado, famélico, subsistindo da memória desses dias em que jazia mimado entre o peito da minha adorável condensa.
Recordais-me?
É assim que me dobro a vossos pés, idolatrando-os, ousando suplicar-vos que me remeteis, sem descontentamento, antes como um gasto reflexo dessa paixão maior, alguns francos, de preferência, se possível, em cheque de dólares, que me permita sonhar com um brioche de antes de ontem e uma garrafita de absinto, que me reforce a recordação dos vossos braços e evoque o quente conforto dos vossos seios.

Apaixonadamente;

Pierre du Latan


quarta-feira, setembro 12, 2012

Humilde Ode Triunfal

"E. ainda há quem faça propaganda disto: 
a pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões!"
Cena do Ódio | José de Almada Negreiros

Na minha humilde opinião, o Pessoa foi feliz.
Quero dizer: foi infeliz - miseravelmente infeliz - de moeda,
Porque mesmo no bolso onde trazia mais dinheiro,
O dinheiro que trazia era mísero.
Mas foi feliz - imensamente feliz - de talento,
Porque mesmo no poema que levava menos génio,
O génio que levava era imenso.


No meu pobre juízo, o Pessoa foi feliz.
Foi feliz sem sexo - o que não é dizer pouco,
Foi feliz sem prémios - o que é muito para cima
Dos cinco contos de reis que o António Ferro lhe arranjou de batota,
Porque A Mensagem, sendo poema suficiente para explicar Portugal,
Seria insuficiente para compreender as cem páginas de poesia
Exigidas no regulamento.

Na minha humilde opinião, o Pessoa foi feliz.
Quero dizer: foi infeliz - desgraçadamente infeliz - quando enfim
Lhe recusaram - ironia de Borges - o desgraçado emprego
Na biblioteca de Cascais.
Mas foi feliz, feliz como nenhum outro poeta, porque afinal
Não há na história e não há na literatura outro poeta assim sábio,
E ele sabia disso.

Na minha modesta ideia, o Pessoa foi feliz.
Ninguém consegue ser deprimido
após a consecução da Ode Triunfal.
E se alguém for capaz de inventar,
No tempo que se estende por uma só puta de vida,
Esta quantidade imaterial de personagens imortais,
Eu retiro o que agora escrevo e logo direi: 

Na minha humilde opinião, o Pessoa foi infeliz.
Quero dizer: foi infeliz - desgraçadamente infeliz - quando cedo
Lhe recusaram - por ser português - o desgraçado ingresso
Na universidade de Oxford.
E mais infeliz ainda, infeliz como nenhum outro português, porque também
Deu para ser eterno em Inglês 
Sem que ninguém desse por isso.

quarta-feira, setembro 05, 2012

Obama Toon Factory - Especial Eastwood



"I just want to say something to you, ladys and gentlemen, that I think is very important: you, we... we onwn this country. We own it. And i'ts you owning it and not the politicians ouwning it. Politicians are employees of ours. They just gonna come aroud and beg for votes every few years. (...) And when somebody just not do the job, we got to let him go."

Clint Eastwood

terça-feira, setembro 04, 2012

Derby.

Estou mesmo a ver:
De um lado da mesa está o Proust, 
Hirto e cordato e muito bem protegido contra os rigores da sua hipocondria, 
Por um casaco de peles de aristocrata
Que lhe custou 15 mil francos do dinheiro do pai.
Do outro lado está o Joyce, 
No conforto burguês de não estar minimamente vestido para aquilo.
Aquilo é um jantar que podia muito bem ser contado numa frase de seiscentas 
E setenta e duas palavras, maravilhosamente prosadas, do Tempo Perdido.
Aquilo é um jantar que não cabia entre os dias 15 e 16 de junho de 1904
Na verdade de Leopold Bloom.

O Proust pergunta-lhe se conhece o Visconde Disto e o Marquês Daquilo:
O Joyce dá-se, pela negativa, ao monossílabo.
É o jantar do não, não, não e não, não conheço esses.

Ainda assim - para escândalo das musas 
E indignação dos eruditos - é o sacana do irlandês, 
É o impertinente filho de comerciantes,
É o mal criado da literatura que se enfia na puerilidade do taxi fidalgo, 
Quando, no fim da equívoca soirée, o aborrecimento cede à curiosidade.
O Proust convida os amigos para a célebre ceia em sua casa,
Mas apela gentilmente ao taxista que prolongue a corrida
E leve o Joyce de volta até ao inferno de que é originário.
(O inferno é um sítio onde é impossível conhecer 
O Visconde Disto e o Marquês Daquilo).

Estou mesmo a ver:
O Joyce dormiu mal essa noite.
E o Proust, sempre tão atencioso com os outros, 
Sempre tão sensível, sempre tão interessado na vida dos outros,
Sempre tão preocupado em respeitar e alimentar
A zona de conforto dos outros;
Muito simplesmente, por uma vez,
Deve ter cagado no assunto.

Afinal, o Joyce até podia ser um modernista do escafandro;
Um imortal.
Mas por Deus, que fazer, que dizer, que conversar com alguém 
Que não conhece o Visconde Disto?
Que nunca privou com o Marquês Daquilo?

Estou mesmo a ver:
O Proust dormiu bem essa noite.

Ensaio Sobre a Cegueira.

O Travassos opera à velocidade espantosa de três cegos por hora.
São cegos curáveis, claro, com retinas disfuncionais e córneas destruídas.
São cegos com esperança. A pior espécie de cegos que há.
Andam de lá para cá, no labirinto da clínica, 
Com pensos nos olhos, com peso nos ombros, 
Com as pupilas dilatadas e com a alma encolhida;
Esperam, cabisbaixos; esperam, vulneráveis; esperam, religiosos;
Pelo exame, pela consulta, pela gloriosa e redentora faca hi-tec do Travassos.

O Travassos não faz milagres, mas cura para cima de cem cegos por dia;
Os curáveis, claro, porque os cegos que são mesmo cegos são corridos com desprezo.
(Enquanto o Travassos perde tempo com os cegos incuráveis
Não pode curar os cegos curáveis à razão de três mil por mês).

O Travassos não gosta de se explicar aos cegos. 
Nem aos curáveis nem aos incuráveis.
Ele faz o que faz, os cegos curáveis passam a ver 
E os cegos incuráveis continuam invisuais
E é assim.

Como o Travassos é, na verdade, um bruto, as enfermeiras sentem a responsabilidade
De ser tão simpáticas, tão prestáveis, tão piedosas,
que tratam os cegos curáveis como se fossem cegos incuráveis,
O que causa alguma confusão aos que não são cegos 
- Aos que estão lá só para fazer companhia aos cegos -
Porque assim é impossível distinguir
Os cegos com esperança dos cegos desenganados.

Ao Travassos raramente lhe falha a faca:
É um homem com uma missão.
Já aos cegos, falha a coragem:
são como crianças sem pernas,
Que se arrastam de lá para cá, aflitos,
nos corredores do Centro Cirúrgico de Coimbra.

Jornal de Letras | Julho/Agosto 2012

O Grande Livro das Coisas Horríveis - A Crónica Definitiva das 100 Maiores Atrocidades da História - Matthew White - Difel
Já disse o mais que tinha a dizer sobre esta pérola aqui, quando ainda ia a meio do livro. Resta-me só lamentar que um autor norte-americano pense que os norte-americanos são culpados (sozinhos ou em boa companhia) por 90% das coisas horríveis que se passaram no mundo desde a Segunda Guerra Mundial. Mathew White, que tanto procura ser objectivo - e é de facto objectivo até ao século XX - espalha-se ao comprido por causa do aparente ódio que sente pelo seu país. 
À parte disso, O Grande Livro das Coisas Horríveis é um calhamaço espectacular, que se lê como um romance de aventuras (escrito por Edgar Allan Poe).

Isaac Newton - James Gleick - Casa das Letras
Escrever biografias é uma arte que não está ao alcance de todas as penas. Escrever a biografia de Newton é, mesmo para os que alcançam esse virtuosismo e na maior parte dos casos, uma pretensão apenas. James Gleick, que até é dono de um prosar irrepreensível, caiu nesta armadilha e acaba por escrever uma espécie de ensaio como quem está a tentar escrever uma biografia a sério. O resultado inevitável, para o leitor, é um extremo desapontamento. Não sou um especialista, claro, mas acho que tem que haver mais (muito, muito mais) para dizer sobre a vida do maior génio científico da história da humanidade.

A Paixão de Schopenhauer - Christoph Poschenrieder - Saída de Emergência
De um romance que pretende ter como protagonistas Schopenhauer, Byron e Goethe, espera-se, pelo menos, alguns momentos poderosos. Infelizmente, não acontecem. E é tudo.

Fernando Pessoa - Uma Quase-Autobiografia - José Paulo Cavalcanti Filho - Porto Editora
Já me fartei de escrever sobre esta caricatura de biografia aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
No entretanto, tive direito a mais raw data completamente inútil, como por exemplo as receitas dos pratos favoritos do Fernandinho, como por exemplo as bebidas que preferia e as que o deixavam mais bêbado, como por exemplo a relação última e definitiva de todas as suas moradas, de todos os seus empregos e de todos os seus amigos. Como por exemplo qual era o lado para que o Fernandinho dormia melhor. Como por exemplo quais os personagens exibidos ou semi-ocultos na capa do Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (!) e até mesmo os personagens que estavam para fazer parte dessa multidão, mas que acabaram por ficar fora do boneco.
Sobre a obra do Fernandinho, propriamente dita, em setecentas páginas de surreal estatística não se encontra uma análise, uma recensão, uma originalidade digna de ser mencionada. 
De qualquer forma, no meio desta salganhada de irrelevâncias, consegui divertir-me porque o Fernando Pessoa era um gajo divertido. Consegui emocionar-me, porque o Fernando Pessoa era um tipo emocionante. Consegui aprender porque o Fernando Pessoa foi um pedagogo do camandro. Consegui perder-me, porque o Fernando Pessoa é um labirinto com labirintos lá dentro que têm labirintos lá dentro. E, a propósito de labirintos, consegui ficar a saber que o grande Jorge Luís Borges se prontificou a ser mais um heterónimo - o argentino - do Fernandinho, através da edição de textos deste sob o nome daquele.
Uma última nota: todos os biógrafos de Pessoa (João Gaspar Simões, Robert Brechon e este Cavalcanti Filho) insistem que o Fernandinho era um alcoólico e um ocioso. Ora acontece que o Fernando Pessoa estudou, leu e escreveu, nos seus curtos 47 anos de existência, muito mais do que qualquer mortal com expectativa média de vida a rondar os 80 anos pode alguma vez imaginar, quanto mais realizar. Não me fodam. Os heterónimos - esses sim - beberam muito do absinto que o Fernandinho disse que bebia, lá nas tascas oníricas onde bebem os heterónimos. E os heterónimos - esses sim - tinham tempo para não fazer a ponta de um corno enquanto esperavam pela sua vez de brilhar. Porque não é simplesmente possível que a obra imensa que ficou para a posteridade seja produto de um bebedolas sem ética de trabalho.

Fernando Pessoa - Ensaio Interpretativo da Sua Pessoa e da Sua Obra - João Gaspar Simões - Texto Editores
Onze anos depois de ter escrito Vida e Obra de Fernando Pessoa, a primeira e referencial biografia do génio modernista, Gaspar Simões volta ao seu tema preferido e edita, em 1962, este ensaio brilhante, clarividente e profundo.
Como fundador da Presença, o biógrafo foi editor do biografado, para além de amigo e correspondente. Talvez por isso, mas não só por causa disso, aprende-se mais nestas 60 páginas de sensibilidade e erudição extremas, que nas incontáveis folhas de ponto do senhor Cavalcanti, Filho.

O Jovem Törless - Robert Musil - Círculo de Leitores
Romance psicológico por essência e definição - produto estereotípico da escola de Freud (Musil também era austríaco e distava cronologicamente de Freud uma geração apenas) - 
O Jovem Törless é um tesouro da literatura ocidental, que me escravizou o espírito durante os quatro ou cinco dias em que o estive a ler (não é só Basini - o desgraçado de serviço na novela - que é torturado - o leitor também é, num suave sado-masoquismo). 
A qualidade estratosférica desta obra não é de estranhar, já que o livro veio parar-me às mãos por gentileza deste senhor aqui
Proust não consegue muito melhor, num milhão e meio de palavras, que esta novela de  cento e cinquenta páginas. 
Este terá sido o meu campo de treino para O Homem Sem Qualidades, monumento literário que, escandalosamente, ainda não li.

A Possibilidade de Uma ilha - Michel Houellebeq - D. Quixote
Já tinha lido a "Extensão do Domínio da Luta" e não tinha gostado nada. Mas dei mais uma hipótese a este francês que está na moda, muito provavelmente porque o meu amigo Bruno Oliveira Santos - que é para mim uma espécie de mentor - manifestou surpresa quando lhe disse que já tinha lido a "Extensão do Domínio da Luta" e não tinha gostado nada. 
Continuo com muitas dúvidas, depois desta leitura. Há aqui qualquer coisa de excessivo que me desagrada neste rapaz. Há aqui qualquer coisa de vulgar que me desagrada neste rapaz. Este rapaz escreve sexo muitas vezes por página. Deve ser por causa da impotência que demonstra em escrever literatura. É preciso ser um Henry Miller ou um aristocrata francês decadente para resumir tudo à pulsão sexual e mesmo assim fazer literatura. É muito difícil. E este rapaz facilita imenso. Salva-se o conceito distópico, que é mais ou menos aceitável, e algum esclarecimento político e social. O resto é punheta.