Estou mesmo a ver:
De um lado da mesa está o Proust,
Hirto e cordato e muito bem protegido contra os rigores da sua hipocondria,
Por um casaco de peles de aristocrata
Que lhe custou 15 mil francos do dinheiro do pai.
Do outro lado está o Joyce,
No conforto burguês de não estar minimamente vestido para aquilo.
Aquilo é um jantar que podia muito bem ser contado numa frase de seiscentas
E setenta e duas palavras, maravilhosamente prosadas, do Tempo Perdido.
Aquilo é um jantar que não cabia entre os dias 15 e 16 de junho de 1904,
Na verdade de Leopold Bloom.
O Proust pergunta-lhe se conhece o Visconde Disto e o Marquês Daquilo:
O Joyce dá-se, pela negativa, ao monossílabo.
É o jantar do não, não, não e não, não conheço esses.
Ainda assim - para escândalo das musas
E indignação dos eruditos - é o sacana do irlandês,
É o impertinente filho de comerciantes,
É o mal criado da literatura que se enfia na puerilidade do taxi fidalgo,
Quando, no fim da equívoca soirée, o aborrecimento cede à curiosidade.
O Proust convida os amigos para a célebre ceia em sua casa,
Mas apela gentilmente ao taxista que prolongue a corrida
E leve o Joyce de volta até ao inferno de que é originário.
(O inferno é um sítio onde é impossível conhecer
O Visconde Disto e o Marquês Daquilo).
Estou mesmo a ver:
O Joyce dormiu mal essa noite.
E o Proust, sempre tão atencioso com os outros,
Sempre tão sensível, sempre tão interessado na vida dos outros,
Sempre tão preocupado em respeitar e alimentar
A zona de conforto dos outros;
Muito simplesmente, por uma vez,
Deve ter cagado no assunto.
Afinal, o Joyce até podia ser um modernista do escafandro;
Um imortal.
Mas por Deus, que fazer, que dizer, que conversar com alguém
Que não conhece o Visconde Disto?
Que nunca privou com o Marquês Daquilo?
Estou mesmo a ver:
O Proust dormiu bem essa noite.