quarta-feira, agosto 29, 2007
terça-feira, agosto 28, 2007
Como naquele quadro do Hopper em que lemos sexo mas a palavra não é essa.
DEZ RELATOS DO ABSURDO COPIADOS DA VIDA E COLIGIDOS EM ANEDOTÁRIO - 1991/2002
Um. No cruzamento dos semáforos que apanho para sair do meu bairro costuma estar sempre um doido sinaleiro que manda avançar os automóveis quando cai o vermelho e insulta profusamente os condutores que arrancam com o sinal verde. Numa destas manhãs submersas o insano sinalético não compareceu no seu local de trabalho. Parei no verde, arranquei no vermelho e fodi o carrinho todo contra um autocarro.
Dois. Estou no segundo dia do meu primeiro emprego. No momento em que o chefe, pessoa muito educada, entra no meu gabinete para me cumprimentar, solto um violento espirro. A mão com que protejo o ambiente do cosmos de perdigotos é presenteada com uma virulenta, pegajosa e inominável mole de ranho. O chefe estende-me a dele para o cumprimento, sem reparar que o membro que pretende apertar traz agarrado um verme muco, de verde flourescência. Viro-me para o computador e finjo que não é nada comigo mas o bom do dr. insiste no cumprimento e fica, de mão estendida e paciente, na expectativa. E agora?
Três. Que horas são? Atendo o telefone e pergunto que horas são. A tipa diz-me que são oito e vinte da manhã e que está no aeroporto e que o bilhete de identidade dela ficou na minha carteira e que precisa dele para fazer o check-in e que eu tenho que levantar mas é o rabo da cama e levar-lho lá e que o avião parte às oito e quarenta e cinco. Desligo e visto umas calças que estavam no chão, pego na carteira e nas chaves do carro e corro para a porta e estou descalço caralho, estou descalço e são oito e vinte e três. Volto atrás, calço os chinelos e saio de casa, entro no carro e bute que já são oito e vinte cinco. Eu vivo em Benfica. Acesso à segunda circular entre o caos e a inconsciência, oito e trinta e três. Quando vou entre a Luz e o Colombo passo-me e desato a buzinar como se estivesse grávido ou anunciasse o armagedão. Resultou. Fodasse para aqui e anda com essa merda para ali e estou na Rotunda do Aeroporto às oito e quarenta e três. Já não dá tempo, fodasse, já não dá tempo e estou nas partidas internacionais mas de gaja nem vê-la. Oito e quarenta e oito. Abro a carteira, procuro, procuro e não encontro. Chegou a Zurique à hora marcada. Disse-me depois que se lembrou a tempo que tinha o bilhete de identidade junto com os documentos do carro.
Quatro. A malta foi toda em excursão de camionagem prometer e pagar as devidas promessas a Nossa Senhora de Fátima. Para lá uns pasteis de bacalhau entre a reza dos terços, uns padres nossos em favor do garrafão e outros tantos avés marias com arroz de tomate. Para cá seria o mesmo menu, não fosse o motorista ter adormecido em serviço e a desgovernada camioneta seguir abismo abaixo rumo à morte de todos. No gigantesco velório, o padre da aldeia que de um dia para o outro se tinha visto sem trinta e duas das sessenta e uma almas do seu rebanho, falou sobre os insondáveis desígnios de Deus, embora não se tenha pronunciado sobre a gratidão de Nossa Senhora.
Cinco. Eles conhecem-se desde que se lembram um do outro mas só começaram a namorar quando ele comprou um carro. Entretanto descobriram o crédito à habitação e casaram-se. Compraram logo uma televisão, um video, uma aparelhagem e a mobília de quarto. Os pais dela contribuiram com a mobília da sala e os dele ofereceram os electrodomésticos para a cozinha. Um ano depois já tinham um filho e dois automóveis. Passados uns tempos adquiriram um computador, uma máquina de Café Expresso e uma viagem às Caraíbas. Cinco anos mais tarde separaram-se por causa de um cão que tinham comprado no centro comercial. Pouco depois ela abandonou o cão para se recasar com ele. Fartaram-se de fazer compras pela net e como já não havia cão tiveram mais um filho, mudaram de casa, de automóveis, de mobílias e divorciaram-se de seguida.
Seis. O tipo tinha para aí uns cinquenta anos de uma existência sem vícios. Não fumava, não bebia, fornicava o pouco que é o normal para quem era casado há trinta anos e nunca foi às putas. Por medos da sífilis. Cedo se deitava e cedo se erguia, tinha cuidados com o sal e outras especiarias inconvenientes à vida saudável. Fazia umas corridas na mata, para se manter em forma, e morreu ontem com um cancro nos pulmões.
Sete. Trata-se de um daqueles jantares que acontecem para que um gajo saque uma queca de vez em quando: ninguém se conhece muito bem mas toda a gente espera foder. Por entre as conversas de circunstância e o bacalhau com natas vem o Artur Albarran à baila e claro, a má língua. E toda a gente maldisse o que tinha a maldizer até que alguém descobriu que a dona da casa tinha sido casada com o próprio e que a criancinha que já estava na cama era filha dele. A silenciosa anfitriã passou rapidamente às sobremesas e nessa noite, ninguém fodeu.
Oito. Vou pela rua abaixo e um filho da mãe que vem a subir vira-se para mim a querer saber as horas e eu digo-lhas. Ele olha para o relógio dele, corrige as horas que eu lhe disse que eram e continua calçada acima. E eu fico parado, estúpido, sem me lembrar porque raio é que estava a descer a rua.
Nove. Conheço esta matrona que correu com um marido que tinha porque:
a) O gajo não a fodia;
b) Tinha mau vinho e muita sede;
c) Já não havia comunicação.
Posto isto iniciou a sua vida de solteira, até que na terceira semana começou a sentir as cócegas viscerais da solidão. Fez muitos telefonemas, socializou muito, embebedou-se outrossim e recomeçou a fumar ganza. Quatro semanas mais tarde não aguentava mais, comprou um computador e ligou-se à web que é onde agora toda a gente se deve ligar. Não tinha o diabo acabado de coçar o seu único olho e já conhecera um potencial namorado no acolhedor ambiente de um chatroom erótico cheio de nível. Disponível o parceiro virtual, com celeridade o trouxe para a mais tangível das realidades domésticas, sendo que hoje tem um marido que:
a) Não a fode;
b) Tem mau vinho e muita sede;
c) Não comunica;
d) Vive à custa.
Dez. Um gajo perde o telemóvel. E, sem saber, apenas decidiu que o perdeu. Até que chega um dia, três telemóveis e alguns anos depois, que entra no sotão, abre o bau das ferramentas, retira a caixa do berbequim e lá dentro, metafísico, insondável e já sofrendo de desactualização aguda, está esse megafone portátil, desencontrado nos contratempos de um passado difuso. E que, como é claro, já não serve para coisa alguma se não para alimentar o Mistério.
Um. No cruzamento dos semáforos que apanho para sair do meu bairro costuma estar sempre um doido sinaleiro que manda avançar os automóveis quando cai o vermelho e insulta profusamente os condutores que arrancam com o sinal verde. Numa destas manhãs submersas o insano sinalético não compareceu no seu local de trabalho. Parei no verde, arranquei no vermelho e fodi o carrinho todo contra um autocarro.
Dois. Estou no segundo dia do meu primeiro emprego. No momento em que o chefe, pessoa muito educada, entra no meu gabinete para me cumprimentar, solto um violento espirro. A mão com que protejo o ambiente do cosmos de perdigotos é presenteada com uma virulenta, pegajosa e inominável mole de ranho. O chefe estende-me a dele para o cumprimento, sem reparar que o membro que pretende apertar traz agarrado um verme muco, de verde flourescência. Viro-me para o computador e finjo que não é nada comigo mas o bom do dr. insiste no cumprimento e fica, de mão estendida e paciente, na expectativa. E agora?
Três. Que horas são? Atendo o telefone e pergunto que horas são. A tipa diz-me que são oito e vinte da manhã e que está no aeroporto e que o bilhete de identidade dela ficou na minha carteira e que precisa dele para fazer o check-in e que eu tenho que levantar mas é o rabo da cama e levar-lho lá e que o avião parte às oito e quarenta e cinco. Desligo e visto umas calças que estavam no chão, pego na carteira e nas chaves do carro e corro para a porta e estou descalço caralho, estou descalço e são oito e vinte e três. Volto atrás, calço os chinelos e saio de casa, entro no carro e bute que já são oito e vinte cinco. Eu vivo em Benfica. Acesso à segunda circular entre o caos e a inconsciência, oito e trinta e três. Quando vou entre a Luz e o Colombo passo-me e desato a buzinar como se estivesse grávido ou anunciasse o armagedão. Resultou. Fodasse para aqui e anda com essa merda para ali e estou na Rotunda do Aeroporto às oito e quarenta e três. Já não dá tempo, fodasse, já não dá tempo e estou nas partidas internacionais mas de gaja nem vê-la. Oito e quarenta e oito. Abro a carteira, procuro, procuro e não encontro. Chegou a Zurique à hora marcada. Disse-me depois que se lembrou a tempo que tinha o bilhete de identidade junto com os documentos do carro.
Quatro. A malta foi toda em excursão de camionagem prometer e pagar as devidas promessas a Nossa Senhora de Fátima. Para lá uns pasteis de bacalhau entre a reza dos terços, uns padres nossos em favor do garrafão e outros tantos avés marias com arroz de tomate. Para cá seria o mesmo menu, não fosse o motorista ter adormecido em serviço e a desgovernada camioneta seguir abismo abaixo rumo à morte de todos. No gigantesco velório, o padre da aldeia que de um dia para o outro se tinha visto sem trinta e duas das sessenta e uma almas do seu rebanho, falou sobre os insondáveis desígnios de Deus, embora não se tenha pronunciado sobre a gratidão de Nossa Senhora.
Cinco. Eles conhecem-se desde que se lembram um do outro mas só começaram a namorar quando ele comprou um carro. Entretanto descobriram o crédito à habitação e casaram-se. Compraram logo uma televisão, um video, uma aparelhagem e a mobília de quarto. Os pais dela contribuiram com a mobília da sala e os dele ofereceram os electrodomésticos para a cozinha. Um ano depois já tinham um filho e dois automóveis. Passados uns tempos adquiriram um computador, uma máquina de Café Expresso e uma viagem às Caraíbas. Cinco anos mais tarde separaram-se por causa de um cão que tinham comprado no centro comercial. Pouco depois ela abandonou o cão para se recasar com ele. Fartaram-se de fazer compras pela net e como já não havia cão tiveram mais um filho, mudaram de casa, de automóveis, de mobílias e divorciaram-se de seguida.
Seis. O tipo tinha para aí uns cinquenta anos de uma existência sem vícios. Não fumava, não bebia, fornicava o pouco que é o normal para quem era casado há trinta anos e nunca foi às putas. Por medos da sífilis. Cedo se deitava e cedo se erguia, tinha cuidados com o sal e outras especiarias inconvenientes à vida saudável. Fazia umas corridas na mata, para se manter em forma, e morreu ontem com um cancro nos pulmões.
Sete. Trata-se de um daqueles jantares que acontecem para que um gajo saque uma queca de vez em quando: ninguém se conhece muito bem mas toda a gente espera foder. Por entre as conversas de circunstância e o bacalhau com natas vem o Artur Albarran à baila e claro, a má língua. E toda a gente maldisse o que tinha a maldizer até que alguém descobriu que a dona da casa tinha sido casada com o próprio e que a criancinha que já estava na cama era filha dele. A silenciosa anfitriã passou rapidamente às sobremesas e nessa noite, ninguém fodeu.
Oito. Vou pela rua abaixo e um filho da mãe que vem a subir vira-se para mim a querer saber as horas e eu digo-lhas. Ele olha para o relógio dele, corrige as horas que eu lhe disse que eram e continua calçada acima. E eu fico parado, estúpido, sem me lembrar porque raio é que estava a descer a rua.
Nove. Conheço esta matrona que correu com um marido que tinha porque:
a) O gajo não a fodia;
b) Tinha mau vinho e muita sede;
c) Já não havia comunicação.
Posto isto iniciou a sua vida de solteira, até que na terceira semana começou a sentir as cócegas viscerais da solidão. Fez muitos telefonemas, socializou muito, embebedou-se outrossim e recomeçou a fumar ganza. Quatro semanas mais tarde não aguentava mais, comprou um computador e ligou-se à web que é onde agora toda a gente se deve ligar. Não tinha o diabo acabado de coçar o seu único olho e já conhecera um potencial namorado no acolhedor ambiente de um chatroom erótico cheio de nível. Disponível o parceiro virtual, com celeridade o trouxe para a mais tangível das realidades domésticas, sendo que hoje tem um marido que:
a) Não a fode;
b) Tem mau vinho e muita sede;
c) Não comunica;
d) Vive à custa.
Dez. Um gajo perde o telemóvel. E, sem saber, apenas decidiu que o perdeu. Até que chega um dia, três telemóveis e alguns anos depois, que entra no sotão, abre o bau das ferramentas, retira a caixa do berbequim e lá dentro, metafísico, insondável e já sofrendo de desactualização aguda, está esse megafone portátil, desencontrado nos contratempos de um passado difuso. E que, como é claro, já não serve para coisa alguma se não para alimentar o Mistério.
terça-feira, agosto 21, 2007
Danko Jones ou o Pedal para ganhar a Volta a França cinco vezes por ano:
- I Want You -
- I Love Living in the City -
- Lovercall -
- Baby Hates Me -
Os filhos da meia-noite (II).
"A missão de governar as Índias foi, por qualquer misterioso desígnio da Providência, posta aos ombros da raça inglesa."
- Rudyard Kipling. 1889 -
1 - Causa e consequência
É preciso vir o Presidente da República dizer que quem comete um crime deve ser tratado como um criminoso. É preciso meter a jogar, em simultâneo e na mesma posição, dois laterais direitos para se ser despedido. É preciso paciência. Daquela chinesa.
2 - O Deus das Pequenas Coisas
A Indía nunca existiu. O Paquistão nunca existiu. Até àquela trágica meia noite de 15 de Agosto de 1947, a única coisa parecida com uma nação que os nativos conheciam era muito simplesmente a Inglaterra. 60 anos depois, o Paquistão continua dominado pelo despotismo, militar ou religioso, e a Índia só parece sexy porque os editores ocidentais não sabem do que é que estão a falar. A India não é bonita. A India é de castas, senhores. A Índia é um inferno, é desumana, é injusta, é pobre, pobre, pobre, é miserável. Ah, e a propósito, é preciso ter muita fé para ser Gandhi. É preciso mover montanhas ou saber contar quantos seixos habitam o rio.
3 - Esta noite, a liberdade
Este livrinho dos excelentes Dominique Lapierre e Larry Collins (também autores de outras jóias da história do Século XX como "Oh, Jerusalém" e "Paris já está a arder?"), tem muito do que é preciso saber sobre o assunto da Independência da Índia. Para além da morte de 2 millhões de pessoas em 48 horas e o êxodo esfomeado de mais dez milhões de almas, o relato é colorido por quatro terríficos personagens: Lord Mountbatten, como Rei Artur em desespero de causa; Gandhi, que interpreta o feiticeiro Gandalf, Nehru que faz de Fausto e o inevitável Jinnah, que se sai muito bem na pele do Diabo. A Liberdade, claro está, acaba por custar os olhos da cara. Seja como for, este é um belo livro para levar para a praia.
Interpol e o mundo natural.
Heinrich Maneuver - Interpol
I "How are things on the West Coast?!
hear you movin' real fine
You wear those shoes like a dove
Now strut those shoes
We'll go roaming in the night
Well how are things on the West Coast?!
You keep it movin' to your soul's delight
Now I've tried the brakes
I've tried but you know it's a lonely ride
How are things on the West Coast?
Oh and move heaven behind those eyes...
Today my heart swings
Yeah, today my heart swings"
Diz-se por aí que este magnífico "Our Love to Admire" é uma pena. É uma pena porque os Interpol não foram gravar outro "Antics", é o que se argumenta. É uma pena, afirmam sobranceiros, que uma banda assim desiluda com um disco diferente. Pois eu, que não chego a ser melómano, que nem passo bem de um groupie sedentário, devo dizer que este último disquinho dos Interpol é uma maravilha das grandes precisamente porque houve muita coragem dos senhores, ao decidirem fazer diferente. Bravo.
Interpol é uma banda que devia simplesmente ser canonizada, levada ao altar, fundir-se com deus, para terapia deste último. Não me lembro de um acorde que não seja merecedor de uma missa e, caramba, até Bach iria por certo direitinho à Fnac comprar os discos, caso a imortalidade se corporizasse em excesso.
Metafísica à parte, a música dos Interpol é sobretudo uma força da natureza. Uma manifestação telúrica ligada ao amplificador.
Já estou só a escrever para meter texto entre as imagens magníficas, retiradas do Digital Booklet de "Our Love to Admire", esplêndido objecto gráfico a que a malta do eMule não tem direito. Bem feita.
quinta-feira, agosto 16, 2007
Os filhos da meia-noite.
1 - O Mistério de Estocolmo
Confesso envergonhado que foi preciso viver 40 anos para abrir pela primeira vez um livro escrito por Salman Rushdie. Não sei se existe redenção para isto, já que se trata para aí de um dos 5 autores mais importantes do Século XX. Mas se eu não tenho desculpa, que dizer daquela academiazeca nórdica que distribui anualmente, por desgraça moral e para triunfo dos maus costumes, o tristemente célebre troféu fiduciário que conhecemos por Nobel? O facto de Rushdie nunca ter ganho este pestilento prémio só lhe fica bem (o mesmo aconteceu com Borges e Joyce), mas, por todos os deuses da lucidez estética, expliquem-me então o mérito maluco dos seguintes ganhadores que, aparentemente, são merecedores da posteridadezinha que lhe é recusada:
Theodor Mommsen, Bjørnstjerne Bjørnson, Henryk Sienkiewicz, Giosuè Carducci, Rudolf Christoph Eucken, Selma Lagerlöf, Paul Johann Ludwig von Heyse, Sir Rabindranath Tagore, Carl Gustaf Verner von Heidenstam, Karl Adolph Gjellerup, Henrik Pontoppidan, Carl Spitteler, Jacinto Benavente, Wladyslaw Reymont, Grazia Deledda, Henri Bergson, Sigrid Undset, Erik Axel Karlfeldt, John Galsworthy, Frans Eemil Sillanpää, Johannes Vilhelm Jensen, Pär Lagerkvist, Halldór Laxness, Salvatore Quasimodo, Saint-John Perse, Ivo Andric, Miguel Ángel Asturias, Yasunari Kawabata, Patrick White, Eyvind Johnson, Harry Martinson, Vicente Aleixandre, Odysseas Elytis, Czeslaw Milosz, Elias Canetti, Jaroslav Seifert, Wole Soyinka, Toni Morrison, Kenzaburo Oe, Wislawa Szymborska, Gao Xingjian, Imre Kertész e Elfriede Jelinek.
A resolução do mistério é elementar: nenhum destes ilustres teve a coragem de tratar os persas pelos filhos da puta que são. E a academia sueca que, na sua sabedoria de clube recreativo, se acomoda nesta cobardia, não percebe que Salman Rushdie nem embirra especialmente com os persas. Do que ele não gosta mesmo é do fascismo de deus.
2 - Maomé e o Pato Donald
O canal de televisão da magnífica e humanista organização chamada Hamas tem um programa infantil cujo guião inclui a morte por espancamento do Rato Mickey às mãos de um polícia israelita e a ressurreição da Abelha Maia como mártir do islão. Eu estou a falar a sério. Sei que é difícil de acreditar mas, neste programa, as crianças são explicitamente convidadas ao ódio, ao fanatismo étnico e religioso e à prática terrorista através do recurso aos ícones do imaginário infantil ocidental. É uma coisa absolutamente terrível, garanto-vos, uma barbaridade da cair para o lado, mas eu vi-a, com estes dois olhos que, seguramente, a terra irá devorar. E se não acreditam em mim, podem fazer como S. Tomé, aqui. Agora, por favor, não me fodam mais a paciência com os palestinianos!
3 - Uma prova
Sobre a revolução filosófica que advém das conclusões alucinantes da Mecânica Quântica já eu estou para aqui fartinho de escrevinhar e mais me fartarei, claro está, no futuro. Mas por agora fica só o episódio das minas de Utah. A pressão gerada pelos media e pela opinião pública americana no sentido de encontrar vivos os mineiros encurralados, levou os responsáveis pela operação de salvamento a correrem enormes riscos de segurança. Como resultado temos mais gente a morrer. O observador tem implicação directa nos resultados. Eis, portanto, o famoso Princípio de Werner Karl Heisenberg: o produto da incerteza associada ao valor de uma coordenada xi e a incerteza associada ao seu correspondente momento linear pi não pode ser inferior, em grandeza, à constante de Planck normalizada.
Como roubar quatro milhões de euros (and get away with it).
A Câmara Municipal de Lisboa decidiu resolver o seu vergonhoso problema financeiro com o golpe do século. Num só mês, roubou os Lisboetas 64.000 vezes. O crime perfeito é, inclusivamente, anunciado com mal disfarçado orgulho, com comunicados à imprensa e tudo. Se os lisboetas não fossem um lastimável rebanho de gado estéril, recusavam-se simplesmente a pagar estas multas e deixavam que os radares entupissem os tribunais de processos pueris. Assim sendo, o exemplo sertá rapidamente seguido por outras autarquias e o radar depressa se transformará num exemplar instrumento tributário de escala nacional. O Ministério das Finanças já não está sózinho na refinada arte de roubar os portugueses.
quarta-feira, agosto 08, 2007
Porque é que o Senhor Fernando Santos é uma besta quadrada?
Porque não sabe sequer fazer contas: se jogamos com dois centrais, dois laterais e três trincos, temos 7 bonecos a defender, certo? Mais o guarda-redes, são 8 marretas. Assim sendo, ficamos com 3 marionetes para preencher de mau futebol o meio campo e o ataque. Como, este ano, o terrível plantel obrigará a ter constantemente dois palhaços là à frente, sobra um cromo para fazer o jogo todo. E dado que os cromos disponíveis para preencher este iato na grande caderneta da estupidez humana são, nem mais nem menos que o Campeão do Mundo de Ping Pong Nuno Assis e o Bom do Ruca Avô Cantigas, eu pergunto, com a necessária delicadeza: uma revoluçãozinha Khmer vinha mesmo a calhar, não vinha?
sexta-feira, agosto 03, 2007
1. UMA IDEIA DE DEUS
A aranha aventura-se numa velocidade rasteira, pelo alcatrão incendidado. Quer chegar ao outro lado da rua, metade certa do seu universo incerto e, por deus, leva pressa! O asfalto vulcânico queima-lhe a lógica do trajecto (ai, ui, ai, ui, chiça!) e a distância prolonga-se numa eternidade de Odisseia, mas a aranha lá vai, como Livingstone à procura da nascente primordial. Não se detém por coisa alguma, danado bicho com uma causa de travessia. Entretanto, Ulisses passa de mercedes benz e acena um sorriso. Para trás deixa uma vaga sensação de divino e uma aranha esmagada, fundida sobre a escuridão escaldante da estrada.
2. BODY TALK
Para além do umbigo, Cleópatra só desvendou a sua beleza grega perante imperadores romanos. Madalena, mesmo apedrejada, não desnudou o seio e Joana d’Arc nunca mostrou o cú ao inimigo. A Rainha Isabel andou a vida toda com um fecho éclair até ao pescoço (que não a favorecia nada) e Catarina a Grande vestia demasiadas saias para se poder despir convenientemente. Não é por acaso que até a lua, essa velha meretriz, tem um lado escondido. Exibicionistas são as flores. Por isso acalma-te e apaga a luz.
3. PRAIA MAR
O que fazer perante a voz do atlântico, o rugido
da falésia em espasmo, o barulho, o bramido?
Era gajo para ficar até sempre aqui, exilado
entre a fúria do mar e a praia do amado.
Mas o que pensar do azul, o que fazer da disputa
que respira na orla, que grita, que luta?
Era capaz de nascer outra vez para voltar a ter fé
no triunfo do atlântico e na glória da maré.
4. TERRA VERMELHA
Esta terra vermelha que pariu Adão à imagem de Deus, esta terra enrugada, palco da História Universal do Horror, receptáculo cenográfico de delícias e profecias; esta Terra Mãe, esta terra mártir que nos suporta a angústia pedestre, que nos alivia o peso da vida; esta terra queimada, adubada de almas e minérios; esta terra prometida de desertos de dor; esta terra, boa e velha, há-de consumir-nos a todos, no fim.
5. BUDA BAR
Espanta-me a tua metafísica de nenúfar. O teu ponto g é um lago zen, feito perfeito ainda antes da criação. O sorriso de buda abre-se sobre o teu pântano de lilazes e de lótus: deixas de acreditar no tempo e és enfim imortal sobre a decadência celular do cosmos.
6. TOUR DE FORCE
Dia sim, dia não, trepam cinco montanhas à procura das barbas de deus e a ver quem chega primeiro. Êmbolos no pedal e é de zuca, zuca, zuca por ali acima numa alegria de vitaminas e xaropes. Ah glória pedrada e suada, olímpica, sobretudo sobre-humana, de rins à mostra em cima da bicicleta, animal indolente que não quer já sair dali, onde chegou com supremo esforço mecânico de correntes e cremalheiras, insultando Newton a cada torre geodésica que fica para trás no alívio da descida em curva contra curva contra o tempo. Parece que estes homens locomotiva, estes bravos do pelotão, tomam drogas. Ora, que remédio!
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