1 - Os orgão dirigentes.
Não quero estar sempre a bater no ceguinho, mas o futebol tem o problema grave de ser superiormente dirigido por organizações infames, decadentes e disfuncionais. A FIFA bate o recorde da vilania, mas tanto as delegações continentais como as federações associadas não destoam na obscenidade. Quem em Portugal tem um mínimo de consideração ou simpatia pela Federação Portuguesa de Futebol?
O último acto caricato da FIFA resulta de uma presunção inimaginável: a redução dos hinos nacionais a um canône de duração no tempo. A legitimidade que esta associação criminosa tem para intervir na partitura de cada nação é nenhuma, claro. Mas a decisão é bem reveladora do carácter fascistóide da instituição.
2 - A desgraça sob pressão.
Ao contrário de muitos outros desportos profissionais, a qualidade do espectáculo futebolístico tende a decair com o aumento da responsabilidade das partidas e do respectivo aumento de pressão sobre os jogadores e o quadro técnico das equipas. O exemplo flagrante é o deste mundial, onde assistimos a bons espectáculos na fase de grupos, mas logo que a competição começou a aquecer, ficamos 90 minutos à espera que aconteça qualquer coisa, e mais 20 minutos num aborrecimento até que tudo se resolve nos penaltis.
Seria impensável na NBA ou na NFL que os playoffs fossem pior jogados e menos espectaculares do que as épocas regulares. Até porque isso trairia as expectativas das audiências. E os desportos profissionais existem, ou deveriam existir, precisamente para transcender as expectativas das audiências.
3 - Os protagonistas.
O protótipo do ídolo do desporto rei é um mercenário egomaníaco meio amaricado com um corte de cabelo esquizofrénico e a educação de um órfão largado na selva. Durante o jogo preocupa-se basicamente com o penteado, com a namorada na bancada e com a possibilidade de enganar a equipa de arbitragem. E não, não tem que ser latino. Os grandes malcriados podem ser vampiros do Uruguai ou brutos da Holanda, génios argentinos ou maestros alemães, marginais ingleses ou bandidos do Senegal. São, na sua maior parte, diletantes, arrogantes, vaidosos, invejosos, matreiros, quizilentos, ordinários e intratáveis. E quanto mais sobem na escala do estrelato, mais ordinários e intratáveis ficam e é por isso que, regra geral, ser treinador de equipas galácticas é um emprego bastante volátil.
Em cada profissional da bola vive a nemesis de um jogador de Rugby, o mais civilizado, integro e cortês desporto já inventado (às vezes, para melhorar a minha disposição, entretenho-me a imaginar o Miguel Veloso num treino da selecção neo-zelandesa).
Ainda por cima, o futebolista acha que a sua performance profissional se esgota nos jogos e nos treinos. Não entende que tem que ser também um comunicador minimamente competente. Abre excepções para a milionária actividade publicitária, mas as relações com a imprensa são vistas como uma obrigação a que não devia ser sujeito. É algo a que é obrigado, mas que não define a sua qualidade como intérprete do jogo. Isto é um erro crasso e é por isso que a qualidade do discurso mediático é sempre muito má, tanto em termos sintáticos como semânticos. Os comentários dos jogadores - e dos treinadores - são fórmulas decoradas e estafadas para uma mão cheia de situações possíveis. Não há um vestígio de imaginação ou irreverência ou brio profissional. Ora, convido-vos a escutarem as declarações dos ciclistas recolhidas pela Eurosport antes da partida para cada etapa do Tour. Estrelas da dimensão de Valverde ou Froom aceitam a tarefa com cortesia, espírito e respeito pelas audiências, tentando sempre sair da banalidade e do lugar comum. Isto já para não falar outra vez dos desportos profissionais americanos, em que o atleta sabe bem que a conferência de imprensa faz parte do seu âmbito profissional e é também avaliado pela sua prestação na dimensão mediática e, assim, comporta-se de acordo com altos níveis de exigência. Nunca é uma chatice ouvir Lebron James ou Greg Popovich, apesar do carismático treinador dos San Antonio Spurs, actuais campeões da NBA, ter a reputação de ser um homem de poucas palavras.
4 - Os comentadores.
Em Portugal, talvez por causa do sucesso de Mourinho, a imprensa decidiu que o futebol é um desporto eminentemente táctico. Ora, eu não quero ser um chato, mas o futebol não é, nem deve ser nada disso. Pelo contrário. O futebol é uma espécie de droga dura porque é uma modalidade de grande exuberância estética, tem regras simples, depende imenso do esforço colectivo (de entre as principais modalidades de realização colectiva é das que exige um maior número de jogadores por equipa) e, apesar de ser de difícil execução técnica (é jogado com os pés), pode ser interpretado por toda a gente que tenha duas pernas. É muito fácil a um simples mortal identificar-se com o seu Deus de eleição quando este cruza a bola para a área.
O futebol é estamina. É determinação. É jeitinho. É harmonia. Não é 4-4-2 para fazer campo pequeno e diminuir o espaço entre as linhas e 4-3-3 para fazer campo grande e dar mais largura ao ataque. Quero que se foda o campo grande e o campo pequeno. Quero é ver o James Rodriguez marcar aquele golaço contra o Uruguai!
Hoje em dia, ouvir os comentadores a falar sobre um jogo de bola é tão aborrecido como um seminário sobre o diagnóstico e o tratamento da lombalgia em atletas de alta competição na Faculdade de Ciências do Desporto. Dissecam o jogo de tal forma, reduzem-no de tal maneira aos aspectos técnicos (científicos!) e às vertentes racionais, que não sobra tempo de antena nenhum para a glória, a paixão, a arte e a transcendência do futebol.
Recorro de novo ao bom exemplo dos desportos profissionais nos Estados Unidos: o relato e o comentário de um jogo de futebol americano é, invariavelmente, de uma qualidade que está a anos-luz do que conseguimos ter em Portugal. Os jornalistas são articulados e espirituosos, sábios e carismáticos. Têm um conhecimento profundo das virtudes do jogo e estão apaixonados por ele. E atenção: o futebol americano - esse sim - é um desporto muitíssimo complicado, super táctico, super cifrado, com regras extensas e complexas, dados estatísticos intermináveis, equipas técnicas vastas e altamente especializadas; interpretado por super-homens de dois metros e cento e trinta quilos que fazem os cem metros em menos de dez segundos. Nem todo o americano serve para aquilo mas não é preciso jogar o jogo para amá-lo, porque existem uns tipos muito qualificados para explicar a coisa e espalhar o amor.
Cada vez que oiço o Bruno Prata, fico a gostar um bocadinho menos de futebol.
5 - A arbitragem.
Uma das marcas negras deste Mundial, a arbitragem está para o futebol como a justiça militar está para a justiça. Não se percebe como é que vão passando as décadas e nada de significativo se faz para substituir o erro humano (e a corrupção, também), por uma merda de um sistema tecnológico que salvaguarde a verdade desportiva.
O sistema da linha de golo inaugurado no Brasil é bem vindo, mas é tardio e há muito mais a fazer (da monitorização electrónica dos fora-de-jogo à verificação dos lances na grande área por monitor televisivo, etc., etc.). A única desculpa aceitável para não melhorar o juízo do jogo seria a de não existirem soluções tecnológicas. Mas estas existem, de forma abundante e barata, desde os anos 80 do século passado.