quarta-feira, maio 29, 2019

Auto-stops ao contrário.

Se o fisco pode recrutar a GNR para fazer auto-stops de cobrança coerciva das dívidas ao Estado, os cidadãos também deviam poder, por maioria de razão e na justa medida, recrutar a mesmíssima força militar para cobrar coercivamente as dívidas do Estado.

Sim, a GNR também devia montar estaminés nas auto-estradas deste país, de radar alerta para a passagem dos topo de gama em que se deslocam veloz e confortavelmente os altos quadros das entidades públicas desta República, de forma a que:

a) Recebam imediatamente o produto das suas facturas as empresas e os empresários em nome individual que costumam receber do Estado dentro de prazos que desobedecem flagrantemente ao que é estipulado pela lei;

b) Sejam prontamente ressarcidos os contribuintes que andam há anos e anos a pagar a corrupção, a incompetência, a incontinência ética e a desonestidade escandalosa do sector bancário (público e privado); que andam há anos e anos a pagar a torpe avidez de ministros, consultores, advogados e outros muitos abutres do Estado; que andam há anos e anos a pagar as comissões nacionais para isto e para aquilo e que só servem para empregar militantes dos partidos do arco do regime; que andam há anos e anos a serem triturados pela burocracia dos serviços públicos, mal tratados pelo serviço nacional de saúde, injustiçados pelo aparelho judicial e espoliados pela máquina fiscal, a única inventada em toda a história de Portugal que de facto funciona tão bem ou melhor que um motor Mercedes.

c) Aufiram em tempo real de compensações fiduciárias os eleitores que, nas últimas 4 décadas, foram aliciados com vãs promessas de prosperidade e de competência e de responsabilidade e de sentido de estado e de amor à pátria e que, ao invés, foram apenas sujeitos à falácia, ao engano, à aldrabice, à ganância, à traição e à conjura da oligarquia que de facto reina sobre este miserável, lamentável, inexplicável país;

d) Encaixem já verbas indemnizatórias aqueles que foram penhorados sem apelo; aqueles que foram paralisados na possibilidade da iniciativa económica; aqueles que foram e são insanamente taxados, multados, controlados, manipulados; aqueles a quem o Estado português, essa grande e disfuncional indústria do clientelismo mais grosseiro, esse monstro retrógado e simplex de complicações, prejudicou em absoluto, material ou imaterialmente.

No dia em que o Estado for uma pessoa moral, pode fazer os auto-stops que quiser. Até lá, quem deve fazer parar esta merda toda somos nós, os portugueses que tentam viver com decência e com um mínimo de sentido ético, apesar da constante, intrusiva, cigana e maquiavélica presença do Estado em cada mínimo detalhe das nossas vidas.

terça-feira, maio 28, 2019

A ilha do dia da minha morte.

Há qualquer coisa de terminal no rock dos Island, que me arrepia um bocadinho. Estou nas primeiras audições destes jovens rapazes e ainda não tenho uma opinião completamente formada. Mas já sei o suficiente para dizer que bombam um rock clandestino, mas tradicionalista, que é sofrido e é histriónico, que é puro. Como uma ilha num mar defunto.



Island . The Day I Die

Much ado about nothing.

Políticos e jornalistas e comentadores de toda a selvagem espécie fizeram uma festa de arromba, a propósito das eleições para o Parlamento Europeu. Que esta inútil e impotente assembleia constitua apenas a prova provada que a União Europeia não é uma democracia, não lhes reduziu o ânimo lúdico. Que na verdade ninguém os estivesse a ouvir, também não lhes pareceu uma variável pertinente. São turbas festivaleiras, em negação. E fizeram o festival na mesma, como se nada fosse. Na altura de disparar o fogo de artifício, não pesou o pesado facto de que apenas 31,3% dos eleitores registados terem perdido um tempinho para ir votar no mais inútil dos organismos eleitos desde que Cícero entregou o Senado a Júlio César.

Uma república que vive com este nível de abstencionismo, é uma anedota, claro; uma trágica comédia de enganos. Se retirarmos os militantes dos partidos que foram a votos (só o PS registava até há bem pouco tempo 120.000), bem como os civis que vivem à conta dos partidos ou do regime, o que é a mesma coisa, chegamos rapidamente à conclusão que muito poucos cidadãos nacionais estavam interessados nesta eleição. E se subtrairmos ainda os que votaram em partidos anti-europeístas, concluímos com algum acerto matemático que os portugueses que acreditam seriamente na União Europeia, tão seriamente que perderam 15 minutos para ir votar, devem ser não mais que um milhão, num universo de 8,5 milhões de eleitores.

A ausência de uma ideia original que fosse também deve ter contribuído para desertificar as assembleias de voto. Dou um exemplo: o bom do Nuno Melo achou que o melhor slogan que podia colocar, para sublinhar a sua carinha laroca nos outdoors 8x3 que poluem loucamente o horizonte urbano nestas épocas eleitorais, foi "A Europa é Aqui". A sério? É mesmo aqui? Uau, é espectacular essa localização da Europa. E então? E não há um jornalista que pergunte ao bom do Nuno: ok, ok, a Europa é aqui, sim senhor. Mas de que Europa é que estás a falar? Da Europa de Angela Merkel ou da Europa de Helmut Kohl? Da Europa de fronteiras abertas ou fechadas ou mais ou menos? Da Europa fascista, censora, alienada, dividida? Da Europa das elites burocráticas que normalizam comportamentos, policiam o pensamento, alteram e adulteram as culturas nacionais? Da Europa que traz desenvolvimento infra-estrutural ou da Europa que legisla sem mandato? Da Europa que tem impedido a guerra ou da Europa que transformou Paris numa barricada?

O problema é que estas não são matérias apelativas para as luminárias do circo mediático e as oligarquias estadistas. O que pretendem descaradamente é despir tudo de significado e ficarmos só com a farra pela farra. O que interessa é fazer render a feira, manter o rei nú, mesmo que toda a gente já tenha percebido há muito tempo que sua majestade traz as partes à mostra. The show must go on.

O que não faria Shakespeare com este espectáculo decadente.

sexta-feira, maio 24, 2019

É por estas e por outras que a guitarra eléctrica

é uma das mais geniais invenções da história da humanidade.

Watch as Game Of Thrones creator Dan Weiss, Tom Morello of Audioslave/Rage Against The Machine, Scott Ian of Anthrax, Nuno Bettencourt of Extreme, Brad Paisley, and Game Of Thrones composer Ramin Djawadi shred on the all-new Sigil Collection Guitars from The Fender Custom Shop. 



The Game Of Thrones Theme Song | Custom Shop | Fender

quinta-feira, maio 23, 2019

Só para que fique claro:

Qualquer presidente de qualquer República deve estar preparado para fazer públicas as suas contribuições tributárias: Trump como Obama. Obama como Merkel. Merkel como Macron. Macron como Maduro e Maduro como Lula e Lula como Miguel Díaz-Canel e Miguel Díaz-Canel como Putin e Putin como Xi Jinping e Xi Jinping como Kim Jong-un e assim sucessivamente. Todos eles não podem nem devem ter grande coisa a esconder. E se têm algo a esconder, a opção pela política foi um erro técnico - que o tempo real não perdoa; e moral - que a história vai condenar. Desde a remota e gloriosa época de Sólon que a integridade contributiva é objectivamente essencial para um condutor de causas públicas. Se não tens essa virtude, não te é dado esse poder.
Faz sentido. Mas só se o bom princípio for aplicado, de igual forma, a toda a gente. Caso contrário, é o desastre. O decaimento para um novo fascismo.

quarta-feira, maio 22, 2019

Sobre a responsabilidade da síntese.

A canção é curta, mas é santa.
E a culpa é da Samantha:



James Veitch . I'll text you

Morreu um vencedor.

Niki Lauda morreu ontem. Perdemos o homem, o cavalheiro, o competidor, o perfeccionista intransigente, um dos melhores pilotos de corrida já inventados por deus e seguramente o mais corajoso de todos. Ficamos agora na posse do seu legado. É isso que ganhamos. É isso que devemos honrar.



Aufwiedersehen, Niki. Vielen dank.

Elogio da bateria.

Não sou um fã de automóveis eléctricos, nem pouco mais ou menos, mas este comercial da Audi consegue ser poderoso, mesmo para a minha sensibilidade de petrolhead.

À atenção do Sr. Papa.


Caro Senhor Papa Francisco: acredito completamente que sua sumidade não tenha sobre este secundário assunto a necessária informação, mas acontece neste preciso e contemporâneo momento que centenas de milhar de cristãos estão a ser afincadamente perseguidos, estão a ser injustamente aprisionados e estão a ser miseravelmente chacinados, por todo o lado do mundo. O meu caro senhor vive preocupado com outras serenas preocupações, como todo o penitente com uma conta de facebook sabe muito bem. Mas será talvez uma boa ideia, no sentido da sustentabilidade do pontífice disfarce, fingir que a perseguição e o aprisionamento e a chacina de cristãos, pelo simples facto de serem cristãos, constitui uma, mesmo que marginal, arrelia do Sr. Papa. E desejar fervorosamente que o Sr. Papa, em franciscana medida, diga publicamente duas ou três misericordiosas palavras em favor destes povos molestados, que são do seu rebanho e de sua última responsabilidade, não é pedir muito.

Pois não?

Sobre a complicação da palavra "parabéns" e da gratidão que provoca.

Sou um gajo completamente aéreo e até algo diletante, de tal forma que me esqueço frequentemente dos aniversários das pessoas que amo. Por isso, e por uma multitude de outras razões, fico invariavelmente constrangido quando recebo parabéns. Sejam os parabéns porque faço anos ou os parabéns porque ganhei uma campanha ou os parabéns porque fui, por uma vez, uma pessoa como deve ser ou os parabéns porque tive muita sorte com a mãe que me pariu e educou ou em ser escolhido pela mulher com que sou casado ou pela sobrinha que fica arrepiada com as minhas opiniões políticas, mas que sabe bem que tem um tio à séria até que ele morra, ou pelos amigos que têm paciência para me aturar (fui abençoado com alguns muitos). Pode parecer falsa modéstia - ou simetricamente uma presunção - mas dentro de mim há sempre um aviso de letras vermelhas que diz: "não tens que receber parabéns. Ainda não te mostraste digno de seres celebrado". E aos 52 anos, o aviso continua, teimoso e certo, a bombar loucamente nos meus tímpanos de razão pura.
Ainda assim, tenho que agradecer a todos os que se lembraram do dia remoto em que nasci (mesmo que tenha sido o Facebook a lembrar-se, porque tiveram a gentil diligência do recado - coisa que amiúde me falha).
Tenho que agradecer também ao José Luis Tamissa pelo carinho com que sempre me recebe, onde quer que esteja a trabalhar e, claro, ao grande senhor Américo Vinagre e a toda a gente no Derby Restaurante Bar: aceitem todos um abraço apertado, afectuoso e humilde de um amigo que, sendo aparentemente alienado, pretende cumprir a vida com lealdade e gratidão.
Hoje fui objecto de uma quantidade enorme de carinhos que nem sei, na verdade, se mereço. Muito e muito obrigado, malta.

terça-feira, maio 21, 2019

A ciência reduzida a cinzas.

Abaixo do ponto zero da arte, está em negativos o discurso científico contemporâneo. Sabemos realmente muito pouco sobre a natureza e a geografia da matéria, mas temos a certeza de duas coisas (e de mais nenhumas): Deus não existe. E a actividade humana, como objecto libertador de dióxido de carbono, vai conduzir a um muito rápido e sempre adiado extermínio zombie.
O patético Bill Nye faz de prova do que estou a escrever, no tribunal da razão prática:



A qualidade do discurso não é bem de ordem académica, pois não? O senhor até na verdade parece drogado ou stressado ou doente de alguma maneira. Ainda assim, esta delirante e meio ordinária figurinha apresenta-se mediaticamente como "The Science Guy".

Se isto é ciência, a ciência morreu.

quinta-feira, maio 16, 2019

Serviço de despertar.

Os Said The Whale, uma banda companheira deste blog, voltam a atacar com "Cascadia", que é uma espécie de despertador dos sentidos. Para ouvir enquanto fazemos o café da manhã.



Said The Whale . Wake Up

terça-feira, maio 14, 2019

Como é que o DNA se replica?

Graças ao Walter and Eliza Hall Institute e ao talento de Drew Berry, temos finalmente uma representação decente e rigorosa do mundo molecular. No momento em que marquei o início do vídeo assistimos ao processo de replicação do DNA: as proteínas organizam-se de forma supercomplexa para duplicar estruturas bio-químicas supercomplexas. Portanto, sem proteínas não são criadas mais proteínas e assim, de onde é que vieram as primeiras proteínas? Hum?

 

sexta-feira, maio 10, 2019

O horrível estado da arte no Século XXI.

A Bienal de Veneza, já de si uma espécie de feira de horrores, vai ser presenteada este ano, em nome de Portugal, com a presença equívoca da escultora/instaladora/decoradora de áreas cimentadas Leonor Antunes, a quem o Público dedicou recentemente meia capa da sua versão impressa (e depois queixam-se que não vendem jornais).

O Público fez isto mais porque Leonor Antunes é uma querida da imprensa por ter bombasticamente afirmado que não representaria Portugal em Veneza se o governo da República fosse de direita. A meia capa é política, claro, porque a arte da Leonor Antunes por si só, sem as suas opiniões políticas, não é mais que isto aqui:

Num país sério, não seria Leonor Antunes a estabelecer limites ao seu patriotismo, mas a pátria a negar-lhe qualquer procuração. Não que o trabalho desta autora seja completamente despido de interesse. Conseguimos ler uma componente gráfica interessante e trata-se de um esforço experimental que será talvez pertinente na disciplina da arquitectura de interiores. Mas não vale pela representação de um País numa feira de artes, porque desobedece a imensos critérios que utilizamos para identificar uma obra de arte. Não é belo nem promove a consolação. Não comunica transcendência. Não resistirá à crueldade do tempo. Não faz perguntas nem apresenta respostas. É uma estrutura que está ali e pronto:


As instalações de Leonor Antunes enquadram-se numa perversa e pós-moderna filosofia da arte que a desvaloriza ao ponto do absurdo. Desafio o paciente leitor a retirar de uma destas duas composições um qualquer significado. Um qualquer ensinamento. Um qualquer momento de génio, de espanto, de inspiração. Onde raio está a glória disto?

Jordan Peterson, com a sua eloquência de sempre, expõe lindamente, em apenas 7 saborosos minutos, a falácia do pós-modernismo e a destruição que criou e cria na cultura ocidental.


Lamentavelmente, a arte da segunda década do Século XXI permanece aprisionada à segunda década do século XX, quando o insustentável Marcel Duchamp fez isto e considerou que isto era a sua obra-prima:




Sendo uma das mais célebres provocações da epistemologia da arte, isto não é obra prima nenhuma, claro está. Isto é precisamente o oposto: é propaganda, é iconoclastia, é uma brincadeira de mau gosto, é um escatológico manifesto. Mas não nos leva a lado nenhum, no labirinto da existência, pois não? Esta latrina não faz de mim nem de si, caro leitor, pessoas mais sensíveis ou inteligentes. Não experimentamos os dois, estou certo, qualquer vestígio de êxtase: somos meramente submetidos a um exercício básico e pueril de disrupção. Não é através do recurso a este estranho ideal que se edifica a posteridade. O que é feio não tem nem nunca terá futuro. O que é banal não se imortaliza. E sem significado que lhe dê substância metalínguística, a produção pretensamente artística produz apenas objectos. Coisas inanimadas que perdem rapidamente a sua frívola e efémera função. A latrina de Duchamp, é verdade, resistirá na memória colectiva durante mais uns séculos. Mas menos como objecto artístico do que como anedota contada entre críticos.


Hoje em dia pode ser doloroso passear por um museu de arte contemporânea, no Ocidente. Podemos sempre ser insultados por esses objectos inanimados que estão lá porque lá estão e é assim, como as instalações da Leonor Antunes, ou por coisas estética e eticamente deploráveis como a latrina de Duchamp ou esta impropriedade tirada do conjunto de disparates pavorosos a que o bandido Berardo decidiu chamar Colecção. É mais que visível, para quem não tem graves problemas oftalmológicos ou dependência ideológica extrema, que os outrora nobres ofícios da pintura, da escultura, da literatura, da música, do cinema, do teatro e da arquitectura apresentam um declínio arrepiante, ao ponto de podermos falar hoje em dia na extinção das artes, como as conhecíamos há cem anos atrás.

Diga-me, querida leitora, que obra-prima produzida neste século pode apresentar para contradizer esta minha impressão? Que grande génio escultor conhece, que lhe seja contemporâneo? Que edifícios vê nascer, na sua cidade, que prometam uma ideia utópica, que proponham um valor universal, que sejam capazes de permanecer vivos e belos sobre as gerações? De que pintor não perde uma exposição? Quando foi a última vez que sentiu o poder comunicacional, a força redentora, o brilho único de um artista do seu tempo? Fale-me por gentileza de um compositor nascido nos últimos 50 anos cuja obra será tocada nos salões eruditos do século vinte e sete? E tente eleger um filme que tenha sido realizado nos últimos dez anos para uma lista dos melhores cem filmes de sempre (lembro que Gran Torino, a sublime pièce de résistance de Eastwood, foi produzido em 2008, pelo que não faz parte do leque disponível).

Estas coisas não acontecem por acaso. Acontecem porque nós, os herdeiros da mais brilhante, da mais inspirada, da mais produtiva civilização da história universal dos símios, permite que assim aconteça. Já não há picassos porque ninguém está preocupado com a súbita ausência de picassos. Parece que, para além da religião, também passamos bem sem a arte.

Desenganem-se.

quinta-feira, maio 09, 2019

Infelizmente, a genialidade não é uma constante universal.

Bear's Den. Sou apaixonado por esta banda. Acontece que o último disco deles, "So That you Might Hear Me" é uma merda completa. Parte-se-me o coração em montes de acordes falhados de cada vez que oiço estas dez músicas inconseguidas. Mas não deixo de os amar por causa de uma obra menor. O génio é inconstante e a vida é comprida. E enquanto espero por uma próxima tentativa na senda da grandiosidade perdida, deixo aqui um clip de um tema menos mau - mínima consolação para um fã incondicional.



Bear's Den . Laurel Wreath

O fim de uma era, em Anfield Road.



Ontem, o Liverpool fez história. E nunca como ontem o refrão do famoso tema dos Gerry & the Pacemakers fez tanto sentido. Mais que o talento técnico ou a inspiração táctica, foi a vontade de ganhar, a disponibilidade para lutar, para correr, para recuperar, estruturada no ancestral sentido mítico do clube inglês e da sua massa adepta, que permitiu a remontada incrível.

A triste prestação do Barça, que não chega a uma final da Liga dos Campeões desde a época de 2014/15 e que já na temporada passada sofreu uma humilhante eliminação nos quartos de final (outra remontada: a Roma ganhou em casa 3-0 depois de ser goleada no Nou Camp por 4-1), é reveladora do fim de uma era. Messi está na conclusão da sua carreira e o famoso Tiki-Taka já não apresenta os mesmos resultados de há dez anos atrás.

E ainda bem. Sempre achei o futebol de cento e cinquenta passes por jogada super enfadonho. E não tenho mesmo simpatia nenhuma pelo clube Catalão, como não tenho simpatia nenhuma pela Catalunha e pelos seus insuportáveis habitantes.

O também inesperado resultado da outra meia final vai colocar frente a frente dois clubes ingleses no combate pelo título máximo do futebol de clubes, o que só aconteceu uma outra vez na história da competição (Man United vs Chelsea em 2007/2008). Esta é outra boa notícia, porque nos dias que correm, só mesmo o futebol inglês é que, aqui e ali, contraria a tendência para o aborrecimento e a corrupção generalizada.

Tenho só pena que o Ajax, a excepção à regra definida no anterior parágrafo, não tenha chegado à final. Os rapazes de Amsterdão jogam um futebol realmente enebriante.

quinta-feira, maio 02, 2019

Cuidados a ter com Immanuel Kant.



A editora Wilder não foi capaz de publicar a monumental obra crítica de Kant sem um intróito politicamente correcto que é das coisas mais ridículas que alguma vez li:

"This book is a product of its time and does not reflect the same values as it would if it were written today. Parents might wish to discuss with their children how views on race, gender, sexuality, ethnicity, and interpersonal relations have changed since this book was written before allowing them to read this classic work."

Há aqui tantos disparates que uma pessoa sem mais que fazer podia escrever uma outra Crítica da Razão Pura só a propósito deste curto parágrafo. Vou tentar resumi-los.

O primeiro disparate é que a editora Wilder parece acreditar que toda a gente contemporânea tem as mesmas e obtusas opiniões sobre raça, género, sexualidade, etnia e relações interpessoais, o que é de uma falsidade chocante. Eu, por exemplo, não partilho dos mesmos valores da editora Wilder. Nem pouco mais ou menos. O meu amigo José Abel Aguiar, que me alertou para esta obscenidade, e o redactor da Open Culture que expõe o cuidado ridículo da Wilder, também não. Já somos três. Devemos ser muitos milhões.

O segundo disparate é a ideia que a obra de Kant pode ser perniciosa para os seus estudiosos. A obra de Kant é uma das grandes conquistas intelectuais da história da humanidade. Na disciplina da filosofia só terá paralelo em Platão e em Nietzche. Não faz mal nenhum ler o génio de Königsberg, pelo contrário. E, que se saiba, nunca ninguém cometeu uma atrocidade em nome do seu monumental esforço crítico. Entre generais e terroristas, ditadores e genocidas, assassinos e traficantes de droga, polícias e ladrões, não há quem tenha utilizado o idealismo de Kant como justificação para a barbárie. E também desconfio que o Ku Klux Klan não refere os Prolegómenos a Toda a Metafísica Futura no seu manifesto de intenções.

O terceiro disparate é considerar que o jovem leitor de Kant deve ser sujeito a um aviso prévio dos seus pais sobre os perigos de semelhante literatura. Num ambiente cultural que oscila entre a pornografia e os heróis da Marvel, submeter um filho à prosa do filósofo alemão, sem uma conveniente lavagem cerebral, parece consubstanciar um risco inaceitável. Acresce que é precisamente este tipo de falsa protecção das criaturas infantes que tem produzido nas últimas décadas gerações de snowflakes, figurinhas hiper-sensíveis a tudo e a mais alguma coisa, radicalmente avessas à opinião discordante, completamente impreparadas para os conflitos da vida, as contradições da filosofia e as desgraças do destino.

O quarto disparate é julgar o discurso de Immanuel Kant à luz dos valores contemporâneos, sejam eles quais forem. Este é um síndroma recorrente nos malditos dias que correm e só é explicável pelo triunfo da imbecilidade endémica e da total ausência de sentido histórico que imperam um pouco por todo lado, nas universidades, nas redes sociais e na imprensa. Atrevo-me a considerar que, felizmente para Kant, os valores da sua época eram menos fascizantes do que são agora, caso contrário não tinha conseguido publicar uma linha que fosse.

O quinto disparate está na infeliz ideia de que os jovens devem ser poupados a escolas de pensamento que não reflectem o mainstream contemporâneo. Primeiro porque a escolástica contemporânea é de uma pobreza constrangedora (enumerem-me, por favor, cinco grandes filósofos do período 1945-2019), depois porque a aprendizagem da filosofia, como bem ensinava Sócrates, faz-se muito frequentemente através do exercício dialéctico e da exposição ao contraditório.

O sexto disparate consiste na pretensão de que os valores actuais mudaram substancialmente desde que Kant escreveu a sua monumental Crítica. No confortável edifício da sede da Wilder, na Virgínia, é capaz de ser certo que o quadro sistémico do século XVIII alemão esteja um bocado datado. Mas calculo que mais de um terço da humanidade viva hoje num ambiente cultural, económico e social que não faz justiça aos direitos, liberdades e garantias do iluminismo europeu. Basta registar que na Índia vivem 1.3 biliões de pessoas subjugadas ao niilismo genético das castas.

O sétimo disparate é o acto censório que nem sequer é velado: a leitura de Kant implica um controlo parental que é, claro, de ordem eminentemente autoritária e que conduz inevitavelmente a um maniqueísmo assustador. Se o jovem académico precisa de autorização para ler Kant, precisará seguramente de preencher um formulário pidesco para ler todo o resto da filosofia ocidental. No momento em que Kant se torna perigoso, que classificação atribuir a Stirner, Proudhon, Marx, Nietzsche, Schopenhauer, Heidegger? E se desejarmos condicionar os nossos filhos às ideias sobre género, sexualidade, raça e etnia da editora Wilder, como é que podemos permitir que leiam os filósofos da antiguidade clássica?

A solução limpinha é proibir isso tudo. Incendiar as bibliotecas, porque não? A Amazon, que domina o mercado livreiro na América, já começou a trabalhar nesse sentido. E ainda há pouco tempo escrevi aqui no blog sobre outras intenções totalitárias e arrepiantes deste género.

Hoje em dia, toda a gente que não repete a tabuada moral das políticas de identidade será racista, sexista, fascista e - de uma maneira geral - uma má pessoa. Neste sentido, Kant é um gajo horrível.

Por amor de Deus.