A Bienal de Veneza, já de si uma espécie de feira de horrores, vai ser presenteada este ano, em nome de Portugal, com a presença equívoca da escultora/instaladora/decoradora de áreas cimentadas Leonor Antunes, a quem o Público dedicou recentemente meia capa da sua versão impressa (e depois queixam-se que não vendem jornais).
O Público fez isto mais porque Leonor Antunes é uma querida da imprensa por ter bombasticamente afirmado que não representaria Portugal em Veneza se o governo da República fosse de direita. A meia capa é política, claro, porque a arte da Leonor Antunes por si só, sem as suas opiniões políticas, não é mais que isto aqui:
Num país sério, não seria Leonor Antunes a estabelecer limites ao seu
patriotismo, mas a pátria a negar-lhe qualquer procuração. Não que o trabalho desta autora seja completamente despido de interesse. Conseguimos ler uma componente gráfica interessante e trata-se de um esforço experimental que será talvez pertinente na disciplina da arquitectura de interiores. Mas não vale pela representação de um País numa feira de artes, porque desobedece a imensos critérios que utilizamos para identificar uma obra de arte. Não é belo nem promove a consolação. Não comunica transcendência. Não resistirá à crueldade do tempo. Não faz perguntas nem apresenta respostas. É uma estrutura que está ali e pronto:
As instalações de Leonor Antunes enquadram-se numa perversa e pós-moderna filosofia da arte que a desvaloriza ao ponto do absurdo. Desafio o paciente leitor a retirar de uma destas duas composições um qualquer significado. Um qualquer ensinamento. Um qualquer momento de génio, de espanto, de inspiração. Onde raio está a glória disto?
Jordan Peterson, com a sua eloquência de sempre, expõe lindamente, em
apenas 7 saborosos minutos, a falácia do pós-modernismo e a destruição
que criou e cria na cultura ocidental.
Lamentavelmente, a arte da segunda década do Século XXI permanece aprisionada à segunda década do século XX, quando o insustentável Marcel Duchamp fez isto e considerou que isto era a sua obra-prima:
Sendo uma das mais célebres provocações da epistemologia da arte, isto não é obra prima nenhuma, claro está. Isto é precisamente o oposto: é propaganda, é iconoclastia, é uma brincadeira de mau gosto, é um escatológico manifesto. Mas não nos leva a lado nenhum, no labirinto da existência, pois não? Esta latrina não faz de mim nem de si, caro leitor, pessoas mais sensíveis ou inteligentes. Não experimentamos os dois, estou certo, qualquer vestígio de êxtase: somos meramente submetidos a um exercício básico e pueril de disrupção. Não é através do recurso a este estranho ideal que se edifica a posteridade. O que é feio não tem nem nunca terá futuro. O que é banal não se imortaliza. E sem significado que lhe dê substância metalínguística, a produção pretensamente artística produz apenas objectos. Coisas inanimadas que perdem rapidamente a sua frívola e efémera função. A latrina de Duchamp, é verdade, resistirá na memória colectiva durante mais uns séculos. Mas menos como objecto artístico do que como anedota contada entre críticos.
Hoje em dia pode ser doloroso passear por um museu de arte contemporânea, no Ocidente. Podemos sempre ser insultados por esses objectos inanimados que estão lá porque lá estão e é assim, como as instalações da Leonor Antunes, ou por coisas estética e eticamente deploráveis como a latrina de Duchamp ou esta impropriedade tirada do conjunto de disparates pavorosos a que o bandido Berardo decidiu chamar Colecção. É mais que visível, para quem não tem graves problemas oftalmológicos ou dependência ideológica extrema, que os outrora nobres ofícios da pintura, da escultura, da literatura, da música, do cinema, do teatro e da arquitectura apresentam um declínio arrepiante, ao ponto de podermos falar hoje em dia na extinção das artes, como as conhecíamos há cem anos atrás.
Diga-me, querida leitora, que obra-prima produzida neste século pode apresentar para contradizer esta minha impressão? Que grande génio escultor conhece, que lhe seja contemporâneo? Que edifícios vê nascer, na sua cidade, que prometam uma ideia utópica, que proponham um valor universal, que sejam capazes de permanecer vivos e belos sobre as gerações? De que pintor não perde uma exposição? Quando foi a última vez que sentiu o poder comunicacional, a força redentora, o brilho único de um artista do seu tempo? Fale-me por gentileza de um compositor nascido nos últimos 50 anos cuja obra será tocada nos salões eruditos do século vinte e sete? E tente eleger um filme que tenha sido realizado nos últimos dez anos para uma lista dos melhores cem filmes de sempre (lembro que Gran Torino, a sublime pièce de résistance de Eastwood, foi produzido em 2008, pelo que não faz parte do leque disponível).
Estas coisas não acontecem por acaso. Acontecem porque nós, os herdeiros da mais brilhante, da mais inspirada, da mais produtiva civilização da história universal dos símios, permite que assim aconteça. Já não há picassos porque ninguém está preocupado com a súbita ausência de picassos. Parece que, para além da religião, também passamos bem sem a arte.
Desenganem-se.