quarta-feira, dezembro 22, 2010



Muito deve a Portugal a História Universal.

O romano desdenhava do povo
Que não sabia ser gerido.
E o castelhano deu sempre um novo
Alento ao ódio mantido.

Mas que diria o vil cronista,
Se este Portugal de nobres reis
Tivesse demorado a reconquista
Até ao Século Dezasseis?

Muito deve a Portugal a História Universal.

Imaginem que Camões, equivocado,
Por desgraça nascia em Zurique,
Ou que o Pessoa, azarado,
Visse primeira luz em Reijkiavic.

Nem espanto haveria no fado
Ou consolação no alambique,
Se Vasco da Gama caísse naufragado
Ao largo de Moçambique.

Muito deve a Portugal a História Universal.

Considerem por momentos o efeito
Caótico, o preceito imundo:
Leopoldo o belga, Príncipe Perfeito,
na vez de D. João Segundo.

Outrossim, o Brasil do índio e da minhota,
País tropical, informal em calção,
Trocando piropos na língua de Goethe,
Trauteando, por deus, o samba em alemão!

Muito deve a Portugal a História Universal.

Não houvera o santo português navegado
Até àquela última e antípoda milha
E o japonês nem saberia dizer obrigado,
Eterno mal criado no exílio de sua ilha.

Sem Portugal, não teria quem espoliar
O britânico, nem digestivo p'ra depois do coito.
Ao francês, faria falta quem fosse limpar
O vomitado do Maio de Sessenta e Oito.

Muito deve a Portugal a História Universal.

Como se não bastasse dar guarida
Aos conhecedores da boa mesa
(Não seria bem mais triste a vida
Sem o cozido à portuguesa?),

Ainda fomos salvar a Europa
Da constipação ética
De ter a Oeste o martelo e a tropa
De uma república soviética.

Muito deve a Portugal a História Universal.

E não será oneroso para todos nós,
Não será até um dispêndio alarve,
Aturar godos, bifes e esquimós
Nas praias do Algarve?

Feitas as contas, o saldo analítico
Demonstra por resultado esta penhora:
Estamos a pagar desde o Paleolítico
O que pedimos ao FMI agora.

Muito deve a Portugal a História Universal.

Vista a filosofia sob o prisma rotundo
Do nosso maravilhoso umbigo,
Para além de dar mundos ao mundo,
Convenhamos, Portugal é amigo.

Pensem nisto vossas mercês,
Se não há razão no que digo:
O Pai Natal é Português
E o Português é amigo.

segunda-feira, novembro 01, 2010

As actuais prioridades da NASA, ou outro contributo para o entendimento do declínio da civilização ocidental.


Tenho contado este episódio a amigos meus e ninguém acredita em mim. Pois bem, o testemunho do actual director da NASA, que, muito bem mandado por Obama, estabelece como primeira prioridade desta instituição a partilha da tecnologia aeroespacial com o mundo árabe, está aqui, para todos verem que não minto (são só dois minutinhos de uma experiência aterradora):

Como é que é possível termos chegado a este ponto?

quinta-feira, outubro 28, 2010

A deserção como virtude #3


A deserção como virtude #2

Tenho a declarar que desisti do meu país.
Sou agora e para sempre um homem sem nação, razão e raiz.
Quero lá saber, desertei, desisti de vez
de carregar e trazer comigo a história e o perigo de ser português.

Tenho a declarar que desisti de Portugal.
Já não forço o falso orgulho, já não separo do entulho o mito viral
que outrora deu mundos ao mundo.
Escapei apátrida do calabouço, ascendi deste poço sem fundo.

Tenho a declarar que desisti do meu país.
Vomitei toda a vergonha e lavei-me da peçonha, não dá para ser feliz
neste rectângulo mal frequentado,
bordel do inferno, pesadelo moderno à beira-mar plantado.

Tenho a declarar que desisti de Portugal.
As fronteiras antigas desta Europa de brigas guardam um lamaçal
habitado por filhos da puta e foras da lei.
Afonsos, sanchos e ramalhos, ide chupar caralhos: eu desertei.

terça-feira, setembro 28, 2010

Uma preciosidade vinda directamente do paleolítico inferior:



A Whiter Shade of Pale, dos Procul Harum. Este sintetizador analógico é de veludo. E o poema está sob o efeito de uns ácidos muito poderosos. Seja como for, grande som, mesmo.

quinta-feira, setembro 23, 2010

Jornalismo transformista.

É certo que o jornalismo em Portugal é a miséria que é e toda a gente sabe que o Jornal de Notícias é uma coisa desaconselhável à brava, mas esta notícia sobre um acidente rodoviário na A4 bate todos os recordes da imbecilidade. Reparem bem no estilo rigoroso e objectivo deste parágrafo:

"Como ficou, todo estampado de costas, o atrelado tombado de lado na encosta, carga espalhada e os 12 rodados indignamente virados ao ar, o grande Scania R440, um muito possante semi-reboque, vermelho vivo, novo, parecia um Transformer que correu horrivelmente mal. Bastava ver-lhe a cara que é a sua cabina - pareceu ter levado um soco do céu: testa de vidro partida, grelha metida pelas fuças adentro, todo amarrotado como papel, um sem-número de fios e mecânicas vísceras, a escorrer, à mostra de todos. Metia dó, como um escaravelho que capota e não se pode levantar. Mas, mais do que isso, metia medo."
Custa a acreditar, mas este é o ponto a que chegámos. A notícia vem orgulhosamente assinada por um tal José Miguel Gaspar, que é certamente uma besta, embora na verdade não seja completamente culpado do dislate, na medida em que os atrasados mentais não têm culpa de serem atrasados mentais. O que pergunto é o seguinte: que raio de editor permite a publicação de um texto destes? O Jornal de Notícias é um pasquim, mas até os pasquins devem estabelecer os seus limites e é para isso que existem editores e sub-editores e coordenadores e supervisores e revisores e o diabo que os carregue, que deviam estar todos a dormir quando o triste Gaspar decidiu partilhar a sua insanidade com a triste audiência.

Anti-telejornal | Famous Last Words

"Conta-se que um poeta maldito do segundo império, Theodore Pelloquet, vagabundo e bêbedo que ficou afásico, ao tentar no seu leito de morte exprimir aos seus próximos a sua última vontade só conseguiu pronunciar a primeira sílaba: abs..., sem que se conseguisse saber se queria um copo de absinto ou a absolvição dos seus pecados por um padre."
Robert Bréchon - Estranho Estrangeiro - Uma Biografia de Fernando Pessoa
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segunda-feira, setembro 20, 2010

Anti-telejornal | Declínio e Queda da Civilização Ocidental.



Um grande momento de televisão, carregadinho de poesia, vindo directamente de um dos poucos programas de prime time que deixam as balelas do discurso politicamente correcto para os telejornais. Grande Jeremy Clarckson, estás, infelizmente, cheio de razão. Depois de abandonado o programa espacial, depois de terminado o sonho do Concorde, resta ainda aos imbecis que estão mandatados para acabar com toda a glória da civilização ocidental, a morte do automóvel.

domingo, setembro 19, 2010

Pequena e Funerária História do Canal do Panamá.



Tudo começou com a desfaçatez
da geológica deriva

que separou os continentes de vez

na era primitiva.

Para inventar a danada longitude

dos meridianos,

a Pangeia - ousada atitude -

acabou por separar os oceanos

e isso não é justo, não é certo

nem é direito.

Mesmo depois de um esperto

Magalhães passar pelo seu estreito,

ninguém se deu por satisfeito
e três anos passados, o primeiro Carlos de Espanha
encomendou aos soldados a manha

de uma passagem pelo istmo mais ao meio,
de cá para lá;
e assim nasceu, segundo creio,

a história do Canal do Panamá.


Por muito que pusesse e dispusesse

o Rei espanhol,

não havia quem rompesse

a terra por debaixo do sol

e até ao Século XIX foram defeituososos esforços forçados:
Pacífico e Atlântico permaneceram teimosos

e separados.

Houve entrementes um senhor

que inventou a máquina a vapor

para o desterro
-
- e com ela a ideia de rachar o continente

com o chiar estridente

de um caminho de ferro.

A coisa não foi para a frente
,
talvez por parecer demente

resolver a geológica deriva

com os trabalhos de uma locomotiva.

Fosse como fosse, aqui e acolá,

andava meio mundo na perspectiva

de abrir um Canal no Panamá.


Em 1878 chegaram os franceses,

esse povo ilustre de aristocratas e burgueses
,
sob a batuta de um tal Lesseps Ferdinand,

homem virtuoso e grande

que já tinha aberto, como Moisés
,
as águas no Suez.

Começaram os trabalhos e concorrentes

chegaram a mortandade e a desgraça:

A chuva corria em torrentes

e as enchentes em devassa.

Se a morte não era esta era aquela,

morriam de malária

ou de febre amarela

o operário e o pária,
o capataz e o engenheiro;
e até o cangalheiro

acabava na grande urna funerária

dos vinte mil supliciados

que por lá ficaram sepultados.

Oito anos depois de serem chegados,
os franceses que ainda estavam vivos
retiraram ateus,
retiraram necessitados
,
do vinho de Bordéus
e de anti-depressivos.

E assim continuou ao deus dará

o sonho de abrir um Canal no Panamá.

Rompe o Século XX, e com ele os americanos

iniciam a sua interminável rábula de enganos.
Theodore Roosevelt, que era um estratega,

queria por viva força retomar o escorrega

que entre os dois mares faria a união.

A Colômbia, que era na altura

quem mandava na região,

não estava porém na quadratura

dessa astuta ambição.

Perante a colombiana nega
,
Theodore Roosevelt, que era um estratega,

Convenceu uns poucos palermas panamianos

a fazerem a revolução.

E porque a Colômbia quase não ofereceu resistência

(talvez porque a americana armada
no Golfo do México se fez estacionada),

o Panamá teve a sua independência

e os Estados Unidos a sua concessão.

Assim sendo, deu-se início em 1904 à remoção
dos primeiros calhaus
para benefício das futuras naus
em trânsito comercial
e do turismo humano
à escala global.
O primeiro engenheiro-chefe desertou passado um ano,
porque estava a morrer desta vez
tanto americano
como tinha morrido o francês.
O segundo engenheiro-chefe demitiu-se passados dois,
porque o danado do mosquito
mordia homens e bois
num esvoaçar aflito
de mortes e mais mortes e depois
veio o terceiro, que acabou com o conflito,
ao drenar as águas e o atrito
da melga fatal,
agente empedernido
que infestava de insucessos o maldito canal.
No entretanto, já tinham falecido
mais uns milhares de desgraçados,
trabalhadores honestos e bandidos condenados
ao pesadelo tropical.
Ao quarto engenheiro-chefe estava a obra
em conclusão de manobra:
eclusas e comportas, elevadores e represas
contornavam as incertezas
de relevos e correntes,
se exceptuarmos os acidentes
que mataram cinco mil nativos,
mais dez mil cativos
que chegavam dos cinco continentes.
Ao rebentar das últimas cargas de dinamite
ainda morria gente de hepatite
ou de diarreia, aos contingentes
caiam todos de febre má -
muitos mais do que a história admite -
no Canal do Panamá.
A 15 de Agosto de 1914 foi inaugurado
enfim o famoso tubo ousado,
triunfo da engenharia humana sobre a força da terra
e mesmo a tempo da grande guerra!
Para fazer passar a civilização e a sua glória,
para reduzir o tamanho do mundo
e da memória,
foi preciso escavar fundo,
até à escuridão da história.
Deste então têm passado aos milhões
contratorpedeiros, cruzeiros,
paquetes e galeões;
Traineiras, escunas, petroleiros,
submarinos, fragatas, cargueiros
e porta-aviões.
É uma maravilha do mundo moderno,
é uma artéria no frémito eterno
da passagem de cá para lá;
o Canal do Panamá.

terça-feira, setembro 14, 2010

Anti-telejornal | Confúcio e os Analectos



13.25
O Mestre disse: "É fácil servir um homem de bem, mas não é fácil agradar-lhe. Tenta agradar-lhe por meios imorais, e ele não ficará satisfeito; mas nunca te exigirá nada que esteja para além das tuas capacidades. Não é fácil servir um homem vulgar, mas é fácil agradar-lhe. Tenta agradar-lhe, mesmo por meios imorais, e ele ficará satisfeito; mas as suas exigências não têm limites."

Livro do momento:



Das estreias escandalosas das obras de Schoenberg e Stravinsky, com pateadas frenéticas e cenas de pancadaria, aos ataques de mau feitio de Mahler; do triunfo do jazz às bandas sonoras de Hollywood, esta é a história da música do Século XX. Para quem quer fazer as pazes com a composição dissonante e a harmonia atonal, recomendo este grande, enorme tratado, que é de leitura muito entretida, apesar da esmagadora erudição do autor e da ambição do tema. Absolutamente imperdível.

sábado, setembro 11, 2010

Anti-telejornal | Almada segundo Viegas

A Cena do Ódio é, na minha triste interpretação da literatura portuguesa, o segundo melhor texto alguma vez escrito neste pesadelo à beira-mar. Mário Viegas leva aqui o grito de Almada Negreiros à última análise. São dez minutos, aviso. Mas são dez minutos que valem por sempre:

Da vida curta e do tamanho do tempo.

Tão curta é a vida, tão pequena
é a glória, que nem mesmo Atena
foi eterna nos dez anos de expresso
em que Ulisses fez o seu regresso.

Tão curta é a vida e tão extenso
É o espaço, que nem no imenso
Poema de Aquiles cabe o verso
Da vastidão ridícula do universo.

Tão curta é a vida, tão minimal
É o fado, que não há animal
Que viva sob a estrela do norte,
Liberto enfim da lei da morte.

Tão curta é a vida, tão fugaz
É a história, que para fazer a paz
Não chegam os dias do calendário
Nem sobram rimas ao poemário.

Tão curta é a vida, tão breve
A existência, que até a neve
D'Inverno é o orvalho de Agosto
E a lua passa como sol posto.

Tão curta é a vida, tão vasto
O caminho, que é nefasto
Percorrê-lo: ao fim da estrada
Não há deus, não há nada.

Som Bom.



Iglu & Hartly - "Violent & Young"

sexta-feira, setembro 10, 2010

Anti-telejornal | Confúcio e os Analectos



13.3 Zilu perguntou: "Se o soberano de Wei te confiasse o governo do país, qual seria a tua primeira iniciativa?" O Mestre disse: "Rectificar os nomes, sem sombra de dúvida!" Zilu disse: "A sério? Não seria um pouco exagerado? Rectificá-los para quê?" O Mestre disse: "Não passas de um rústico, Zilu! Um homem de bem nunca se pronuncia sobre aquilo que ignora. Se os nomes não estiverem correctos, a linguagem não tem objecto. Quando a linguagem não tem objecto, nenhum assunto pode ser resolvido. quando nenhum assunto pode ser resolvido, os ritos e a música definham. Quando os ritos e a música definham, os castigos e as sanções falham o alvo. Quando os castigos e as sanções falham o alvo o povo não sabe porque linhas se há-de coser. Por isso, tudo aquilo que o homem de bem concebe, deve poder dizê-lo; e tudo aquilo que diz deve poder fazê-lo. Em matéria de linguagem, o homem de bem não deixa nada ao acaso."
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Anti-telejornal | Confúcio e os Analectos



5.7. O Mestre disse: "O Caminho não prevalece. Vou meter-me numa jangada e fazer-me ao largo. Tenho a certeza que Zilu me acompanhará." Ao ouvir isto, Zilu ficou contentíssimo. O Mestre disse: "Zilu é mais audacioso do que eu. Mas onde encontraremos madeira para a nossa embarcação?"

Elegia do Manuel Maria



Ah Bocage, doce cruel menino,
Ébrio patife por destino,
Profeta versicular da tua
Desgraça:
Com uma puta nua
Nos braços, percorres os passos
Da praça.

Ah Bocage, que ainda o és,
poeta maldito da cabeça aos pés;
Azar dos azares teres nascido
Em Portugal:
Com o berço benzido
Noutro país serias mais feliz,
Animal.

Ah Bocage, saudade de Camões,
Os teus poemas são os colhões
De um filho bastardo do Homero
insano:
Tinhas talento fero
e a tua morte deu no desnorte
lusitano.

quinta-feira, setembro 09, 2010

Blogville Variações | Alfred, Lord Tennyson


The Charge of the Light Brigade at Balaklava by William Simpson (1855), illustrating the Light Brigade's charge into the "Valley of Death" from the Russian perspective.


A Carga da Brigada Ligeira


Meia légua, meia légua,
Meia légua contra os ventos
Sobre o vale da morte
Cavalgaram os seiscentos.
“Avante, Brigada Ligeira!”
"Contra os canhões!" ordenaram,
Ao encontro do vale da morte cavalgaram
Todos os seiscentos.

“Avante, Brigada Ligeira!”
Houve desânimo na fileira?
Não, mesmo sabendo que alguém
disparatara os regimentos,
Não há que levantar protesto,
Não há pensamento imodesto,
Há que dar o corpo ao manifesto:
Sobre o vale da morte
Cavalgaram os seiscentos.

Canhões à direita deles,
Canhões à esquerda deles,
Canhões em frente deles
Descarregam trovões e sofrimentos,
Ferro e fogo de mil invernos;
Corajosos cavalgaram e eternos,
Para a garganta da morte,
Para a boca dos infernos,
Todos os seiscentos.

Relampejaram os sabres descobertos,
Relampejaram todos no ar abertos,
Trespassando os canhoneiros certos,
Carregando sobre um exército
Perante o mundo de olhos atentos:
Mergulhando no fogo da bateria
Sobre as linhas rompeu a cavalaria;
Cossacos e Russos
Desbaratados pela força dos sabres
Foram separados em fragmentos.
E então podiam ter retirado, mas não,
Não os seiscentos.

Canhões à direita deles,
Canhões à esquerda deles,
Canhões atrás deles
descarregaram trovões e sofrimentos,
ferro e fogo de mil invernos,
Dos cavalos brancos caíram eternos,
Os que combateram fraternos
Atravessaram a garganta da morte,
Regressaram da boca dos infernos
Todos aqueles heróis
Que restavam dos seiscentos.

Como pode a sua glória ser passageira?
Ah, a brava carga cavaleira!
Perante o mundo de olhos atentos.
Honrem a carga cavaleira,
Honrem a Brigada Ligeira,
Nobres seiscentos.


Charge of the Light Brigade by Richard Caton Woodville (1825-1855)


The Charge of the Light Brigade


Half a league, half a league,
Half a league onward,
All in the valley of Death
Rode the six hundred.
"Forward, the Light Brigade!
"Charge for the guns!" he said:
Into the valley of Death
Rode the six hundred.

"Forward, the Light Brigade!"
Was there a man dismay'd?
Not tho' the soldier knew
Someone had blunder'd:
Theirs not to make reply,
Theirs not to reason why,
Theirs but to do and die:
Into the valley of Death
Rode the six hundred.

Cannon to right of them,
Cannon to left of them,
Cannon in front of them
Volley'd and thunder'd;
Storm'd at with shot and shell,
Boldly they rode and well,
Into the jaws of Death,
Into the mouth of Hell
Rode the six hundred.

Flash'd all their sabres bare,
Flash'd as they turn'd in air,
Sabring the gunners there,
Charging an army, while
All the world wonder'd:
Plunged in the battery-smoke
Right thro' the line they broke;
Cossack and Russian
Reel'd from the sabre stroke
Shatter'd and sunder'd.
Then they rode back, but not
Not the six hundred.

Cannon to right of them,
Cannon to left of them,
Cannon behind them
Volley'd and thunder'd;
Storm'd at with shot and shell,
While horse and hero fell,
They that had fought so well
Came thro' the jaws of Death
Back from the mouth of Hell,
All that was left of them,
Left of six hundred.

When can their glory fade?
O the wild charge they made!
All the world wondered.
Honor the charge they made,
Honor the Light Brigade,
Noble six hundred.


Officers and men of the 13th Light Dragoons who were the survivors of the charge, photographed by Roger Fenton.

Tema musical para o poema de Lord Tennison, por Kubrik. Fonte da voz off: sonibyte.com

segunda-feira, setembro 06, 2010

Anti-telejornal | A arte de ir ao teatro



"Que o arrumador não passe na frente dos outros
nem vá levar ao lugar, enquanto um actor estiver em cena.
Os que estiveram em casa que tempos a dormir, sem nada fazer,
têm que aguentar agora de pé com coragem, ou de cortar ao sono.
Os escravos que não ocupem os lugares, para que os tenha quem é livre,
Ou então que paguem o seu resgate.
As amas que tratem das criancinhas pequeninas
em casa, e não as tragam para o espectáculo.
Assim nem elas têm sede, nem as criancinhas morrem de fome,
nem vêm para aqui berrar como se fossem cabritos.
As matronas que vejam em silêncio, que riam em silêncio,
que moderem o retinir da sua voz esganiçada,
que levem para casa as suas conversas,
para não maçarem os seus maridos aqui e em casa."

Tito Mácio Plauto
(254-184 a.C.)

segunda-feira, agosto 16, 2010

Bravo Velho Oeste.



Ao contrário do que a maior parte dos bonanzas da televisão e do cinema nos querem fazer querer, os grandes heróis do velho oeste não passavam de bandidos, batoteiros, alcoólicos, psicopatas, gananciosos e débeis mentais. Wyatt Earp, provavelmente o príncipe perfeito dos pistoleiros novecentistas, liquidou impunemente mais almas que qualquer serial killer contemporâneo. Este intrépido personagem, muito bem acompanhado pela sua virtuosa família, comprava juízes, extorquía comerciantes, exercia a bigamia, impunha frequentemente a lei da bala e assim subindo na escadaria social, chegou até xerife da mais infame - e também iconográfica - cidade do Oeste americano: Tombstone.


Compincha destas aventuras e personificação do trunfo na manga, grande glória do poker, "Doc" Halliday enriqueceu a enganar os pobres de espírito que cometiam o erro fatal de se sentarem com ele numa mesa de jogo e a assassinar os outros, que ousavam ganhar.




Billy The Kid era um adolescente impertinente, ignorante e impetuoso, para quem a dúvida cartesiana se consubstanciava em cuspir no whiskey ou matar o barman. Calamity Jane não passava de uma maria rapaz com uma imaginação prodigiosa, fraca pontaria e medo do escuro. Jesse James roubava aos ricos para pagar as contas do saloon e as meninas do espectáculo.





Gerónimo - o último dos renegados - era conhecido por beber o sangue das crianças brancas, não sem que antes - demonstrando um espírito caridoso - lhes retirasse delicadamente o escalpe.



Sitting Bull, o Sioux visionário, depois de chacinar todos - mas mesmo todos - os soldados do Sétimo de Cavalaria, em Big Horn, acabou os seus dias como palhaço na grandiosa produção teatral de uma outra lenda do wild, wild west: Buffallo Bill. Este condutor de diligências, caçador feroz e batedor supersticioso, protagonista das mais inverosímeis aventuras e actor de si próprio, chegou até a receber a medalha de Honra do Congresso Americano.



By the way: a grande maioria dos duelos no velho Oeste eram travados a curta distância, com disparos à queima-roupa. A ideia do duelo ao sol, com um sacana no fim da rua e um herói no outro extremo, pode ser muito cavaleiresca, muito fotogénica e tudo isso, mas simplesmente não cola sequer com a realidade tecnológica das armas em presença.



O que sobra, porém, desta corja de foras da lei, artistas de circo e facínoras profissionais é mesmo a sua humanidade. Se são eles os eleitos da memória colectiva é precisamente pela sua crueldade, a sua fanfarronice, a sua ignorância. É precisamente por serem, afinal, heróis de carne e osso, gente parecida com a gente que existe, parte integrante da realidade ontológica que conhecemos. E é isso que faz grande e bravo o velho Oeste. O resto são fitas.

O destino segundo Kleist.



Jeronimo Rugera encontra-se preso numa cela em Santiago do Chile. Quando sabe que a sua amada fora condenada à morte, pelo adultério que num mosteiro os dois haviam praticado, desespera e pretende enforcar-se. Feitos os preparativos, sobe a um banco que coloca o seu pescoço à altura da forca e prepara-se para o impulso final quando se dá um terramoto. Perdendo o equilíbrio, Jeronimo esquece o desespero e agarra-se à corda da forca que no instante anterior o iria matar.
Mesmo quando tudo o que queremos é morrer, não queremos morrer por vontade dos deuses. Queremos morrer por livre arbítrio. Bem vindos à literatura de Heirich von Kleist.

Anti-telejornal | A utilidade do saber filosófico.


"Estudar filosofia é aprender a morrer."
Michel de Montaigne

quinta-feira, julho 29, 2010

Introdução aos Analectos.



"Podemos escutar e recolher os ensinamentos do Mestre no que se refere ao saber e à cultura, mas não há maneira de o fazer falar da natureza última das coisas nem da vontade celeste."
Queixa de um discípulo de Confúcio

É possível levarmos um homem à Lua sem nos perguntarmos pela existência de Deus.

É possível fazer ciência que reconheça os limites filosóficos da condição humana.
É possível ser moral sem saber de metafísica e é possível ser ético na ignorância da fé.
É possível fazer política sem fazer religião e é possível criar uma obra-prima que não coloque a questão do Mistério. Que não queira saber do Mistério para nada.
É possível estabelecer com rigor matemático até que ponto podemos ir, na senda da verdade.
É possível fazer silêncio sobre aquilo que não sabemos dizer.

Arde, meu país, arde.

Reduzem-se a cinza os céus por uma noite quente de Verão.
Incendeia-se de desgosto Portugal em Agosto, paróquia em procissão.
Antes que morras, meu país que foste um dia, arde em letargia.
Antes que te esqueçam em vida, arde até à morte, meu país-romaria.

Portugal para sempre demasiado tarde;
arde, meu país, arde.
Canto do mundo valente e cobarde;
arde, meu país, arde.
Arde, meu país, arde.

Que diria Camões deste céu vermelho, deste horizonte enferrujado
pelo inferno e o inverno da nação que deu errado?
Nem os portugueses, a mais das vezes, gostam de Portugal:
deitam-lhe fogo, deitam-lhe a mão, fazem-lhe mal.

Que o diabo te leve e que deus te guarde;
arde, meu país, arde.
Não há chama que te abastarde;
arde, meu país, arde.
Arde, meu país, arde.

Pátria sem os heróis que canta, em timbre debilitado:
o notável é imbecil ou capitão de abril, reformado.
Ficaram todos por lá, os melhores que há, na perdida de Quibir.
E os que viveram, atrasados mentais que não souberam ir.

O fim da história nunca vem tarde;
arde, meu país, arde.
Canto do mundo valente e cobarde;
arde, meu país, arde.
Arde, meu país, arde.

sexta-feira, julho 09, 2010

Do Belo e da Consolação ou o erro de Álvaro de Campos



De Platão a Bertrand Russel, grassa estruturalmente um erro terrível na filosofia: a aspiração do homem não deve ser o da conquista da felicidade, mas a da gestão do sofrimento. A história da humanidade, e a experiência individual de cada um de nós, demonstram inequivocamente que a vida não promete felicidades (o próprio conceito de felicidade é equívoco e espúrio), tanto como garante misérias.

Não viemos ao mundo para o prazer, o amor ou a paz. Viemos ao mundo, parece-me isto claro, para dar continuidade a um indiferente e amoral motor cósmico que transcende sensorial e analiticamente qualquer esforço de compreensão. Não nos é dado saber mais do que aquilo que é necessário para progredirmos pelo tempo em direcção a um destino que largamente nos escapa. Estamos em modo "need to know" e esse é o desgosto iniciático, porque se dá o caso de sermos animais curiosos.
À contemporânea incapacidade da ciência para produzir dogma, acresce a falência técnica da religião. Entre os bons milhões de deuses que habitam a história da metafísica, não há um que consiga resolver a embrulhada da Quântica ou elaborar sobre a Terceira Lei da Termodinâmica, mas isso seria de supor: os deuses serão omniscientes, mas de cultura generalista, e sobretudo não devem ser eruditos, sob o risco de perderem a sua credibilidade junto das massas. O problema porém, reside na consolação. A democratização do acesso à informação e às tecnologias que a produzem, principalmente a partir da máquina de Gutenberg, entregam ao homem comum a realidade de um mundo sem deus. O processamento quotidiano desta informação implica um constante teste à fé humana. É um cliché perguntar-mo-nos sobre a existência dos deuses perante o horror de Auschwitz, sendo certo que temos hoje um Auschwitz por semana, garantido pelas redacções e transmitido à hora da refeição. Perdidos no ecossistema caótico que Deus nos ofereceu como morada, encarcerados dentro desta natureza que Ele nos deu por condição, que consolo podemos recolher na Sua companhia? Não é fácil, nem aconselhável, promover o apocalipse dos olimpos, mas a verdade é que não há fé que vença os repetidos, eloquentes e operáticos horrores do mundo; nem mitologia que quebre as grilhetas da condição humana.
A única consolação do individuo civilizado é, portanto, a Arte. A contemplação do belo, para a maior parte; a invenção do belo, para uma ínfima minoria. Na arte encontramos consolo porque convivemos com o absoluto e perante o absoluto; não precisamos de fazer perguntas. Os Concertos de Brandeburgo respondem a todos os mistérios e ninguém precisa de saber da temperatura do bosão quando assiste ao calvário de Cristo, através das visões de Caravaggio. De qualquer forma, a Vénus de Milo é concerteza mais bela que o Binómio de Newton, independentemente do vento que faz lá fora. A Arte salva-nos do lodo do mundo e o que é mais: eleva-nos acima do inferno da existência.

sexta-feira, junho 25, 2010

O imbecil de serviço.



Desde que Humberto Coelho foi despedido, a selecção nacional tem mostrado uma tendência ininterrupta para incorporar imbecis como treinadores. Oliveira, Scolari, Queiroz são verdadeiras nódoas (é dizer pouco) e explicam por si só o facto de Portugal não ter ganho nada, apesar das sucessivas gerações de excelentes jogadores.
Contra o Brasil, Queiroz arranjou maneira de jogar mal outra vez, que é o que ele gosta.
Contra a Coreia do Norte, os jogadores revoltaram-se e, depois de uma primeira parte mais ou menos disciplinada, começaram a jogar à bola como sabem e podem, à revelia das estritas indicações do treinador que lhes deve ter dado uma valentíssima descompostura, no rescaldo.
Dirão uns que quando for grande, o seleccionador nacional quer ser como Mourinho, mas como nem sequer lhe dou estatuto para sonhar tão alto, eu acho que o homem gostava apenas de ser um outro Manuel José. E mesmo assim, não o consegue, porque é uma besta quadrada. De qualquer forma, o Mourinho tem estatuto e títulos para jogar à defesa, para jogar feio ou para encomendar canelada. Já o seleccionador nacional não tem estatuto nenhum para coisa alguma.
A prova irredutível é a equipa que escalou para jogar hoje. Um profissional que põe esta equipa em jogo é abaixo de zero. É uma besta quadrada. É o imbecil de serviço.
Por sorte, Carlos Queiroz vai inventar mais um onze despropositado para os oitavos de final e a malta só terá que aguentar mais 90 minutos disto. É que sinceramente, para ver o que vi hoje, não vale a pena estarmos lá. Peço, portanto, encarecidamente, ao professor (que ironia nesta nomenclatura): dê o seu máximo já no próximo jogo. Contra a Espanha, a Suíça ou o Chile, invente para aí o 11 mais esquizofrénico que a sua imaginação delirante conseguir produzir, obrigue por favor os jogadores a mostrarem o seu pior futebol e venha-se embora meu caro, que já não há paciência para a deficiência mental de que sofre profundamente.

quarta-feira, junho 16, 2010

Crítica ao Expressionismo Alemão.

Seguro esta bandeira. Não sopra uma brisa.
Agora é uma bandeira. Já foi uma camisa.
A bandeira canta os amanhãs de milhões de mortos
E assim quieta, anuncia a tempestade dos corpos
Que fodem como se não houvesse amanhã
Ou como se Eva não tivesse mordido a maçã.

Seguro esta bandeira, ao vento que não faz.
Hoje é bandeira de guerra, ontem verso de paz.
A Bandeira inventa o vermelho da revolução
Que vai correr da Alemanha ao Uzbequistão,
Para libertar o homem puro do destino ruim
E salvar Lenine dos bares manhosos de Berlim.

Seguro esta bandeira. A Tempestade não vem.
Agora é uma bandeira. Já foi cruz em Jerusalém.
A bandeira rejubila e clama pela acção directa,
Desde que o assassino não tenha que ser o poeta.
E enquanto os versos não agem dou ao pedinte
Umas coroas sacadas ao conforto do século vinte.

segunda-feira, junho 07, 2010

Haikus de Kobayashi

Entrada do templo -
O som do sino fica preso
No ar gelado

Que bela manhã
O carvão crepita
De bom humor

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Que beleza -
O buraco feito na neve
Ao mijar

O que se diz do boneco
De neve não dura mais
Que o boneco de neve

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Tão pobre a minha cabana
Até as moscas conservam
A família pequena

Onde há pessoas
Há moscas
E Budas

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Pulgas da minha cabana
Tão magras
Que metem dó

Cogumelos -
Também há beleza
Nos assassinos

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Vento de Primavera -
À mostra as nádegas
Do trolha no telhado

A primavera
Deixou na soleira da Porta
Os tamancos enlameados

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O apanhador de nabos
Aponta o caminho
Com um nabo

Vento de Outono
Até a sombra da montanha
Tirita

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Decrepitude -
Mesmo diante dum espantalho
Sinto vergonha


Versões de Jorge Sousa Braga

quarta-feira, junho 02, 2010

Haikus do Tempo Suspenso

O Semáforo
também fica indeciso
no amarelo

Ah a inocência
do parque de estacionamento
às cinco da manhã

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Tão tristes os meus poemas
que até a fonte de letra
se aborrece

O tipógrafo parece
adormecer, mas o chumbo
cai na caixa

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Samurai -
se não usas a espada
a pena esmorece

Onde há homens
há guerra
e budas

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Chega a Primavera
Mas o aranhiço do meu quarto
não dá por ela

São belos os campos
quando estou aos comandos
do automóvel

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Puta da idade -
Mesmo diante do diabo
sinto dores no joelho

quinta-feira, maio 20, 2010

Manual de Normas

Toda a gente que gosta de música quer perceber como é isso de fazer música. E toda a gente que faz música, quer perceber como é isso de fabricar um hit. Os Shout Out Louds explicam:



E a malta toda do universo agradece.

sábado, maio 08, 2010

O Último Teorema de Fermat é Belo

O Último Teorema de Fermat é belo porque pretende demonstrar,
para n maior que 2, que a igualdade

--> xn + yn = zn não se verifica.
Ninguém até hoje percebeu onde é que Fermat queria chegar
Porque faltou espaço ao que ele explica
Na margem da página 61 de uma Aritmética de Diofante.
O Último Teorema de Fermat é belo e estava certo, e era irritante
Não se saber demonstrar porquê.
Os computadores fizeram as contas e a certeza resultante
É que não se encontra a igualdade de z
(A Teoria dos Números passou 358 anos numa aflição).
O Último Teorema de Fermat é belo e é uma falsificação,
Porque ninguém acredita realmente
Que um tipo em 1631 soubesse demonstrar tal pretensão.
Só em 1995 é que o Dr. Wiles esclareceu definitivamente
Que
--> xn + yn = zn, é uma impossibilidade matemática.
O Último Teorema de Fermat é belo como uma gramática
Para aprender a rezar.
O Último Teorema de Fermat é belo porque pretende demonstrar
Que a igualdade xn + yn = zn não se verifica.
E porque faltou espaço ao que ali se explica,
Na margem da página 61 de uma Aritmética de Diofante.

O Último Teorema de Fermat é belo e irritante.

terça-feira, maio 04, 2010

Um general sem medos.


Na imagem está Bernardim Freire de Andrade (1759/1809), um homem que pagou com a vida o caríssimo preço de amar a sua pátria. Vale a pena contar a história. Quando em 1807, a mandos de Bonaparte, Junot entra em Portugal arrastando um exército andrajoso, exausto e famélico, não encontra resistência. O Príncipe Regente e sua corte comprida de lacaios e curta de coragem já tinha entretanto dado ares de vila diogo para o Brasil. Na mais negra das suas páginas, o exército português, superior em número e equipamento, recusa o combate e abre alas para que os franceses entrem em Lisboa como quem chega a uma simpática estalagem sobre o Tejo. Dados os tristes factos, são os ingleses que reagem, enviando em 1808 - sob o comando do General Wellesley - um corpo expedicionário de 13.00 homens para salvar esta pátria alheia. É aqui que surge o General Bernardim. Inconformado com a deplorável situação, agrupa 7.600 soldados e junta-se aos Ingleses acabados de desembarcar no estuário do Mondego. Recusando incorporar os seus soldados nas fileiras britânicas, acaba por desempenhar um papel estratégico para o bom sucesso da iniciativa militar: duas ou três escaramuças depois, a força anglo-lusa coloca os franceses em debandada na Batalha do Vimeiro, a 21 de Agosto, concluindo-se assim a primeira invasão napoleónica. Acontece que os termos da rendição imposta a Junot eram de uma benevolência tal que, antes de abandonar o país, a sua deplorável soldadesca teve a oportunidade de saquear todas as localidades incluídas no trajecto para Espanha. Os Ingleses, por seu lado, decidem permanecer numa semi-ocupação do território nacional, despreocupadamente acampados em algumas das mais importantes praças-fortes do país. Indignado com os termos da rendição francesa e o abuso muito pouco cavalheiresco dos ingleses, o General protesta, amotina-se e morde os calcanhares a toda a gente até que a 17 de Março de 1809, os Ingleses - já fartinhos de tanto incómodo - o atraem a Braga e o entregam desprotegido à voracidade da turba popular, previamente "aquecida" e manipulada. Patriota dos cinquenta e tal mil costados, Bernardim Freire de Andrade, herói da nação, morre linchado pelo seu próprio povo. Haverá moral para uma história destas?