domingo, setembro 19, 2010

Pequena e Funerária História do Canal do Panamá.



Tudo começou com a desfaçatez
da geológica deriva

que separou os continentes de vez

na era primitiva.

Para inventar a danada longitude

dos meridianos,

a Pangeia - ousada atitude -

acabou por separar os oceanos

e isso não é justo, não é certo

nem é direito.

Mesmo depois de um esperto

Magalhães passar pelo seu estreito,

ninguém se deu por satisfeito
e três anos passados, o primeiro Carlos de Espanha
encomendou aos soldados a manha

de uma passagem pelo istmo mais ao meio,
de cá para lá;
e assim nasceu, segundo creio,

a história do Canal do Panamá.


Por muito que pusesse e dispusesse

o Rei espanhol,

não havia quem rompesse

a terra por debaixo do sol

e até ao Século XIX foram defeituososos esforços forçados:
Pacífico e Atlântico permaneceram teimosos

e separados.

Houve entrementes um senhor

que inventou a máquina a vapor

para o desterro
-
- e com ela a ideia de rachar o continente

com o chiar estridente

de um caminho de ferro.

A coisa não foi para a frente
,
talvez por parecer demente

resolver a geológica deriva

com os trabalhos de uma locomotiva.

Fosse como fosse, aqui e acolá,

andava meio mundo na perspectiva

de abrir um Canal no Panamá.


Em 1878 chegaram os franceses,

esse povo ilustre de aristocratas e burgueses
,
sob a batuta de um tal Lesseps Ferdinand,

homem virtuoso e grande

que já tinha aberto, como Moisés
,
as águas no Suez.

Começaram os trabalhos e concorrentes

chegaram a mortandade e a desgraça:

A chuva corria em torrentes

e as enchentes em devassa.

Se a morte não era esta era aquela,

morriam de malária

ou de febre amarela

o operário e o pária,
o capataz e o engenheiro;
e até o cangalheiro

acabava na grande urna funerária

dos vinte mil supliciados

que por lá ficaram sepultados.

Oito anos depois de serem chegados,
os franceses que ainda estavam vivos
retiraram ateus,
retiraram necessitados
,
do vinho de Bordéus
e de anti-depressivos.

E assim continuou ao deus dará

o sonho de abrir um Canal no Panamá.

Rompe o Século XX, e com ele os americanos

iniciam a sua interminável rábula de enganos.
Theodore Roosevelt, que era um estratega,

queria por viva força retomar o escorrega

que entre os dois mares faria a união.

A Colômbia, que era na altura

quem mandava na região,

não estava porém na quadratura

dessa astuta ambição.

Perante a colombiana nega
,
Theodore Roosevelt, que era um estratega,

Convenceu uns poucos palermas panamianos

a fazerem a revolução.

E porque a Colômbia quase não ofereceu resistência

(talvez porque a americana armada
no Golfo do México se fez estacionada),

o Panamá teve a sua independência

e os Estados Unidos a sua concessão.

Assim sendo, deu-se início em 1904 à remoção
dos primeiros calhaus
para benefício das futuras naus
em trânsito comercial
e do turismo humano
à escala global.
O primeiro engenheiro-chefe desertou passado um ano,
porque estava a morrer desta vez
tanto americano
como tinha morrido o francês.
O segundo engenheiro-chefe demitiu-se passados dois,
porque o danado do mosquito
mordia homens e bois
num esvoaçar aflito
de mortes e mais mortes e depois
veio o terceiro, que acabou com o conflito,
ao drenar as águas e o atrito
da melga fatal,
agente empedernido
que infestava de insucessos o maldito canal.
No entretanto, já tinham falecido
mais uns milhares de desgraçados,
trabalhadores honestos e bandidos condenados
ao pesadelo tropical.
Ao quarto engenheiro-chefe estava a obra
em conclusão de manobra:
eclusas e comportas, elevadores e represas
contornavam as incertezas
de relevos e correntes,
se exceptuarmos os acidentes
que mataram cinco mil nativos,
mais dez mil cativos
que chegavam dos cinco continentes.
Ao rebentar das últimas cargas de dinamite
ainda morria gente de hepatite
ou de diarreia, aos contingentes
caiam todos de febre má -
muitos mais do que a história admite -
no Canal do Panamá.
A 15 de Agosto de 1914 foi inaugurado
enfim o famoso tubo ousado,
triunfo da engenharia humana sobre a força da terra
e mesmo a tempo da grande guerra!
Para fazer passar a civilização e a sua glória,
para reduzir o tamanho do mundo
e da memória,
foi preciso escavar fundo,
até à escuridão da história.
Deste então têm passado aos milhões
contratorpedeiros, cruzeiros,
paquetes e galeões;
Traineiras, escunas, petroleiros,
submarinos, fragatas, cargueiros
e porta-aviões.
É uma maravilha do mundo moderno,
é uma artéria no frémito eterno
da passagem de cá para lá;
o Canal do Panamá.