Advertência
isto aqui que estás a ler não é nenhum monumento homérico
decassilábico heroíco
armado em parvo
armado aos cucos e
armado até aos dentes de truques
artimanhas e xico espertezas
este poema não está aqui para contar as sílabas
nem para qualquer tipo de saga épica
paneleira e
transcendental
não
Este poema não gostava de ir ao cú ao primo mais novo
como o outro sacana que pensava que era bastardo de apolo mas era só
um filho da puta dos últimos
não
Este poema não está aqui para assinalar barões ou dobrar o cabo
este poema não pretende conciliar os deuses perder o paraíso ou resgatar helena
este poema quer que a helena se foda
este poema não tem pressa nenhuma de voltar para casa e
nunca vai ter medo de sereias
nem pensar nisso
Este poema não ia agora começar a rimar nem faz
figuras de estilo nem usa
papel higiénico nem canta
glórias e ainda por cima
cheira mal dos sovacos
Este poema é
um chorrilho nem mais
nem menos que a consequência nefasta
da tendência que as palavras têm para se agregarem
As palavras são uma tribo extremamente solidária mas
este poema não tem pretensão alguma de ordem
sociológica
antropológica
política
Este poema não quer fazer ciência nem vai à missa
não está apaixonado nem
revoltado nem
promete revoluções
este poema não acredita nos amanhãs que cantam nem
em nada que se pareça
Este poema não serve a sintaxe nem obedece a cânones
isto aqui que estás a ler porque não tens nada melhor que fazer
triste leitor
é um poema que não está cá com merdas
tem uma pila um pulmão um olho em cima
um outro em baixo e
está de cócoras
Advertência
este poema está de cócoras
O chinês come de cócoras
que é como cagam no campo os que não são chineses
excepto os indianos que também comem de cócoras
mas são os únicos que comem como os chineses
porque o resto da humanidade gosta de manter os pés afastados do guisado e
é por isso que este poema também tem um estômago
Dentro do estômago deste poema encontrarás jonas
mas não a baleia por deus
dentro do estômago deste poema encontrarás
aqueles objectos cortantes e perigosos que as pessoas engolem
ou submetem de outras formas ainda mais interessantes
para dentro do organismo e que
no meu tempo
os hospitais gostavam de mostrar ao respeitável público
O respeitável público deve saber
que este poema nunca ouviu falar de walt whitmann ou de
baudelaire e
pensa que ovídio é um aviário no freixial
Este poema acha que o ezra pound podia estar calado
mais vezes
porque o ezra pound para canário fala que se desunha
a tia arminda já o levou à televisão mas durante o directo o cabrão do ezra
calou-se muito bem caladinho
uma vergonha
Este poema faz criação de canários falantes, a saber
garcia lorca william blake dylan thomas álvaro de campos
o canário mais tagarela de todos era o pablo neruda
mas um dia foi cheio de tesão atrás de uma pomba e quando deu por ela
estava estatelado no quintal da tia arminda
uma ratazana decente deu-lhe a graça de um fim rápido que ele
não merecia
Advertência
não esperes encontrar neste poema a fé que não tens
a juventude que perdeste
ou qualquer coisa de realmente significativo para ti
porque não se trata aqui de te salvar
de te elevar o espírito
de te enebriar os sentidos
inocente
Este poema não tem uma missão
nem quer libertar os oprimidos
alimentar os esfomeados
ou redimir os injustiçados
Este poema não está preocupado com o aquecimento global
aliás este poema não está preocupado ponto
Este poema não tem medo de morrer
Este poema não quer ser literatura quando for grande
Este poema não quer ser pop
não quer ser cool
não quer meter coca
não quer ir para a cama com ninguém
Este poema compra a roupa interior no lidl
Este poema não está para ninguém e
não gosta que lhe batam à porta e
não atende o telefone principalmente para não ter que mandar bardamerda
a menina do callcenter
que não tem culpa de ignorar horácio e
de nunca ter lido virgílio
este poema também ignora e também nunca leu
nem quer ler
porque este poema não sabe
nem quer saber
Este poema está-se nas tintas e
está de saída e
faz a devida vénia e
com um peidinho
sai de cena