quinta-feira, julho 25, 2019

Haikus da Enseada

O estreito Ceixe contorce-se em curvas e contracurvas,
para se proteger do Atlântico.

O litoral é uma violência.

___


A prosa de Darwin
é a lírica de Deus.

___

O vento é o ar que corre rápido,
à procura da temperatura certa.

A enseada estremece, num vendaval termodinâmico.

___

A linha que estipula o sagrado divórcio entre os azuis do céu e do mar
é de uma exactidão artificial e perturbante.

O arquitecto esqueceu-se da régua, ali.

___

A virtude do poeta não está no poema
mas na sua impossibilidade.

___


Por muito que o homem se atreva com ela,
a máquina de Deus funciona que é uma maravilha.




Pela Estrada Fora #22

O segmento da N123 que liga Mértola a Castro Verde é um troço de estrada absolutamente monumental. O asfalto está impecável, a paisagem é de um minimalismo lindíssimo e o tráfego escasseia, porque Deus é grande. Arrisco, claro, o incoveniente de uma brigada da GNR. Mas que se lixe. Se não acelero aqui, acelero onde?






terça-feira, julho 23, 2019

O poema que se escreveu sozinho.

Junho passa frio sobre o calendário e o silêncio.
O poema escreve-se sozinho
quando te sentas desacompanhado numa vigia branca,
altaneira sobre a enseada.

Está tudo já redigido:
o desenho do rio é verso sábio e antigo;
as colinas erguem as suas rimas sagradas que vão fazer música
com as estrofes da maré atlântica.

As andorinhas riscam o céu claro com finas linhas negras
de impecável métrica alexandrina.
O gado pasta com a serena certeza da erva fresca
e a erva fresca, pastada, é um soneto eterno.

O dia ventoso zumbe uma canção de cavalaria
enquanto a aranha devora a vespa que lhe caiu na teia.

Tudo está bem.


Um sueco elogio da miniatura.

Não consigo explicar porque raio gosto tanto, mas tanto, de coisas reduzidas na escala. Principalmente de coisas que são essencialmente brinquedos. Fico em pasmo e ponto final.


segunda-feira, julho 15, 2019

A guitarra como tempestade eléctrica.



não é a primeira vez que os Catfish And The Bottlemen mantêm relações sexuais com os meus tímpanos (salvo seja!). Mas o disco deste ano, The Balance, é uma coisa tão poderosa que até assusta. Interpretando uma espécie vitaminada de rock tempestuoso e electrizante, estes rapazes, que deveras me fazem lembrar os já paleolíticos e para sempre magníficos Strokes,  conseguem transportar para o amplificador astronómicas e intensas quantidades de energia.
Vinte estrelas em cinco possíveis.

quinta-feira, julho 11, 2019

Boa sorte com esta ópera rock.

São doze minutos sagrados, para quem, alguma vez na vida, gostou de rock sinfónico.
Este Seteven Wilson mata-me completamente porque eu, que na excepção de Rush e de Marillion nunca gostei de rock sinfónico, acho isto pura e simplesmente sublime.
Devo informar os dois ou três malucos que vão mesmo ouvir a música até ao fim que vai valer a pena ser maluco, por uma vez.



Steven Wilson . Three Years Old . Wiltern Theater, Los Angeles

quarta-feira, julho 10, 2019

Da poesia enquanto escrita com os pés.




A maior parte dos benfiquistas teima em considerar que a profissão de Jonas Gonçalves Oliveira tem sido a de jogador de futebol, mas eu, por acaso, sempre achei que o homem ganhou a vida como poeta.

Enquanto teve a gentileza de ser o vate do meu clube, assinou 137 versos imortais, concluiu com sucesso 4 epopeias e deixou incontáveis estrofes de génio, no seu mítico caderno de 4 linhas.

Dos alexandrinos pés deste escrivão-mor saíram, com regularidade clássica e em quantidade vanguardista, apoteóticos manifestos líricos, conquistas de Troia, regressos a Ítaca, géneses de Roma, viagens marítimas a Calcutá, descidas ao inferno, visitas ao purgatório e elogios do paraíso. 

Ora, um poeta assim, capaz de produzir sonetos com os tornozelos, cantigas de amigo com os joelhos e elegias ao pontapé, nunca arruma as botas. Na verdade, as botas de Jonas vão ficar para sempre entretidas com os belos e intrincados tercetos do poema infinito a que costumamos chamar eternidade.

sábado, julho 06, 2019

Flightville #02 . Maldivas in the clear

Que o planeta Terra é lindo de morrer, parece que estamos todos de acordo. O que às vezes nos divide é a questão de ser mais ou menos lindo por causa da relação íntima que mantém com o Homo Sapiens. Pois eu acho que se não fosse essa relação cúmplice, não havia maneira - tecnológica ou sensível - de perceber o lindo que é este planeta.
As pessoas sortudas que conduzem aviões de 300 toneladas, com duzentas toneladas de carga lá dentro, para cá e para lá como se nada fosse e que comunicam loucamente através de uma linguagem fundada no Inglês mas codificada num alfanumérico indecifrável e belo como o Grego Clássico; estas pessoas fardadas e ligeiramente empertigadas e extremamente funcionais que convivem por profissão com as panorâmicas a que apenas os deuses deviam ter acesso, sabem bem do que estou a falar. Senão vejamos esta aproximação às Maldivas:

Anti-Telejornal: candidados democratas fazem campanha no México.

Primeiro os links porque sem os links ninguém vai acreditar no que vou escrever a seguir:

Booker on the Border: Cory Takes Campaign to Mexico, Assists Asylum Seekers

Beto’ O’Rourke Campaigns in Mexico

Sim, o ridículo Beto O'Rourke e o insuportável Cory Booker estão a a fazer campanha, na condição de candidatos à nomeação pelo partido Democrata americano para as eleições presidenciais de 2020, no México. Sim, no México. E porquê no México? Porque o Partido Democrata defende hoje em dia a abolição de fronteiras, na expectativa - justificada mas completamente manhosa - de que a imigração sem regras vai contribuir substancialmente para uma alteração definitiva no domínio demográfico e logo, eleitoral, da Federação, principalmente em estados de fronteira que são, não por acaso, historicamente conservadores, como o Texas, a Flórida, o Arizona, a Georgia e Alabama.
E assim se prova que a lógica dos democratas não é de raiz humanista. Trata-se ao invés e apenasmente da manifestação de uma vontade de poder. Uma totalitária vontade de poder.

sexta-feira, julho 05, 2019

Hand. Cannot. Erase.



Um hino.

Steven Wilson . Hand Cannot Erase.

Deus do Silêncio.

Cá em cima, na falésia falaz, consigo usar de alguma paz,
enquanto pescadores amadores, turistas banhistas e gaivotas,
que fazem barulho como motas
a voar,
gritam em uníssono alvoroço,
lá em baixo, no poço
da praia-mar.

Comandantes e capitães, veraneantes são mais que as mães;
toda a gente por atacado no quente e suado embrulho
que é o congestionado mês de julho;
ciclo do cio das gaivotas
que como motas
fazem barulho.

Cá em cima, fica mais corajoso o discreto deus silencioso,
que arma emboscadas sobre o ruído
como a mulher sobre o marido.
Mas lá em baixo no fosso,
crianças-gaivotas aceleram as motas
em uníssono alvoroço.







Flightville #01 . Leipzig in the dark

O voo BOX519 é um Boieng 777F que vem de Xangai e vai aterrar em Leipzig numa noite chuvosa, com condições de visibilidade um bocadinho assustadoras, de tal forma que o auto-piloto é desligado apenas uns poucos segundos antes da aterragem, quando a aeronave já se encontra a cerca de 90 metros do solo e as luzes da pista brilham finalmente sobre a escuridão e o vendaval alucinantes.

Há aqui uma cinematografia, entre a ficção científica e o horror, que me espanta os sentidos. Magnífica sequência, muito bem captada e editada pelos senhores da PilotsEye.tv.


quarta-feira, julho 03, 2019

Mais uma corrida alucinante.

WTCR em Nurburgring, no passado 21 de junho. Quem gosta de corridas de automóveis deve prestar atenção a estes três operáticos minutos:



Para fazer estas coisas, a esta velocidade, é preciso mais que técnica. É preciso ter as esferas no sítio certo. Para ser o último a tirar o pé é preciso aceitar o risco, e é nessa aceitação que reside toda a glória do automobilismo.

terça-feira, julho 02, 2019

Estou-me a passar com este fulano.

Steven Wilson, num disco de 2015 que é levado da breca: Hand. Cannot. Erase.
Às vezes parece Rush. Outras vezes parece Pink Floyd (!). E há momentos que me lembram Pearl Jam ou Alice in Chains ou assim qualquer coisa do género. Em cima disto, uma componente sinfónica que podia ter saído de um estúdio com os Marillion lá dentro. E as referências doidas nunca mais vão acabar de se cruzar, por isso o melhor é estar caladinho e deixar tocar o homem:


Assim é que devia ser sempre.

Verstappen parte muito mal e passa de segundo para sétimo em duas curvas. Ainda assim, ganha a corrida. Eis um Grande Prémio de Fórmula Um como deve ser: