sábado, junho 18, 2005

Barbearia


Ah, ir ao barbeiro como quem recomeça!
Ir de cara lavada, ir, erudito, ao barbeiro para renascer!
E o barbeiro, que está lá para a redenção, redimir-me!
E o vizinho que está lá a gastar o tempo, absolver-me do tempo!
E a minha imagem ridícula, despropositadamente punk e própria de cliente de barbeiro,
com muito cabelo num hemisfério e nenhum no outro hemisfério;
e a minha imagem ridícula em apartheid capilar que está ali para me salvar, salvar-me!
Ah, ir ao barbeiro e começar de novo!
(1996)

quinta-feira, junho 16, 2005

Orwell e o falecido Dr. Cunhal.

Image hosted by Photobucket.com
A história avalia o génio dos homens escassas vezes pelas suas glórias, mas frequentemente pelos seus desvarios.
O caso raro é Orwell: dando a perceber à humanidade que a utopia não era concretizável dentro do contexto da natureza humana, inventou este belo e verdadeiro complexo semântico da Distopia. E se é verdade que, 20 anos antes, Ievgueni Zamantiane já nos tinha alertado para esta coisa tenebrosa de procurar deus nos sonhos organizacionais dos homens, foi ele, George, que instalou em definitivo o problema. Com essa proeza, ganhou um lugarzito na bancada da posteridade.
O caso prosaico é Cunhal: nunca percebeu a inevitabilidade distópica (em português direito: o supra-poderoso potencial para o desastre egotista do indivíduo), e por teimar no dogma, por casmurrar no dislate, vencerá a lei da morte, sim, mas em décadas apenas.
A presença heróica que dure por centúrias e milénios na memória dos homens, sairá sempre mais cara ao protagonista. Estaline, por exemplo, pagou o preço mais caro de todos (na verdade, tratou-se de um péssimo investimento). Mas, começando pelo princípio, Ulisses pagou e inventou a imortalidade com um valente par de cornos, mais 52 tempestades; Aquiles pagou com a morte do amante; Sócrates pagou ao beber pelo mesmíssimo cálice com que, um bocado depois, Cristo foi levado à cruz (a este, também não lhe saiu a eternidade em conta); Aristóteles pagou com a medievalidade na Europa, Alexandre pagou com a pressa da morte; César com a infâmia dos Césares, Átila com a retirada de Roma (um mistério); Constantino com uma civilização inteira (um disparate); S. Tomás de Aquino com a virgindade; Shakespeare pagou a glória eterna com um espaço em branco; Bórgia com a reputação; Da Vinci com a inconsistência; Velazquez pagou com o mau hálito dos reis e, a dobrar, com o mau feitio dos papas; Mozart pagou com a infância; Newton com uma maçã na cabeça; Cromwell com o líbido dos exércitos; Kant com o provincianismo; Robespierre com o seu próprio remédio; Napoleão com uma úlcera no cérebro e a Goethe (como antes a Marlowe) ficou-lhe caríssima a imortalidade, sendo até necessário um primeiro comércio com o Diabo; Bismark pagou com a Alemanha; Einstein com a fotografia no jornal; Hitler largou as despesas da embalagem facínora e equivalentes à fortuna de Charlie Chaplin, mais um bigode lamentável; Churchill pagou acima do razoável com a derrota maluca nas eleições de 45 (ou 46?), Picasso, com uma camisola de marinheiro gay, Spielberg com o síndroma Miguel Ângelo e assim sucessivamente até à banca rota do mercado financeiro que é o da salvação das almas.
Álvaro Cunhal, não pagou o preço justo (até porque morre de velho) e, sobretudo, estava demasiado errado e era excessivamente teimoso para aceder ao Olimpo. A sua inteligência, a sua sensibilidade de artista, a sua argúcia natural, não convencem os deuses.

quarta-feira, junho 08, 2005

Ter um blog compensa

Apesar de abandonado pelo dono e, naturalmente, desertificado de públicos, o blogville ainda me consegue dar alegrias. Hoje recebi um email muito simpático do Engenheiro Rui Moura, de que falei em Janeiro, quando toda a conversa sobre a fraude ambientalista começou. Na altura mencionei-o pela sua lúcida e corajosa participação numa edição do Expresso da Meia Noite sobre as grandes questões ambientais. No seu mail, o Engenheiro mostra-se solidário com os pontos de vista que aqui coloquei sobre o assunto, facto que muito me honra. Mas quem de facto estiver interessado em saber a verdade sobre as reais evoluções climáticas a nível global deve visitar o blog dele , cujo rigor científico e o carácter pedagógico colocam as minhas considerações ao nível da rábula humorística.
Já agora: este blog não morreu. Sofre apenas e temporariamente do meu desleixo fásico.