quinta-feira, junho 16, 2005

Orwell e o falecido Dr. Cunhal.

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A história avalia o génio dos homens escassas vezes pelas suas glórias, mas frequentemente pelos seus desvarios.
O caso raro é Orwell: dando a perceber à humanidade que a utopia não era concretizável dentro do contexto da natureza humana, inventou este belo e verdadeiro complexo semântico da Distopia. E se é verdade que, 20 anos antes, Ievgueni Zamantiane já nos tinha alertado para esta coisa tenebrosa de procurar deus nos sonhos organizacionais dos homens, foi ele, George, que instalou em definitivo o problema. Com essa proeza, ganhou um lugarzito na bancada da posteridade.
O caso prosaico é Cunhal: nunca percebeu a inevitabilidade distópica (em português direito: o supra-poderoso potencial para o desastre egotista do indivíduo), e por teimar no dogma, por casmurrar no dislate, vencerá a lei da morte, sim, mas em décadas apenas.
A presença heróica que dure por centúrias e milénios na memória dos homens, sairá sempre mais cara ao protagonista. Estaline, por exemplo, pagou o preço mais caro de todos (na verdade, tratou-se de um péssimo investimento). Mas, começando pelo princípio, Ulisses pagou e inventou a imortalidade com um valente par de cornos, mais 52 tempestades; Aquiles pagou com a morte do amante; Sócrates pagou ao beber pelo mesmíssimo cálice com que, um bocado depois, Cristo foi levado à cruz (a este, também não lhe saiu a eternidade em conta); Aristóteles pagou com a medievalidade na Europa, Alexandre pagou com a pressa da morte; César com a infâmia dos Césares, Átila com a retirada de Roma (um mistério); Constantino com uma civilização inteira (um disparate); S. Tomás de Aquino com a virgindade; Shakespeare pagou a glória eterna com um espaço em branco; Bórgia com a reputação; Da Vinci com a inconsistência; Velazquez pagou com o mau hálito dos reis e, a dobrar, com o mau feitio dos papas; Mozart pagou com a infância; Newton com uma maçã na cabeça; Cromwell com o líbido dos exércitos; Kant com o provincianismo; Robespierre com o seu próprio remédio; Napoleão com uma úlcera no cérebro e a Goethe (como antes a Marlowe) ficou-lhe caríssima a imortalidade, sendo até necessário um primeiro comércio com o Diabo; Bismark pagou com a Alemanha; Einstein com a fotografia no jornal; Hitler largou as despesas da embalagem facínora e equivalentes à fortuna de Charlie Chaplin, mais um bigode lamentável; Churchill pagou acima do razoável com a derrota maluca nas eleições de 45 (ou 46?), Picasso, com uma camisola de marinheiro gay, Spielberg com o síndroma Miguel Ângelo e assim sucessivamente até à banca rota do mercado financeiro que é o da salvação das almas.
Álvaro Cunhal, não pagou o preço justo (até porque morre de velho) e, sobretudo, estava demasiado errado e era excessivamente teimoso para aceder ao Olimpo. A sua inteligência, a sua sensibilidade de artista, a sua argúcia natural, não convencem os deuses.