Não adormeço de noite,
nem acordo para o dia.
Não sei a quantas ando,
não sei porquê ou quando:
avaria.
A vida está escangalhada,
é de caos que morro.
Que cesse o ruído tonto
para que grite de pronto:
socorro.
Rebentou finalmente
a máquina da abundância.
O café sai sem espuma
e Deus chama uma:
ambulância.
O automóvel da razão
tem cancro na bateria.
Falham mudanças e travões,
gripam os pistões:
avaria.
Perdem-se as comunicações
do mundo mecânico.
Digital, analógico e divino,
o universo entra em desatino:
pânico.
O frigorífico enregela,
o ferro de engomar desfalece.
O amplificador calou-se,
o velho cadeado soltou-se:
SOS.
A cidade toda colapsa,
em curto circuíto e agonia.
Cala-se o gerador central,
o carburador queima mal:
avaria.
Afundam-se os continentes
e não há quem acuda.
A civilização vai a cair
e não há ninguém para pedir:
ajuda.
A fé é um transistor inútil
e o chip da esperança berrou.
A estação de reciclagem
já não retempera a coragem:
acabou.
quarta-feira, agosto 30, 2006
terça-feira, agosto 29, 2006
7 pérolas da Colecção do Dr. Rau.
2 - GUIDO RENI - David Decapita Golias
1606-1607, óleo sobre tela, 174.5x133 cm.
Por razões de sensibilidade pessoal, esta pérola tem que ser muito bem explicada.
Guido Reni (1575-1642) é um daqueles pintores ecléticos e comprometidos que banalizaram o barroco e, muito sinceramente, não me diz grande coisa. Nascido e criado em Bolonha, é em Roma, a soldo dos papas, que faz o seu melhor trabalho; nomeadamente o fresco de Casino dell'Aurora, nos paços do Palácio Pallavicini-Rospigliosi, que o imortalizou e que nem me aquece nem me arrefece.
Acontece porém que esta representação do velho mito-do-aparentemente-fraco-contra-o-aparentemente-forte é uma coisa, no mínimo, impactante. Para já porque é enorme para além do que pode ser grande uma tela (e esta é-o): o gesto do pequeno David é amplo, o corpo prostrado de Golias é titânico, sem que a diferença de escala nos pareça fictícia (o punho da espada de Golias, nas mãos de David, é muito importante para a conversa).
Além disso, sucede que Guido Reni é uma espécie de antítese de Caravaggio (coisa que não lhe desculpo), fugindo muito das cenografias mais densas, trágicas e lúgubres da bíblia para se focar antes em ambientes metrosexuais, aéreos, pueris e pacíficos, fazendo recurso a uma abordagem classicista que já na sua época se tornava um pouco estafada, mas que rendia ainda sólidos florins. Ora, nesta magnífica obra, abre-se a exepção: o momento é intenso e terrífico. Está-se mesmo a ver que o grandalhão vai perder o sagrado contacto entre a goela e o esófago. A coisa não vai correr bem. Antecipa-se o sangue e vive-se o horror. Mas, acima de tudo, nota-se a ausência da dicotomia herói e vilão, triunfando a lúcida dialéctica entre o derrotado e o vencedor: Golias, indefeso, não parece assim um tipo tão desprezível que mereça este impiedoso fim e David, na sua arrogante púrpura, vai desfechar o golpe terminal sem aparente problema de consciência: está sereno e coradinho, com o joelho convenientemente assente nos rins do gigante, mas sem vestígios de um ódio de morte. Tem até, na sua pequenez de menino cínico, um certo ar profissional.
E é precisamente aqui, neste momento ausente de valores prosaicos, neste gesto suspenso entre a certeza da decapitação imediata e a inutilidade moral da vingança, que está o bichinho danado que me captou e deliciou o olhar.
Pronto, está explicado.
Um blog de bom gosto.
O fusco lusco é um blog de um amigo meu (acho que ele não fica zangado por lhe chamar amigo, já que não nos conhecemos assim há muito tempo). Por isso, é claro que a minha análise é completamente subjectiva, mas, em todo o caso, é de mera justiça editar este post para dizer que o blog é mesmo porreiro porque:
• é completamente sem pretensão nenhuma;
• não fala muito de política, nem odeia ninguém, nem está para cá com merdas (nesse aspecto - e em muitos outros - é bastante diferente deste meu blog);
• o autor é uma pessoa de gostos muito qualificados e traz sempre à baila assuntos giros, inteligentes e pertinazes, muitos deles sinais do tempo e de todo em todo merecedores da breve leitura (o homem sabe escrever curto e bem);
• o lusco-fusco é, em suma, aquilo que a blogosfera devia ser mais: um acto de partilha. E um elogio das pequenas e grandes artes contemporâneas.
Visitem que vale a pena. É aqui.
• é completamente sem pretensão nenhuma;
• não fala muito de política, nem odeia ninguém, nem está para cá com merdas (nesse aspecto - e em muitos outros - é bastante diferente deste meu blog);
• o autor é uma pessoa de gostos muito qualificados e traz sempre à baila assuntos giros, inteligentes e pertinazes, muitos deles sinais do tempo e de todo em todo merecedores da breve leitura (o homem sabe escrever curto e bem);
• o lusco-fusco é, em suma, aquilo que a blogosfera devia ser mais: um acto de partilha. E um elogio das pequenas e grandes artes contemporâneas.
Visitem que vale a pena. É aqui.
quarta-feira, agosto 23, 2006
Génios em dó maior.
Este foi, em tempos, um blog sobre coisas porreiras como a Música. Convenhamos que já desafina o tamanho do silêncio corruptor da ideia mãe. Interrompo-o para falar de Outkast. E para falar de mim.
Coerentemente deselegante, começo por mim: não sou um gajo da "partilha de ficheiros". Compro música na Fnac e no iTunes e esta merda de achar que alguém tem que comprar música para que a indústria da música sobreviva deixa-me, só às vezes, em complicados lencóis. Por exemplo: não sei partilhar com a minha querida e escassa audiência o som que me inspira.
O som que me inspira neste preciso momento chegou-me pelo vento da MTV aqui há uns quinze dias, mas só desde ontem, vinte e dois de Agosto, é que está sorridente na bancada do bom capitalismo: Idlewild, o musical dos Outkast, está no ar e é a puta da loucura. Nem sei se o filme é de jeito e calculo que não, mas aposto na banda sonora na razão de um para dez.
Todos vós que, felizmente para todos vós, partilham e baixam música aqui e ali, baixem e partilhem esta: "Morris Brown - Featuring Morris Brown College Band". Os outros palermas como eu pagam duzentos mil-reis no iTunes (1 euro para os menores de 30 anos). Em todo o caso, compensa à brava. Juro.
segunda-feira, agosto 21, 2006
7 pérolas da Colecção do Dr. Rau.
1 - FRA ANGELICO - S. Miguel
1424-1425, folha de ouro sobre madeira, 35.5x14 cm
Esta coisinha linda que aqui está é um dos primeiros trabalhos conhecidos de Fra Angelico (1395-1455), o beato dominicano que, entre Roma e Florença, soube encontrar o caminho difícil e peregrino do Gótico para o Renascimento. Se bem repararem, a delicada figura do Arcanjo S. Miguel parece suspender-se de leveza insustentável sobre o dragão fatalmente trespassado. A anca inclina-se, quase num trejeito feminino, para ganhar um movimento ligeiro e gracioso.
A representação é substancial para além da sua extraordinária beleza. Em 1424, a pintura de retábulos era, com a excepção do trabalho de Giotto, composta por figuras rígidas e estáticas, retratadas segundo os medievos canônes da mitologia cristã. Este arcanjo maricas, despido de armaduras e trajando um sedoso exemplar da alta costura florentina, debroado a ouro, todo ele fleuma e elegância, é já Fra Angelico a interpretar os tempos. E a pintar em conformidade.
sexta-feira, agosto 18, 2006
Mártires para consumo do Ocidente.
No Nova Floresta descobri uma série de dados e links absolutamente arrepiantes sobre o niilismo mais grosseiro e o fanatismo mais nojento da propaganda islamita. Até Goebbels coraria de vergonha.
Só para concretizar um pouco: o infeliz representado na foto, um mártir para os editores do Independent, é realmente um actor/realizador/agente do Hezzbolah que usa cadáveres de crianças encontradas entre os escombros de locais bombardeados pelas forças israelitas para fins de guerra mediática. Se o take não sai "bem" à primeira, este incrível personagem (e há mais destes) volta a colocar a criança nos escombros para recomeçar outra vez a cena do pai destruído pela dor. É, de verdade, nauseabundo.
Para além da obrigatória visita ao excelente Nova Floresta, vale a pena, por muito que custe à sensibilidade, visitar este outro blog, onde a história é revelada integralmente.
"Temos que saber. Vamos saber."
David Hilbert - Discurso em Königsberg - 1930
Só posso iniciar este post assim: não percebo nada de Matemática. Sou mesmo um zero grande e até o tal boi infeliz, que proverbialmente condenámos à contemplação ignorante de Versalhes, interpreta uma equação de terceiro grau ou um exercício de cálculo diferencial com mais entendimento do que este vosso criado.
Em todo o caso, o deprimente facto não me inibe o entusiasmo. A Matemática é a primeira ciência e amo-a como qualquer Pitágoras que se preze. Dito isto, adiante.
POR DEUS, UMA CIÊNCIA EXACTA TEM QUE SER EXACTA.
Para um matemático a sério, doi à brava saber que a sua disciplina é uma ciência inconsistente. Quero eu dizer: que não está fechada completamente dentro da sua encruzilhada de lógicas porque, aqui e ali, existem contradições maçadoras e paradoxos inaceitáveis. O caos teima em deixar estigmas sobre o perfeito pensamento humano.
Para um matemático a sério como David Hilbert (1862-1943) este estado corrompido das coisas incorruptíveis não podia realmente continuar. A 8 de Agosto de 1900, na intervenção de abertura do Segundo Congresso Internacional de Matemáticos de Paris, Hilbert demonstra que se resumem afinal e "apenas" a 23, os engulhos indemonstráveis, os abjectos paradoxos, as vergonhosas contracantigas que durante séculos teimaram em desafinar a precisão harmónica, estética, intelectual e científica da Sinfonia do Número.
Para este enorme génio alemão - que atravessou, com a sua centelha, todo o espectro teórico da Matemática - resolvidas fossem estas irritantes charadas e a àlgebra e a geometria, a trigonometria e a lógica, a teoria dos números e o cálculo, os campos todos enfim do saber matemático unir-se-iam em uníssono e uniforme logaritmo de exactidão selada.
Lançado o repto, escusado será dizer que a comunidade científica regressou para os gabinetes das várias academias com uma obsessão missionária, ou melhor dizendo, com 23 seculares enxaquecas. Não é exagerado dizer que a Matemática de todo o século XX está marcada pela tese de Hilbert, muito simplesmente porque o santo homem soube orientar, com ousadia e prosápia, o pensamento científico para as áreas em debate.
Com o tempo, os seus problemas foram sendo, na sua grande parte, resolvidos. Uns revelaram-se depois de importância marginal, outros conduziram o espírito humano para as eloquentes conquistas - e misérias - do século das grandes guerras. O problema (eterno) é que certas soluções tiveram apenas o mérito de Pandora: uma vez reveladas libertavam outros monstros desconhecidos, outras aberrações da lógica sistémica, outros tiques quânticos muitíssimo danosos para a consistência da grande arquitectura de deus.
AS SETE PERGUNTAS-DE-UM-MILHÃO-DE-DÓLARES.
Exactamente cem anos depois e inspirados por essa mítica noite de Paris, os senhores que mandam no respeitabílissimo Clay Mathematics Institute of Cambridge, decidiram criar o prémio Clay, que atribui muito simplesmente um milhão de dólares a quem encontrar solução consistente para um destes sete problemas:
• Conjectura de Birch e Swinnerton-Dyer
• Conjectura de Hodge
• Equações de Navier-Stokes
• P versus NP
• Conjectura de Poincaré
• Hipótese de Riemann
• Teoria de Yang-Mills
Estes são, para a matemática contemporânea, os escolhos que restam no caminho para a paz de espírito. Para sabermos aquilo que devemos saber (leia-se: tudo), há que partir estas pedras.
Dada a natureza apelativa do prémio, esperavam-se resultados e a verdade é que eles estão a chegar. Parece que já temos um campeão, embora esteja a ser um bocadinho difícil encontrá-lo. Mas para contar a história como deve ser contada, comecemos por meter as mãos na matemática propriamente dita.
A CONJECTURA DE POINCARÉ OU "DEVES ESTAR A GOZAR!"
Jules Henri Poincaré (1854 - 1912), matemático, físico e filósofo, provavelmente o último universalista da Matemática, grande mago em óptica, eletricidade, telegrafia, capilaridade, elasticidade, termodinâmica, mecânica quântica, teoria da relatividade e cosmologia, discordava do fundamentalismo de Einstein e foi o primeiro a considerar a possibilidade de caos num sistema determinista. Isto não o impediu porém de perseguir bravamente o bug da incerteza. A inconsistência de que precisava para se irritar encontrou-a nos seus estudos de análise topográfica, em 1905. Por muito estranho que pareça, Poincaré chega à lamentável conclusão que qualquer variedade tridimensional fechada e com grupo fundamental trivial é homeomorfa a uma esfera tridimensional. Hã? Agora em português plano: tudo o que não tem buracos deve ser uma esfera.
Não, não estou a gozar. A mais fina matemática do homem que caminhou nas calmas pela superfície lunar demonstra cruamente que qualquer corpo tridimensional estável e fechado - um cubo, por exemplo - não passa de uma esplêndida bola!
Como é óbvio, o próprio Poincaré foi o primeiro a tentar refutar a sua demonstração, mas debalde. O infeliz génio já tinha libertado mais um monstrinho. No caso, um monstrinho de notável longevidade. E que agora parece entregar a corrupta alma ao aborrecido criador da grande desordem cósmica...
O RASPUTIN DA GEOMETRIA DIFERENCIAL.
Para bem da sanidade mental da terráquea comunidade científica, um alienígena chamado Grigori Yakovlevich Perelman, descobriu a pólvora sagrada e podemos enfim respirar de alívio. Porque se está claro desde sempre e para toda a gente que um cubo não deve ser uma esfera, para os matemáticos só agora se fez luz: a Conjectura do mestre Poincaré sofre de equívocos.
Grigori Perelman, Gisha para os amigos que nem se sabe bem quem são, é um daqueles cromos que justificam bem a iconografia excêntrica atribuída aos sábios. Nascido em S. Petersburgo no ano de 1966, foi um estudante brilhantíssimo, somou prémios e prestígio, doutorou-se na Universidade natal e por lá ficou a cogitar, espantando de vez em quando os seus correlegionários com algumas sentenças de prodigiosa invenção, principalmente no campo da geometria diferencial. É tímido, averso a honrarias, alérgico às tentações materiais e tem a figura chapada de Rasputin, com longos cabelos, barbas intermináveis, unhas por cortar e semblante alienado. Nas horas vagas, aventura-se pelas florestas à procura de cogumelos. É basicamente um eremita muitíssimo esperto e ninguém fazia ideia do que ia naquela cabecinha divina até que, num belo dia de Novembro de 2002 edita na net o primeiro paper do seu "Esboço de uma Prova Ecléctica". A Coisa cai como uma bomba de ácido sulfúrico entre os pares. Em 2003, viaja relutantemente às capitais mundiais da matemática (Princeton, Stanford, Yale, UCLA, and so on), para dar conta do seu trabalho e distribuir os 3 volumes da tese de 1000 páginas de equações abreviadas e prosa esotérica. A sensação é a de um climax operático. As afirmações de Gisha implicam verdadeiras revoluções do pensamento matemático, não por demonstrarem o óbvio (a esfera deve ser uma esfera, o cubo deve ser um cubo), mas pela assombrosa abordagem metodológica e pelo virtuosismo técnico da demonstração em si. Alguns extasiados colegas americanos comparam a beleza absoluta das suas equações à arte de Botticelli. Só para dar ideia do fôlego desta Obra ao Branco, Bruce Kleiner, catedrático de Yale mandatado para explicar aos colegas a demonstração de Gisha, passou os últimos 3 aninhos da sua vida apenasmente envolto na tarefa. Ele e outros consagrados académicos têm vindo a confirmar, passo a passo, a validade da Prova Ecléctica.
ONDE ESTÁ O GISHA?
Candidato óbvio ao milhão de dólares do prémio Clay, contendente fortíssimo à mais prestigiada honraria que os matemáticos são capazes de oferecer a um matemático - a Fields Medal - Grigori Yakovlevich Perelman comportou-se, no apogeu académico da sua vida, de acordo com a sua reputação: chegou, demonstrou, maravilhou a audiência e desapareceu do mapa. Depois da última ronda de conferências nos Estados Unidos, regressou à Mãe Rússia, indiferente aos chorudos convites que choveram, e consta que se demitiu do Instituto Steklov de S. Petersburgo. Não responde aos emails, não se lhe conhece uma morada ou um número de telefone. É evidente que não está para ninguém. Não quer saber de prémios; prefere ir à procura de cogumelos. Não precisa de empregos; faz profissão na floresta. Ao barulho da glória prefere o silêncio do Inverno pátrio, onde ninguém lhe interrompe as intermináveis contas de cabeça.
MORAL DA HISTÓRIA
A Matemática pode não passar de uma charada engendrada por deuses cruéis. Mas, por todos os Números Reais, produz mais heróis épicos que a literatura de Homero!
Fontes:
international herald tribune
wikipedia
history.mcs
clay mathematics Institute
quarta-feira, agosto 16, 2006
Um blog necessário.
Descobri finalmente um blog em português dedicado à causa do Ocidente e à monitorização da ameaça islâmica. Se calhar há mais, mas este é tudo aquilo que deve ser. O Observatório da Jihad é lúcido, corajoso, combativo e necessário. Bravo.
- FASCÍCULO QUATRO -
Foi modesta a venda de arte de D. Hortense Luz e pobre a comissão do convalescente Ruben Perdigoto.
Adiadas, por unanimidade, quaisquer propostas de serões do mesmo cariz no Salão Nobre da Junta, foi omitida, por pudor, a natureza dos acontecimentos que se referiram. Por entre os doces perfumes do insenso de sacristia, na quieta melancolia de seculares retábulos das vestutas coisas sagradas, o Padre Tristão tomou em suas santas mãos o rosto macerado do acólito Perdigoto paralhe dizer que são assim os ínvios e tormentosos caminhos e desígnios do Senhor. Que a arte, Segismundo d'Ávila, D. hortense Luz, o penoso sacrifício das suas partes, são, sem apelo, as impenetráveis escarpas que nos elevam a Deus. Que riscasse dos seus caminhos as ruelas e becos de fama duvidosa. Assim, se pouparia a exposições nos serviços de urgência em nada compatíveis com as piedosas determinantes da fé. Que não facilitasse, de costas, a vida ao Demónio.
Consta que a polícia local se debateu com notória dificuldade em dar corpo à participação da delicada ocorrência, na entremeada ambiguidade de termos como agnosticismo, heresia, naturezas mortas, sacos testiculares e bosta de boi, do que resultou um muito impreciso relatório final.
Segismundo d'Ávila compareceu, imperturbável, para o necessário complemento da curiosa instrução do processo. Esclareceu, condescendente, a questão da bosta e o mais subjacente ao serão de arte, vincando de forma precisa que a visão do nabo murcho, entre outras atrocidades inenarráveis, lhe afectara o siso, o rigor crítico, o sentido das coisas, bem como e marcadamente a mutilante cueca da D. Hortense, de facto uma deslumbrante afirmação de natureza viva.
Remetido ao foro psiquiátrico, não obstante a sua manifesta relutância, saíu sem o agravo de culposa acção. Consta que se passeia agora, igual a si mesmo, pelos caminhos do Buqueirão dos Anjos. Distante e senhorial, de juba cinzenta aos ventos, cigarrilha fumegante ao canto do lábio carnudo, húmido e sensual, distribui - parcimoniosamente e a pedido - o seu fino cartão de visita: "Segismundo d'Ávila, negociante de Arte Sacra".
-FIM-
domingo, agosto 06, 2006
The Charge of the Light Brigade
-The Charge of the Light Brigade as seen from the Russian positions on the Fedioukine Hills.-
1.
Half a league, half a league,
Half a league onward,
All in the valley of Death
Rode the six hundred.
"Forward, the Light Brigade!
"Charge for the guns!" he said:
Into the valley of Death
Rode the six hundred.
2.
"Forward, the Light Brigade!"
Was there a man dismay'd?
Not tho' the soldier knew
Someone had blunder'd:
Their's not to make reply,
Their's not to reason why,
Their's but to do and die:
Into the valley of Death
Rode the six hundred.
3.
Cannon to right of them,
Cannon to left of them,
Cannon in front of them
Volley'd and thunder'd;
Storm'd at with shot and shell,
Boldly they rode and well,
Into the jaws of Death,
Into the mouth of Hell
Rode the six hundred.
4.
Flash'd all their sabres bare,
Flash'd as they turn'd in air,
Sabring the gunners there,
Charging an army, while
All the world wonder'd:
Plunged in the battery-smoke
Right thro' the line they broke;
Cossack and Russian
Reel'd from the sabre stroke
Shatter'd and sunder'd.
Then they rode back, but not
Not the six hundred.
5.
Cannon to right of them,
Cannon to left of them,
Cannon behind them
Volley'd and thunder'd;
Storm'd at with shot and shell,
While horse and hero fell,
They that had fought so well
Came thro' the jaws of Death
Back from the mouth of Hell,
All that was left of them,
Left of six hundred.
6.
When can their glory fade?
O the wild charge they made!
All the world wondered.
Honor the charge they made,
Honor the Light Brigade,
Noble six hundred.
-Alfred, Lord Tennyson-
The Battle of Balaclava
Date: 25th October 1854
Place: On the southern Crimean coast in the Ukraine.
Combatants: British, French and Turkish troops against the Imperial Russian Army.
Generals: Lieutenant General the Earl of Raglan commanded the British Army, General Saint-Arnaud commanded the French Army. Prince Menshikov commanded the Russian Army. The Russian commander of the Balaclava assault was General Liprandi, Menshikov’s second in command.
terça-feira, agosto 01, 2006
As dioptrias da justiça.
O aparelho judicial e jurídico da Terceira República tem dois grandes inimigos: o condutor e o contribuinte. Conduzir depois de ter bebido dois copos de vinho e um Johnie Walker, isto sim, é matéria para arruinar a vida a um cidadão, que tem logo direito a cadastro criminal, prisão preventiva - e na reincidência escandalosa - chilindró garantido. Dever uns milhares de euros ao estado (sem se saber bem os milhões de euros que o estado deve aos contribuintes), esse sim é crime capital que justifica a estratégia draconiana da exposição delatora, desonrosa e reles (não, não estou na lista).
Agora, se um bando assassino de adolescentes mata à pancada o desgraçado de um maricas qualquer, o Ministério Público pede que se faça justiça recorrendo a uma cartilha, mais asneira, menos asneira, do género seguinte: "Sr. dr. juíz, queira compreender que estes tristes rapazes, vítimas de uma sociedade indigna da sua inocência, combatiam o tédio das suas singelas e imaculadas vidinhas pela aplicação periódica de uma quantas bárbaras e, enfim, terminais cacetadas no miserável canastro do triste paneleiro-sem-abrigo-nem-vergonha-que-estava-mesmo-a-pedi-las. Não tinham más intenções, para além da motivação lúdica, nem sabiam bem o que estavam a fazer com o corpo morto quando o esconderam e são até crianças devotas à causa cristã, clientes do reputado colégio de uns senhores padres que os educam para serem grandes homens nesta nação que para o futuro tem assim mais aberto o caminho. Vossa Excelência entenderá que, neste contexto, o Ministério exija somente uma reprimendazita, assim qualquer coisa que não chegue a um ano de recolhimento, se possível no fraldário da Cruz Vermelha."
Nada de acusações de homicídio voluntário ou involuntário, nada de sugestões de ocultação do cadáver, nada de saber e investigar como é que um colégio interno gerido pela igreja cria monstros destes, nada, portanto, de decente. O juíz, do alto da sua supra-poderosa ignorância, concorda e sai-se com esta pérola (sic): "Tratou-se de uma brincadeira de mau gosto e espero que as penas aplicadas sirvam de emenda." A defesa, apesar de tudo, insiste em advogar satã e protesta e ameaça e rebola-se na ignomínia dos recursos.
A justiça em Portugal transformou-se num sistema espectacularmente imoral e isto já para não estar aqui com conversas sobre a clemente e convenientemente parcimoniosa jurisprudência para com pedófilos da alta sociedade, mãezinhas que fazem simplesmente desaparecer os seus filhos debaixo da primeira cova que encontram, políticos que despacham a favor dos amigos e em desfavor da lei de república 4 dias antes de deixarem o governo, autarcas fora-da-lei que fogem para o Brasil e regressam para as eleições (nem D. Afonso VI tinha lata p'ra isto); presidentes de clubes desportivos que servem putas aos árbitros depois do jantarzinho que também fizeram o favor de pagar; proxonetas de negócio tão sujo como chorudo, que são libertados com umas pulseiras de tornozelo xpto/gps, depois descartáveis com qualquer alicate da loja dos trezentos, de forma a que possam fugir (outra vez) para o Brasil; antigos pides e confessos assassinos que regressam à pátria para morrer em paz; terroristas do verão quente que são condecorados pela Presidência da República; traficantes de heroína do Casal Ventoso a quem o Dr. João Soares ofereceu uns belos apartamentos na condição ponderada de que não traficassem mais no Casal Ventoso (os novos proprietários traficam agora na Rua Sidónio da Silva) e todos os militantes do Bloco de Esquerda. Para esta gentalha (e outra muita que seria exaustivo descrever em detalhe) a Terceira República mostra a face bonacheirona de quem se peida depois da refeição, a complacência desenterrada das comunas de 68, o humanitarismo bolorento de sacristia, a pedante, francesa e imunda tolerância.
A Justiça em Portugal é a piada mais fraquinha do anedotário dos deuses da democracia e isto já para não falar do Procurador Geral da República que temos e que vai terminar o seu infame, vergonhoso, incompetente, indigno, suspeito e malandro mandato como se nada fosse: impune e inimputável, incólume e sereno. Este imbecil dos sete costados será um dia também condecorado por uma futura e equivalententemente imbecil Presidência da República, e haverá uma rua em Lisboa com o seu nome, e será talvez retratado o seu rosto de rato estúpido para a posteridade, num boneco a cores do Júlio Pomar devidamente colocado no mais nobre dos salões nobres da Procuradoria Geral da República. Este senhor, que só fez merda, que foi conivente ou que foi cúmplice ou que foi autor moral de crimes contra o estado, contra os cidadãos e contra uma noção mínima de decência pública, é uma glória. O desgraçado do cidadão que está atrasado para uma reunião em Coimbra e que descuidadamente leva o seu carrinho pela A1 a 160 km por hora, é um bandido.
A justiça em Portugal é uma vergonha grande e isto já para não falar naquele gajo que tem porte de arma e pode andar armado pelas ruas mesmo que tenha bebido 20 bagaços. É legal. É porreiro. Uma arma de fogo é muito menos perigosa que um automóvel. E isto já para não falar do alegre Presidente de uma Câmara falida que continua a oferecer festivais disto e celebrações daquilo e eventos daqueloutro, porque deu as devidas ordens para que não se pague nada a fonecedor nenhum. É legítimo. Não é por tesura de fundos que os votos deixam de ser comprados. Aqueles que prestaram, entretanto, os serviços ao município e que tornaram possíveis os festivais e as celebrações e os eventos e que ficam anos para receber as devidas facturas e que, por isso, não têm dinheirinho para pagar o IVA e o IRS e o IRC e o IMI e a Segurança Social e a puta que os pariu, esses são os canalhas, esses são os metralhas, esses que se lixaram a trabalhar, esses que fazem mais do que apenas viver à conta de quem trabalha, esses são os marginais.
Aos crápulas, aos assassinos, aos bandidos, aos terroristas e aos traidores, devemos mostrar misericórdia, caramba. Quanto aos outros, é apertar com eles. Afinal, para que precisa Portugal de gente decente?
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