terça-feira, agosto 01, 2006
As dioptrias da justiça.
O aparelho judicial e jurídico da Terceira República tem dois grandes inimigos: o condutor e o contribuinte. Conduzir depois de ter bebido dois copos de vinho e um Johnie Walker, isto sim, é matéria para arruinar a vida a um cidadão, que tem logo direito a cadastro criminal, prisão preventiva - e na reincidência escandalosa - chilindró garantido. Dever uns milhares de euros ao estado (sem se saber bem os milhões de euros que o estado deve aos contribuintes), esse sim é crime capital que justifica a estratégia draconiana da exposição delatora, desonrosa e reles (não, não estou na lista).
Agora, se um bando assassino de adolescentes mata à pancada o desgraçado de um maricas qualquer, o Ministério Público pede que se faça justiça recorrendo a uma cartilha, mais asneira, menos asneira, do género seguinte: "Sr. dr. juíz, queira compreender que estes tristes rapazes, vítimas de uma sociedade indigna da sua inocência, combatiam o tédio das suas singelas e imaculadas vidinhas pela aplicação periódica de uma quantas bárbaras e, enfim, terminais cacetadas no miserável canastro do triste paneleiro-sem-abrigo-nem-vergonha-que-estava-mesmo-a-pedi-las. Não tinham más intenções, para além da motivação lúdica, nem sabiam bem o que estavam a fazer com o corpo morto quando o esconderam e são até crianças devotas à causa cristã, clientes do reputado colégio de uns senhores padres que os educam para serem grandes homens nesta nação que para o futuro tem assim mais aberto o caminho. Vossa Excelência entenderá que, neste contexto, o Ministério exija somente uma reprimendazita, assim qualquer coisa que não chegue a um ano de recolhimento, se possível no fraldário da Cruz Vermelha."
Nada de acusações de homicídio voluntário ou involuntário, nada de sugestões de ocultação do cadáver, nada de saber e investigar como é que um colégio interno gerido pela igreja cria monstros destes, nada, portanto, de decente. O juíz, do alto da sua supra-poderosa ignorância, concorda e sai-se com esta pérola (sic): "Tratou-se de uma brincadeira de mau gosto e espero que as penas aplicadas sirvam de emenda." A defesa, apesar de tudo, insiste em advogar satã e protesta e ameaça e rebola-se na ignomínia dos recursos.
A justiça em Portugal transformou-se num sistema espectacularmente imoral e isto já para não estar aqui com conversas sobre a clemente e convenientemente parcimoniosa jurisprudência para com pedófilos da alta sociedade, mãezinhas que fazem simplesmente desaparecer os seus filhos debaixo da primeira cova que encontram, políticos que despacham a favor dos amigos e em desfavor da lei de república 4 dias antes de deixarem o governo, autarcas fora-da-lei que fogem para o Brasil e regressam para as eleições (nem D. Afonso VI tinha lata p'ra isto); presidentes de clubes desportivos que servem putas aos árbitros depois do jantarzinho que também fizeram o favor de pagar; proxonetas de negócio tão sujo como chorudo, que são libertados com umas pulseiras de tornozelo xpto/gps, depois descartáveis com qualquer alicate da loja dos trezentos, de forma a que possam fugir (outra vez) para o Brasil; antigos pides e confessos assassinos que regressam à pátria para morrer em paz; terroristas do verão quente que são condecorados pela Presidência da República; traficantes de heroína do Casal Ventoso a quem o Dr. João Soares ofereceu uns belos apartamentos na condição ponderada de que não traficassem mais no Casal Ventoso (os novos proprietários traficam agora na Rua Sidónio da Silva) e todos os militantes do Bloco de Esquerda. Para esta gentalha (e outra muita que seria exaustivo descrever em detalhe) a Terceira República mostra a face bonacheirona de quem se peida depois da refeição, a complacência desenterrada das comunas de 68, o humanitarismo bolorento de sacristia, a pedante, francesa e imunda tolerância.
A Justiça em Portugal é a piada mais fraquinha do anedotário dos deuses da democracia e isto já para não falar do Procurador Geral da República que temos e que vai terminar o seu infame, vergonhoso, incompetente, indigno, suspeito e malandro mandato como se nada fosse: impune e inimputável, incólume e sereno. Este imbecil dos sete costados será um dia também condecorado por uma futura e equivalententemente imbecil Presidência da República, e haverá uma rua em Lisboa com o seu nome, e será talvez retratado o seu rosto de rato estúpido para a posteridade, num boneco a cores do Júlio Pomar devidamente colocado no mais nobre dos salões nobres da Procuradoria Geral da República. Este senhor, que só fez merda, que foi conivente ou que foi cúmplice ou que foi autor moral de crimes contra o estado, contra os cidadãos e contra uma noção mínima de decência pública, é uma glória. O desgraçado do cidadão que está atrasado para uma reunião em Coimbra e que descuidadamente leva o seu carrinho pela A1 a 160 km por hora, é um bandido.
A justiça em Portugal é uma vergonha grande e isto já para não falar naquele gajo que tem porte de arma e pode andar armado pelas ruas mesmo que tenha bebido 20 bagaços. É legal. É porreiro. Uma arma de fogo é muito menos perigosa que um automóvel. E isto já para não falar do alegre Presidente de uma Câmara falida que continua a oferecer festivais disto e celebrações daquilo e eventos daqueloutro, porque deu as devidas ordens para que não se pague nada a fonecedor nenhum. É legítimo. Não é por tesura de fundos que os votos deixam de ser comprados. Aqueles que prestaram, entretanto, os serviços ao município e que tornaram possíveis os festivais e as celebrações e os eventos e que ficam anos para receber as devidas facturas e que, por isso, não têm dinheirinho para pagar o IVA e o IRS e o IRC e o IMI e a Segurança Social e a puta que os pariu, esses são os canalhas, esses são os metralhas, esses que se lixaram a trabalhar, esses que fazem mais do que apenas viver à conta de quem trabalha, esses são os marginais.
Aos crápulas, aos assassinos, aos bandidos, aos terroristas e aos traidores, devemos mostrar misericórdia, caramba. Quanto aos outros, é apertar com eles. Afinal, para que precisa Portugal de gente decente?