domingo, dezembro 31, 2006
À procura do ano épico.
Karajan Conducting Beethoven's 5th Symphony.
Part 1 (Movements 1 and 2)
Very old and rare film, no longer in print, recorded in 1966.
sábado, dezembro 30, 2006
7 pérolas da Colecção do Dr. Rau.
7 - MAX LIEBERMANN
Recreio no Orfanato de Amsterdão
1876, óleo sobre tela, 45cmx72 cm
Max Liebermann (1847-1935) foi, com Lovis Corinth e Max Slevogt, uma das primeiras figuras do impressionismo alemão, o que, convenhamos, nem é dizer grande coisa. Mas independentemente do clube epistemológico, não deixou de ser um prodigioso mestre e um ser humano como deve ser: ao contrário do estereotipo popular na Europa latina, em que o artista tem que ser um excêntrico ou um bêbado ou um doido ou as três coisas ao mesmo tempo, Liebermann era um homem sério, sóbrio e elegante, um berlinense virtuoso com estudos de filosofia e de direito e espírito vanguardista.
E é precisamente essa predisposição p'ra-frentex, esse domínio do desenho avant garde, que aqui se ilustra na perfeição.
Este orfanato de Amsterdão é, antes de outra maravilha qualquer, um verdadeiro tratado de design gráfico. A coisa está tão equilibradinha que até enerva. A utilização do vermelho e do branco reforça a perspectiva e o traço estiliza as formas. Depois, confesso que, no Museu Nacional de Arte Antiga, se ouvia perfeitamente a conversa das raparigas, por entre o tricotar dos minutos.
Adoro este boneco por causa da sua simplicidade e da sua sensibilidade. Porque o homem consegue fazer de um canto de um orfanato uma obra prima. É preciso um génio enorme para fechar este ângulo assim. É preciso fazer-se muita luz no espírito, para arrancar a arte dos braços do tédio.
(I) Apesar da popular visão certinha, positivista e politicamente correcta de um cosmos de algibeira, universalizada por Einstein, outros sábios mais lúcidos e menos mediáticos cedo chegaram à desconcertante e gloriosa conclusão de que a física newtoniana podia servir muito bem para impressionar colegiais e jornalistas, mas seria sempre pobre instrumento para a inquisição a que a ciência humana tenta submeter o universo.
Em plena ascensão nazi, Werner Heisenberg - homem do regime e por isso um dos mais perigosos personagens da história do século XX - demonstrou a impossibilidade de medir simultaneamente e com precisão absoluta a posição e a velocidade de uma partícula e que a observação do objecto atómico influi no seu comportamento.
Quase em simultâneo, Niels Bohr, o dinamarquês irredutível, demonstrou que o fotão poderia ser, em simultâneo, uma onda e uma partícula, entregando assim de borla a um obscuro criador, a possibilidade de estarmos certos seja do que for.
Mas já antes, a partir do famoso teorema de Euclíades - um cretense que teimava em afirmar dialecticamente que todos os seus compatriotas eram mentirosos*- Kurt Godel, matemático obsessivo e genial, demonstrara por a+b aquilo que é fundamental entender de uma vez por todas: que qualquer sistema aritmético inclui a sua própria negação. E assim sendo, esse velho preconceito aristotélico de que uma coisa só pode ser ela própria e nunca o seu inverso, deixa de ter justificação para poluir as mentes.
O princípio da incerteza de Heisenberg, a mecânica ondulatória de Bohr e o Teorema de Godel remetem às urtigas da epistemologia os bolorentos, pusilânimes e quadradões modelos positivistas de gente tão ilustre como Einstein, Conte e Descartes.
Sim é muito possível que não exista essa onírica Grande Ordem do Cosmos.
Sim é possível que o conhecimento atinja em tempo real, os seus limites.
Sim, Gaston Bachelard é capaz de ter acertado quando sugeriu que a ciência - como a filosofia e a arte - poderiam evoluir por ruptura e não por continuidade.
Sim, somos apenas produto de uma jogada de dados, entre deuses danados.
E não, não, não nos é possível perceber a batota.
*Se todos os cretenses tiverem de facto a tendência para a ficção, a afirmação será verdadeira. Mas nesse caso, como acreditar em Euclíades, o Cretense, que não passa de um mentiroso?
quarta-feira, dezembro 27, 2006
What the bleep do we know?
Alguns poucos dos fellow bloggers que frequentam este infrequentável blog sabem da minha embirração filosófica com Albert Einstein. Não porque não goste dele como figurinha de génio, porque gosto, mas simplesmente porque popularizou, no século XX, um conceito errado - e incompleto - do universo.
No concurso para a posteridade, o grande prejudicado pelo equívoco foi este senhor chamado Werner Karl Heinsenberg, que descobriu muito simplesmente que os mais pequenos elementos constituintes da matéria mostram um comportamento deveras ignorante do pensamento de Newton e alegremente indeferente às leis do bom Albert. Um exemplo: num exacto e único momento de tempo, a mesma partícula pode manifestar-se em duas dimensões espaciais. Outro: a observação dessa partícula altera o seu comportamento. E concluíndo: é impossível determinar com exactidão a sua posição no espaço, num dado momento. O máximo que podemos determinar é uma probabilidade. O príncipio que devemos seguir é o da incerteza.
O facto de termos um computador em casa é elucidativo de que a Mecânica Quântica é do tipo mais contemporâneo que a Mecânica dos Corpos Celestes, cujas leis físicas impossibilitam a existência do microprocessador. A matemática, a tecnologia e a indústria humanas, conseguiram adaptar-se surpreendentemente depressa aos conceitos surrealistas da Quântica e colocaram a revolução científica ao serviço da civilização. Mas em áreas como a política, a filosofia, a religião, a literatura e o senso comum, as conclusões de Heisenberg e de Niels Bohr são de natureza alienígena.
Ora, para utilizar o léxico do meu querido amigo Pedro Barros, que é barra nesta conversa, não se percebe lá muito bem porque é que o paradigma mental permanece imutável quando entretanto já se demonstrou desadequado para fazer frente à realidade e anacrónico porque vive falido de convicção científica.
""What the bleep do we know"" é um documentário de origem suspeita e de motivação esotérica, que corre o risco de estar para a Física Quântica como o Código da Vinci para a História das Religiões, mas a produção é competente, os dados científicos são credíveis e fazem-se de facto algumas perguntas certeiras. Porque há mais no universo do que compreendia a fértil imaginação de Einstein, recomendo vivamente esta hora e meia de interrogações.
Deixo aqui um excerto divertido do documentário em questão, interessante para quem queira perceber em cinco minutos os fundamentos experimentais da Mecânica Quântica, e volto a editar, em posts seguintes, os textos sobre Einstein escritos para o Ocidental Praia, no ano de 2003.
Saudação a Walt Whitman (até certo ponto).
Eia, Walt Whitman, grande jardineiro dos prados vermelhos da Guerra Civil Americana, indefectível secretário dos serviços de recrutamento, entusiasta dos cinquenta mil mortos em Gettysburgh, descomplexado publicitário da indústria das armas, tardio cheerleader das chacinas da Independência! Saúdo-te infame ajudante de campo que só chegaste a enfermeiro e saúdo os teus versos exultantes por tanta gente a morrer em nome dos teus ideais, dos teus ideais romanescos de adolescente que acredita no futuro! Dos teus ideais de cálamo que vencem sobre mil tiros de canhoaria afinada!
Ah, companheiro que entendes bem o insignificante valor da vida, que te encantas com os teus sonhos de uma democracia em papel de pauta, que envias - em alegres elegias - esses jovens todos da tua América sonhadora para a morte mais real do que tu alguma vez sonhaste. Do que tu alguma vez imaginaste nessa tua imaginação de Quixote, embrulhado em quimeras que valeram por todo uns bons milhões de mortos! Sim tu, bravíssimo poeta do jugo dos exércitos, incorrígivel trovador da morte na batalha, benévolo terrorista dos destinos dos outros, enquanto preparavas a tua imortalidade! Eia, grande cabrão entre os belzebus da literatura, arcanjo de todos o mais grego, de todos o grande elefante da poesia da guerra, Aníbal de chapéu de palha, Maquievel barbudo a cuspir o tabaco do Sul no escarradouro de Bull Run, Francis Drake de fato macaco a construir o caminho de ferro por onde vão entrar as indústrias do Norte; eia, miserável produto da estirpe divina, como a morte te inspira! Saúdo-te!
E saúdo-te também, Homero, imperador único na história universal do ódio, eia por Aquiles e a sua glória de sangue, eia por Ulisses e a sua astúcia de facínora! Urra pela beleza da guerra e pelos semi-deuses a quem não se permite um funeral! Urra pela arte militar e pela convenção estética do ataque e pela honra que conduz à vingança que leva à tragédia! Eia pelo herói predador, que há-de ser deus por ousadia! Sim, saúdo-te grande ferreiro da palavra espada, genial contador de histórias horríveis, com deuses crúeis e homens escravos dos piores destinos, há-de a tua glutonaria necrófaga ser perdurável sobre as eras! Há-de Heitor ser o general de todas as pelejas!
Saúdo-te Plutarco, velho amigo que criaste em Alexandre uma alma, que soubeste versar qualquer coisa para lá da armadura! Ah, notável agente cosmético da história dos horrores humanos, beneficiasse S. Jorge da tua prosápia e teria chegado a messias!
Saúdo-te outrossim, Camões do espadachim e das conquistas mais gloriosas que a vergonha dos escravos, que a crueldade dos capitães, que a ambição dos mercadores! Grande falo militaróide da história trágico marítima, inventor miliciano da língua portuguesa, saúdo-te, toxicodependente de sarilhos, gajo de porradas nas tascas e de duelos no Paço (rebelde com nódoas negras, que também levaste na cara), animal divino nessa meia cegueira dos teus versos vagas; contente de tantos dias de calabouço, de tantos anos de misérias és vaidoso ò grande diabo lusíada!
Saúdo-te ainda Lord Tenysson, por teres levantado da campa do esquecimento aqueles oitocentos desgraçados da Brigada Ligeira que foram ser barro para a tua olaria de rimas!
Saúdo-te também, Claude Mckay, que te insurgiste pronto-a-morrer no campo de batalha do teu delírio! Africano de Sunny Ville, jamaicano de Alabama, louco furioso dos sonetos if you must die, die hard! Ferve-te esse sangue de soldado em vinganças e hemorragias e fazes belos versos à cabidela! Saúdo-te!!
E sim, saúdo russos e chineses, prodigiosos estetas da guerra! Árabes e japoneses, senhores da mais bela e belicosa lírica que um momento zen de ódio imenso pode reclamar. Darth Vaders de todos os hinos,
Saúdo-vos!
E sim, saúdo-vos todos, velhos trovadores da contenda que é a natureza humana! Eu, que não sou de Esparta nem de caserna, nem grego nem troiano, saúdo-vos camaradas! Eu, que sou deste lado do tempo sem peleponesos, nem termópilas, sem batalhas dignas de um verso porque chegaram entretanto em directo para o jornal da noite, sem mitos e sem heróis porque a televisão estraga tudo com a merda da realidade por satélite; eu aqui, em Lisboa, 2007 Portugal Codex, que não sei nada de guerra, que não saberia segurar um espadim, que me borraria certamente inteirinho ao trovão da carga, como ao bramido da ofensiva, que sou um verdadeiro pacifista, no sentido mais profundamente quizilento da palavra - o europeu; saúdo-vos, bravos bandidos da literatura!!!
Ah, companheiro que entendes bem o insignificante valor da vida, que te encantas com os teus sonhos de uma democracia em papel de pauta, que envias - em alegres elegias - esses jovens todos da tua América sonhadora para a morte mais real do que tu alguma vez sonhaste. Do que tu alguma vez imaginaste nessa tua imaginação de Quixote, embrulhado em quimeras que valeram por todo uns bons milhões de mortos! Sim tu, bravíssimo poeta do jugo dos exércitos, incorrígivel trovador da morte na batalha, benévolo terrorista dos destinos dos outros, enquanto preparavas a tua imortalidade! Eia, grande cabrão entre os belzebus da literatura, arcanjo de todos o mais grego, de todos o grande elefante da poesia da guerra, Aníbal de chapéu de palha, Maquievel barbudo a cuspir o tabaco do Sul no escarradouro de Bull Run, Francis Drake de fato macaco a construir o caminho de ferro por onde vão entrar as indústrias do Norte; eia, miserável produto da estirpe divina, como a morte te inspira! Saúdo-te!
E saúdo-te também, Homero, imperador único na história universal do ódio, eia por Aquiles e a sua glória de sangue, eia por Ulisses e a sua astúcia de facínora! Urra pela beleza da guerra e pelos semi-deuses a quem não se permite um funeral! Urra pela arte militar e pela convenção estética do ataque e pela honra que conduz à vingança que leva à tragédia! Eia pelo herói predador, que há-de ser deus por ousadia! Sim, saúdo-te grande ferreiro da palavra espada, genial contador de histórias horríveis, com deuses crúeis e homens escravos dos piores destinos, há-de a tua glutonaria necrófaga ser perdurável sobre as eras! Há-de Heitor ser o general de todas as pelejas!
Saúdo-te Plutarco, velho amigo que criaste em Alexandre uma alma, que soubeste versar qualquer coisa para lá da armadura! Ah, notável agente cosmético da história dos horrores humanos, beneficiasse S. Jorge da tua prosápia e teria chegado a messias!
Saúdo-te outrossim, Camões do espadachim e das conquistas mais gloriosas que a vergonha dos escravos, que a crueldade dos capitães, que a ambição dos mercadores! Grande falo militaróide da história trágico marítima, inventor miliciano da língua portuguesa, saúdo-te, toxicodependente de sarilhos, gajo de porradas nas tascas e de duelos no Paço (rebelde com nódoas negras, que também levaste na cara), animal divino nessa meia cegueira dos teus versos vagas; contente de tantos dias de calabouço, de tantos anos de misérias és vaidoso ò grande diabo lusíada!
Saúdo-te ainda Lord Tenysson, por teres levantado da campa do esquecimento aqueles oitocentos desgraçados da Brigada Ligeira que foram ser barro para a tua olaria de rimas!
Saúdo-te também, Claude Mckay, que te insurgiste pronto-a-morrer no campo de batalha do teu delírio! Africano de Sunny Ville, jamaicano de Alabama, louco furioso dos sonetos if you must die, die hard! Ferve-te esse sangue de soldado em vinganças e hemorragias e fazes belos versos à cabidela! Saúdo-te!!
E sim, saúdo russos e chineses, prodigiosos estetas da guerra! Árabes e japoneses, senhores da mais bela e belicosa lírica que um momento zen de ódio imenso pode reclamar. Darth Vaders de todos os hinos,
Saúdo-vos!
E sim, saúdo-vos todos, velhos trovadores da contenda que é a natureza humana! Eu, que não sou de Esparta nem de caserna, nem grego nem troiano, saúdo-vos camaradas! Eu, que sou deste lado do tempo sem peleponesos, nem termópilas, sem batalhas dignas de um verso porque chegaram entretanto em directo para o jornal da noite, sem mitos e sem heróis porque a televisão estraga tudo com a merda da realidade por satélite; eu aqui, em Lisboa, 2007 Portugal Codex, que não sei nada de guerra, que não saberia segurar um espadim, que me borraria certamente inteirinho ao trovão da carga, como ao bramido da ofensiva, que sou um verdadeiro pacifista, no sentido mais profundamente quizilento da palavra - o europeu; saúdo-vos, bravos bandidos da literatura!!!
quarta-feira, dezembro 20, 2006
domingo, dezembro 17, 2006
quinta-feira, dezembro 14, 2006
Política Produto.
A completa sem vergonhice ideológica em que vive esta Terceira República insulta-me a sensibilidade, confesso. O Governo de Sócrates é um buraco negro em filosofia política e uma supernova de pragmatismos. Vale qualquer coisa em nome de um materialismo muito pouco dialéctico: se não há dinheiro para alimentar a máquina do Estado, debita-se (e debilita-se) a carteira do cidadão. Pão, pão e cada vez menos queijo. Isto tudo com aquele arzinho propagandístico muito típico de quem está convencido que tem legitimidade moral para ser amoral. Só um pequeno e fresquinho exemplo: hoje aparece-me pelo jantar a dentro o draconiano e mega-confiante Ministro das Finanças, anunciando solenemente aos portugueses que, se todos os deuses do Casino Estoril nos acompanharem até lá, em 2010, será talvez possível, por remota e feliz hipótese, baixar os impostos. Não diz que impostos nem especifica reduções mas eu, que já percebi tudo, alvitro: 2% no IRC sobre a actividade bancária e 0.2% no IRS da classe média. O que seria correcto dizer aos portugueses claro está que não é nada disto. O que o Senhor Ministro das Finanças deveria ter dito, se não fosse um reverendíssimo Francisco Esperto, é que ao certo, ao certo vai continuar alegremente a roubar as empresas e os cidadãos até 2010, como o tem feito com sistematização puritana e eficiência alemã desde que chegou ao Terreiro do Paço. Isso sim, seria de homem inteiro. Roubar já foi, na história recente do País, um volição de carácter vincadamente ideológico. Tem é que ser assumido, para ser conceptual. Assim disfarçado como vem, não vale nada e é coisa de pulhas.
Não há hoje, em Portugal, uma Esquerda que transcenda a irresponsabilidade do Bloco e o anacronismo dos Comunistas. A prova disso é que, para ocupar o espaço-vácuo, não faltam subprodutos: da Primeira Dama a Freitas do Amaral, de Manuel Alegre ao Maria Carrilho, do Gato Fedorento aos editores da Visão, toda a mais triste fauna do país corre avidamente para a pena-planície imediatamente à esquerda do centro do universo.
O problema é que também não há, hoje, em Portugal, uma direita que recupere dos traumas recentes e dos equívocos passados. O Senhor Marques Mendes não sabe estar no lugar que ocupa nem sabe fazer o que lhe é exigido. O Senhor Ribeiro e Castro estaria talvez melhor no posto do Senhor Filipe Vieira, mas não percebe absolutamente nada de combate político. O Senhor Paulo Portas é um pedante insuportável e o Senhor Pacheco Pereira não está para isto, quer é fazer carreira como blibliotecário de Alexandria. Cavaco, entretanto, fez-nos saber por sua cara metade que já deu.
Este lamentável episódio da aparição bolchevique de Maria Cavaco Silva na Visão é de uma vilania incomparável. Para já porque é cobarde. Se a Senhora Presidente e seu Primeiro Cavalheiro assumem enquadrar-se algures entre o zero da convicção política e o infinito da Revolução Francesa, talvez tivesse sido decente que o tivessem dito por altura da miserável feira eleitoral que por desgraçada imponderabilidade histórica os depositou no Palácio de Belém. Não é?
Depois, por todos os deuses do pudor, o Senhor Presidente da República não deve mandar a mulher para a latrina da política, pois não? Não deve usar a sua senhora como pombo correio, não é verdade? O Senhor Presidente da República deve, ele próprio, com perturbações técnicas na transmissão televisiva ou não, falar das suas convições ao tribunal da malta. Ou deve utilizar os seus cães de fila, que os tem bem alimentados, para o deprimente efeito, certo?
A Política até pode viver sem ideias (sobra ainda o produto tecnocrático). Mas seria recomendável que não se lhe falisse também a educação. Afinal, bom senso e bom gosto, mesmo que em pacote, nunca fizeram mal a ninguém.
terça-feira, dezembro 12, 2006
Da Condição Estética de Deus.
O blog do Manuel Anastácio é uma coisa rara de inteligência, erudição e sentido estético. Muito rara mesmo. E o que não falta no Da Condição Humana são posts brilhantes. Mas que dizer deste? Cada dia que passa é mais nítido que a blogosfera nacional está não sei quantos mil furos acima do registo. Já eramos um país de poetas. Somos agora uma nação de bloggers.
sexta-feira, dezembro 08, 2006
318 pontos.
Hoje à noite fez-se história em New Jersey. No mais espectacular jogo da NBA de que tenho memória (e já ando nisto há uns anos) os Phoenix Suns bateram os Nets, depois de 2 prolongamentos, pela módica quantia de 161-157. Não, não é gralha. Não, não estou a gozar. 161-157. Só no quarto período estes doidos marcaram 84 pontos. O resultado esteve sempre incerto (a diferença nunca saiu das unidades) e a liderança pontual mudou 34 vezes, registando-se 21 empates no marcador. O senhor Steve Nash - que é um mago já eleito por duas vezes como MVP da competição - marcou sózinho 42 pontos, o seu máximo de carreira. Do outro lado, o senhor Jason Kidd - que também é assim para o jeitoso - só marcou 38, mas como teve inspiração para somar 14 assistências e mais 14 ressaltos (triplo-duplo verdadeiramente extra-terráqueo), está perdoado. Os Suns dão sempre espectáculo porque o seu sistema de jogo - conhecido como hit and run - é baseado numa velocidade estonteante e na mais descomplexada atitude perante o cesto que se pode imaginar: se podes atirar para lá a bola, por que esperas? O problema é que a malta de New Jersey não fez o que geralmente fazem as restantes equipas da NBA quando jogam com esta gente acelerada de Phoenix e que é estar sempre a tentar baixar o ritmo do jogo. Aceitaram o desafio e desataram para ali a correr como se não houvesse um amanhã. Eu próprio, deste lado do Atlântico e devidamente enroscado no meu sofá, fiquei exausto.
É muito raro o privilégio de testemunhar a história em construção. Mas hoje, caramba, foi mesmo uma coisa para os anais da competição profissional. E não sou só eu que o digo. Basta correr a imprensa americana ou simplesmente passar por aqui, para se perceber a dimensão olímpica desta partidinha de basquete.
quinta-feira, dezembro 07, 2006
2 - Elogio da Sociedade da Informação
“Nuclear war would really set back cable.”
-TED TURNER-
Imaginem a vida sem telejornal. Sim, pensem lá um bocadinho neste cenário maluco. Não se sabe que tempestade tropical humilhou a administração Bush. Não se sabe que este anti-artista chamado Nelson é capaz por facto de marcar aquele golo em Old Trafford. Não se sabe, aliás e basicamente, nadinha que transcenda o horizonte imediato. BreakingNews: a batata está a crescer benzinho. O Manuel da Vinha sovou a mulher. O prior vomitou outra vez na tasca do Vitor dos Traçadinhos.
Imaginem, por um instante, uma sociedade que não é a da informação.
Imaginem que vivem em Paris e só sabem do Terramoto de Lisboa de 1 de Novembro de 1755 no dia 6 de Janeiro ano seguinte. E onde é que estavam no dia em que as torres gémeas sofreram da infâmia do mundo? Não podem saber. Não calculam ao certo. Só tomaram consciência da ignomínia para aí umas três semanas depois, por causa de um primo que estava em Nova Iorque e que escreveu a tranquilizar a família. Imaginem, se for possível, que o conhecimento da Tsunami do Indico chega um mês depois de ter acontecido a desgraça.
A história do homem antes da CNN é uma coisa enorme e misteriosa: como é que é viver neste mundo sem saber para além da província? Como é que é não nos preocuparmos com a fome no Sudão? Quem é que consegue viver sem saber, em tempo real, quantos soldados americanos por minuto é que estão a morrer no Iraque? Existe de facto alguma guerra que possa ser feita sem correspondentes de guerra? É possível agredir se a agressão não seguir pelo tubo que dá caminho para todas as casas do mundo? É admissível a redenção que não salva em directo? É justificável condenar alguém de aqui do bairro que não seja culpado perante o mundo todo? É plausível o aquecimento global se não for rúbrica recorrente na grande reportagem? Perceberíamos alguma coisa do caos sem que, com diligência profissional, nos informassem dele?
Seríamos reciclados, seríamos deitados fora; seríamos sábios, seríamos ignaros, o que seríamos, o que seria de nós audiências, sem o pivot das notícias do mundo, esse grande protector da verdade de plástico?
Imaginem a vida sem telejornal. E deêm graças por Ted Turner.
“O êxtase absoluto, o momento em que tocamos os deuses, encontramo-lo no corpo de uma mulher entregue em paixão, na esfusiante embriaguês do desejo, na total cedência ao festim único do orgasmo, sem pudores ou detenças entre o bem e o mal - percepção inócua que tantas vezes condiciona relações tristemente falhadas em nome de absurdos terrores incutidos pelo prior da paróquia, espelho de puritanices obscuras - falsa castração que apequena a grandiosidade desse sublime momento.”
Vê-se que este senhor autor sabe do que fala, é mestre no assunto, entre outras muitíssimas coisas de vasto latim um bocado complicadas para o meu modesto entendimento. Para dizer a verdade, só costumo ler os jornais da bola, o Correio da Manhã e uns policiais, quando calha.
Mas a coisa caiu-me no goto. Não afirmo que compreendi tudo o que li, que é coisa que de facto não me acontece com frequência, que sou de poucas letras, um bocadinho para o atrasado. Mas aquela coisa de tocar os deuses mais o orgasmo e a referência ao prior é à sua falsa castração - por acaso não vou à igreja desde que, sem o meu consentimento, me baptizaram; assunto que tem dado conversa de bota a baixo com o ordinário do meu padastro - deu-me para matutar e até tentei comentar o caso com a malta. Não adiantei nada com isso. O Benfica tinha perdido e era assim um fim de tarde lixado na tasca do Azambrino e a rapaziada não pareceu lá muito empenhada em discutir este género de tramóia, até porque o chanfrado do árbitro, filho da prostituta a quem quasi todos juravam já ter dado cabo do colchão e do resto, que era muito, dominava a conversa.
Claro que não era assunto para tratar de ânimo leve com a minha santa Gervásia, que só fez a segunda classe e teve desde logo que alombar no armazém de frutas do bairro para sacar mais uns tostões que a coisa estava preta e eu na altura a moer-me com uma danada de uma entorse que não dava sequer para me coçar. De resto, a diferença entre um orgasmo e um apito não tem importância nenhuma para a boa da Gervásia.
A rebentar de dúvida e curiosidade, acerquei-me num belo dia do Zeca, um gajo de truz que anda na Machado de Castro. O tipo dispunha de resmas de livralhada e de um dicionário que nunca mais acabava. E lá estava: “Grau máximo de excitação na cópula carnal, objecto de desejo venéro.” É claro que fiquei um pedaço embatucado. O Zeca é da opinião que os senhores fazedores de dicionários nunca tratam as coisas de maneira que a malta apanhe à primeira. Que nunca chamam os bois pelo nome. Por exemplo, quando se lhes pede que definam este animal, pespegam-nos com isto: “peça rústica, animal de canga, usado por ocasiões de festividades religiosas, corneta de dois chifres ou, se é aleijado, de um só deles. Que figura na qualidade de bumba-meu-boi no Paraíba do Sul do Brasil em festanças de carácter pagão.” E por aí adiante de modo que é difícil imaginá-lo pendurado no talho do Tó do Gancho. Não há sequer uma referência a um bom bife à café.
O que se queria dizer, segundo o Zeca, é que quando me enrolava com a minha santa Gervásia, estava simplesmente a copular. Preocupou-me aquela do venéreo, moléstia que mete antibióticos e outras mezinhas, e nunca me passou pela cabeça sujeitar a Gervásia a um horror de tal tamanho. Também não me lembro de alguma vez ter tocado os deuses, o que se calhar não é possível porque não estou a ver como é que agarrando as mamas da cara metade estaria em condições de jogar as mãos às coisas sagradas.
Aliás nisto de deuses, tinha a ideia de que há um só Deus. Mas depois a coisa mete o Jesus Cristo, parente próximo - por acaso carpinteiro que também é a minha arte - e ainda vem o Espírito Santo, a mãe de Jesus que era virgem e outros familiares de muito respeito e santidade. Depois há uma catrefa de santos e santinhas a dar com um pau. Não há um dia do calendário que não os tenha. Ele é o S. Martinho, o Santo Ambrósio, o S. Francisco, o S. Jorge, o S. João, o S. Paulo, o S. Pedro e até o Santo António tem uma estátua nas avenidas novas. É uma confusão levada da breca porque se calhar sempre me estive borrifando para as chatices da catequese e nunca fui capaz de vasculhar estas graves questões que vêem na Biblia que a minha tia Almerinda me ofereceu num dia de aniversário, andava eu ainda de calções.
Ora o Malaquias, um fulano reformado de falas grossas e muitas flatulências, que pára ali no jardim sempre acompanhado daqueles pacotes de cartão de litro de vinho tinto, que canta muito bem Francisco Alberto Sinatra, filósofo de boa cepa e reputação, sobretudo à medida que vai esgotando o pacote de litro; por entre os fartos bigodes que estão p'ra aí há 20 anos em completo abandono, garantiu-me um dia destes que a questão de Deus e dos deuses é assunto de muita fruta e delicada embalagem. Que os gregos e os romanos, bem como outros trogoloditas de antigamente, adoravam uma resma de divindades. Que era só escolher à fartazana. Que eram uns bacanos que moravam no Olimpo, uma espécie de condomínio de cinco estrelas, com piscinas, polibans, bidés revestidos a folha de ouro e um ror de outras mordomias sem impostos. Que, pessoalmente, de entre todos os deuses, tinha especial preferência por Diana, Mandrake, Vénus, o Super Homem e, em particular, por Baco. Que as criaturas são livres por simples questão de fé, o que me deixou um tanto apreensivo porque sou um homem sem fé nenhuma, nem quando arrisco na lotaria.
E ainda, segundo Malaquias, que nisto de Deus e de deuses há muita escolha, conforme se seja judeu, da Palestina, sírio, da Patagónia, capitalista americano ou simplesmente da Malveira da Serra. Que é assim basta ver os telejornais onde se nos mostram, a cores, que se mata e morre aos montões desde sempre, em nome de Deus, Alá e outros mostrengos e que, se se ler a Biblia ou o Kama Sutra com verdadeira devoção, à ideia de que só há um Deus não se deve dar importância de maior, visto que sendo o homem feito à sua imagem - como defende o prior, por seu livre arbítrio que, aliás, depende muito dos dias que lhe sobram, das pesadas preocupações com o deficit do Vaticano e mais com a cáfila de estafermos que alimentam e consomem a desavergonhada pedófilia de sacristia - não há que o recear. Está visto que não faz sentido a existência de um Deus alheio às monstruosidades que podia e devia evitar com um piedoso estalar dos dedos.
Diz ainda o Malaquias - enquanto não chega a piela do cair da noite - manipulando, cuidadoso e diligente, o segundo pacote de tinto, que basta lembrar a Santa Inquisição, o Holocausto, as guerras que incessantemente incendeiam o que resta deste pobre mundo, a escravidão que capou montanhas de gentes com a mesma catana com que cortada foi a cana que enriquecia os senhores dos seus destinos e vidas. E mais. Hiroshima, Nagasaki. Como aceitar a infinita misericórdia de tal Deus, que permitiu o horroroso bigode de Hitler, a barbicha de Bin Laden, o espantoso Ébola, os despautérios da Lili Caneças e agora até o obsceno aumento dos vinhos.
Para mais e por via das opções que tomamos livre e convictamente, ao céu e ao inferno - metáforas para assustar os crédulos e as criancinhas - é difícil aceder porque, junto dos seus portões, haverá certamente intermináveis engarrafamentos. Para entrar nesta história da eternidade é seguro que, no entretanto, se morre de velho.
O parecer do Malaquias nesta delicada matéria não é susceptível de recurso nem que venha de lá a lábia do Marcelo Rebelo de Sousa a 150 contos o parágrafo. E acrescenta que cristãos (novos e velhos), muçulmanos, maoistas, afroditas, chefes de secção das finanças, sportinguistas e transformistas são uma só molhada tomada pelo todo, espécies que os de Israel, por exemplo, hortodoxos ou não, ignoram absoluta e indiscriminadamente, quando são feitos explodir por entre crianças e idosos, coxos e marrecos.
E que mais isto mais aquilo até que finalmente o sol se arrecada sobre a folhagem do jardim - o pacote do tinto já esgotado - e Malaquias começa por entoar os primeiros acordes do My Way do amigo Sinatra. Esbugalharam-se-me os olhos de tantos saberes ditados por entre sorrisos sardónicos e algumas sonoras e convulsas gargalhadas. Um cultíssimo companheiro, este amigo Malaquias da Saudade.
A verdade é que naquela noite fui-me à Gervásia a rebentar do tal grau máximo de excitação por causa daquela coisa do copular e do desejo venério e das outras tretas todas. É certo que não dei por chegar aos deuses, nem por gozar o sublime festum de um orgasmo do caraças, mas penso que devo ter andado lá por muito perto. Acho que é só uma questão de ter fé e insistir. Acabou-se aquela sensaboria da obrigação, dia sim, dia não, excepto nos dias sagrados, como no Natal, na Páscoa e no Dia da Nossa Senhora da Conceição, que é da particular devoção da Gervásia. A coitadinha, derreada, não pode nessa manhã fazer-se ao armazém, para aviar a fruta do costume.
Hei-de falar ao Zeca naquela história do Kama Sutra, que pelos zum-zuns que ouvi na tasca do Azambrino fiquei com a impressão que a minha santinha vai ter de meter atestado médico por incapacidade, e por uma boa temporada.
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