quinta-feira, dezembro 14, 2006
Política Produto.
A completa sem vergonhice ideológica em que vive esta Terceira República insulta-me a sensibilidade, confesso. O Governo de Sócrates é um buraco negro em filosofia política e uma supernova de pragmatismos. Vale qualquer coisa em nome de um materialismo muito pouco dialéctico: se não há dinheiro para alimentar a máquina do Estado, debita-se (e debilita-se) a carteira do cidadão. Pão, pão e cada vez menos queijo. Isto tudo com aquele arzinho propagandístico muito típico de quem está convencido que tem legitimidade moral para ser amoral. Só um pequeno e fresquinho exemplo: hoje aparece-me pelo jantar a dentro o draconiano e mega-confiante Ministro das Finanças, anunciando solenemente aos portugueses que, se todos os deuses do Casino Estoril nos acompanharem até lá, em 2010, será talvez possível, por remota e feliz hipótese, baixar os impostos. Não diz que impostos nem especifica reduções mas eu, que já percebi tudo, alvitro: 2% no IRC sobre a actividade bancária e 0.2% no IRS da classe média. O que seria correcto dizer aos portugueses claro está que não é nada disto. O que o Senhor Ministro das Finanças deveria ter dito, se não fosse um reverendíssimo Francisco Esperto, é que ao certo, ao certo vai continuar alegremente a roubar as empresas e os cidadãos até 2010, como o tem feito com sistematização puritana e eficiência alemã desde que chegou ao Terreiro do Paço. Isso sim, seria de homem inteiro. Roubar já foi, na história recente do País, um volição de carácter vincadamente ideológico. Tem é que ser assumido, para ser conceptual. Assim disfarçado como vem, não vale nada e é coisa de pulhas.
Não há hoje, em Portugal, uma Esquerda que transcenda a irresponsabilidade do Bloco e o anacronismo dos Comunistas. A prova disso é que, para ocupar o espaço-vácuo, não faltam subprodutos: da Primeira Dama a Freitas do Amaral, de Manuel Alegre ao Maria Carrilho, do Gato Fedorento aos editores da Visão, toda a mais triste fauna do país corre avidamente para a pena-planície imediatamente à esquerda do centro do universo.
O problema é que também não há, hoje, em Portugal, uma direita que recupere dos traumas recentes e dos equívocos passados. O Senhor Marques Mendes não sabe estar no lugar que ocupa nem sabe fazer o que lhe é exigido. O Senhor Ribeiro e Castro estaria talvez melhor no posto do Senhor Filipe Vieira, mas não percebe absolutamente nada de combate político. O Senhor Paulo Portas é um pedante insuportável e o Senhor Pacheco Pereira não está para isto, quer é fazer carreira como blibliotecário de Alexandria. Cavaco, entretanto, fez-nos saber por sua cara metade que já deu.
Este lamentável episódio da aparição bolchevique de Maria Cavaco Silva na Visão é de uma vilania incomparável. Para já porque é cobarde. Se a Senhora Presidente e seu Primeiro Cavalheiro assumem enquadrar-se algures entre o zero da convicção política e o infinito da Revolução Francesa, talvez tivesse sido decente que o tivessem dito por altura da miserável feira eleitoral que por desgraçada imponderabilidade histórica os depositou no Palácio de Belém. Não é?
Depois, por todos os deuses do pudor, o Senhor Presidente da República não deve mandar a mulher para a latrina da política, pois não? Não deve usar a sua senhora como pombo correio, não é verdade? O Senhor Presidente da República deve, ele próprio, com perturbações técnicas na transmissão televisiva ou não, falar das suas convições ao tribunal da malta. Ou deve utilizar os seus cães de fila, que os tem bem alimentados, para o deprimente efeito, certo?
A Política até pode viver sem ideias (sobra ainda o produto tecnocrático). Mas seria recomendável que não se lhe falisse também a educação. Afinal, bom senso e bom gosto, mesmo que em pacote, nunca fizeram mal a ninguém.