sexta-feira, agosto 18, 2006

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"Temos que saber. Vamos saber."
David Hilbert - Discurso em Königsberg - 1930

Só posso iniciar este post assim: não percebo nada de Matemática. Sou mesmo um zero grande e até o tal boi infeliz, que proverbialmente condenámos à contemplação ignorante de Versalhes, interpreta uma equação de terceiro grau ou um exercício de cálculo diferencial com mais entendimento do que este vosso criado.
Em todo o caso, o deprimente facto não me inibe o entusiasmo. A Matemática é a primeira ciência e amo-a como qualquer Pitágoras que se preze. Dito isto, adiante.


POR DEUS, UMA CIÊNCIA EXACTA TEM QUE SER EXACTA.

Para um matemático a sério, doi à brava saber que a sua disciplina é uma ciência inconsistente. Quero eu dizer: que não está fechada completamente dentro da sua encruzilhada de lógicas porque, aqui e ali, existem contradições maçadoras e paradoxos inaceitáveis. O caos teima em deixar estigmas sobre o perfeito pensamento humano.
Para um matemático a sério como David Hilbert (1862-1943) este estado corrompido das coisas incorruptíveis não podia realmente continuar. A 8 de Agosto de 1900, na intervenção de abertura do Segundo Congresso Internacional de Matemáticos de Paris, Hilbert demonstra que se resumem afinal e "apenas" a 23, os engulhos indemonstráveis, os abjectos paradoxos, as vergonhosas contracantigas que durante séculos teimaram em desafinar a precisão harmónica, estética, intelectual e científica da Sinfonia do Número.
Para este enorme génio alemão - que atravessou, com a sua centelha, todo o espectro teórico da Matemática - resolvidas fossem estas irritantes charadas e a àlgebra e a geometria, a trigonometria e a lógica, a teoria dos números e o cálculo, os campos todos enfim do saber matemático unir-se-iam em uníssono e uniforme logaritmo de exactidão selada.
Lançado o repto, escusado será dizer que a comunidade científica regressou para os gabinetes das várias academias com uma obsessão missionária, ou melhor dizendo, com 23 seculares enxaquecas. Não é exagerado dizer que a Matemática de todo o século XX está marcada pela tese de Hilbert, muito simplesmente porque o santo homem soube orientar, com ousadia e prosápia, o pensamento científico para as áreas em debate.
Com o tempo, os seus problemas foram sendo, na sua grande parte, resolvidos. Uns revelaram-se depois de importância marginal, outros conduziram o espírito humano para as eloquentes conquistas - e misérias - do século das grandes guerras. O problema (eterno) é que certas soluções tiveram apenas o mérito de Pandora: uma vez reveladas libertavam outros monstros desconhecidos, outras aberrações da lógica sistémica, outros tiques quânticos muitíssimo danosos para a consistência da grande arquitectura de deus.


AS SETE PERGUNTAS-DE-UM-MILHÃO-DE-DÓLARES.

Exactamente cem anos depois e inspirados por essa mítica noite de Paris, os senhores que mandam no respeitabílissimo Clay Mathematics Institute of Cambridge, decidiram criar o prémio Clay, que atribui muito simplesmente um milhão de dólares a quem encontrar solução consistente para um destes sete problemas:

• Conjectura de Birch e Swinnerton-Dyer
• Conjectura de Hodge
• Equações de Navier-Stokes
• P versus NP
• Conjectura de Poincaré
• Hipótese de Riemann
• Teoria de Yang-Mills

Estes são, para a matemática contemporânea, os escolhos que restam no caminho para a paz de espírito. Para sabermos aquilo que devemos saber (leia-se: tudo), há que partir estas pedras.
Dada a natureza apelativa do prémio, esperavam-se resultados e a verdade é que eles estão a chegar. Parece que já temos um campeão, embora esteja a ser um bocadinho difícil encontrá-lo. Mas para contar a história como deve ser contada, comecemos por meter as mãos na matemática propriamente dita.


A CONJECTURA DE POINCARÉ OU "DEVES ESTAR A GOZAR!"

Jules Henri Poincaré (1854 - 1912), matemático, físico e filósofo, provavelmente o último universalista da Matemática, grande mago em óptica, eletricidade, telegrafia, capilaridade, elasticidade, termodinâmica, mecânica quântica, teoria da relatividade e cosmologia, discordava do fundamentalismo de Einstein e foi o primeiro a considerar a possibilidade de caos num sistema determinista. Isto não o impediu porém de perseguir bravamente o bug da incerteza. A inconsistência de que precisava para se irritar encontrou-a nos seus estudos de análise topográfica, em 1905. Por muito estranho que pareça, Poincaré chega à lamentável conclusão que qualquer variedade tridimensional fechada e com grupo fundamental trivial é homeomorfa a uma esfera tridimensional. Hã? Agora em português plano: tudo o que não tem buracos deve ser uma esfera.
Não, não estou a gozar. A mais fina matemática do homem que caminhou nas calmas pela superfície lunar demonstra cruamente que qualquer corpo tridimensional estável e fechado - um cubo, por exemplo - não passa de uma esplêndida bola!
Como é óbvio, o próprio Poincaré foi o primeiro a tentar refutar a sua demonstração, mas debalde. O infeliz génio já tinha libertado mais um monstrinho. No caso, um monstrinho de notável longevidade. E que agora parece entregar a corrupta alma ao aborrecido criador da grande desordem cósmica...


O RASPUTIN DA GEOMETRIA DIFERENCIAL.

Para bem da sanidade mental da terráquea comunidade científica, um alienígena chamado Grigori Yakovlevich Perelman, descobriu a pólvora sagrada e podemos enfim respirar de alívio. Porque se está claro desde sempre e para toda a gente que um cubo não deve ser uma esfera, para os matemáticos só agora se fez luz: a Conjectura do mestre Poincaré sofre de equívocos.
Grigori Perelman, Gisha para os amigos que nem se sabe bem quem são, é um daqueles cromos que justificam bem a iconografia excêntrica atribuída aos sábios. Nascido em S. Petersburgo no ano de 1966, foi um estudante brilhantíssimo, somou prémios e prestígio, doutorou-se na Universidade natal e por lá ficou a cogitar, espantando de vez em quando os seus correlegionários com algumas sentenças de prodigiosa invenção, principalmente no campo da geometria diferencial. É tímido, averso a honrarias, alérgico às tentações materiais e tem a figura chapada de Rasputin, com longos cabelos, barbas intermináveis, unhas por cortar e semblante alienado. Nas horas vagas, aventura-se pelas florestas à procura de cogumelos. É basicamente um eremita muitíssimo esperto e ninguém fazia ideia do que ia naquela cabecinha divina até que, num belo dia de Novembro de 2002 edita na net o primeiro paper do seu "Esboço de uma Prova Ecléctica". A Coisa cai como uma bomba de ácido sulfúrico entre os pares. Em 2003, viaja relutantemente às capitais mundiais da matemática (Princeton, Stanford, Yale, UCLA, and so on), para dar conta do seu trabalho e distribuir os 3 volumes da tese de 1000 páginas de equações abreviadas e prosa esotérica. A sensação é a de um climax operático. As afirmações de Gisha implicam verdadeiras revoluções do pensamento matemático, não por demonstrarem o óbvio (a esfera deve ser uma esfera, o cubo deve ser um cubo), mas pela assombrosa abordagem metodológica e pelo virtuosismo técnico da demonstração em si. Alguns extasiados colegas americanos comparam a beleza absoluta das suas equações à arte de Botticelli. Só para dar ideia do fôlego desta Obra ao Branco, Bruce Kleiner, catedrático de Yale mandatado para explicar aos colegas a demonstração de Gisha, passou os últimos 3 aninhos da sua vida apenasmente envolto na tarefa. Ele e outros consagrados académicos têm vindo a confirmar, passo a passo, a validade da Prova Ecléctica.


ONDE ESTÁ O GISHA?

Candidato óbvio ao milhão de dólares do prémio Clay, contendente fortíssimo à mais prestigiada honraria que os matemáticos são capazes de oferecer a um matemático - a Fields Medal - Grigori Yakovlevich Perelman comportou-se, no apogeu académico da sua vida, de acordo com a sua reputação: chegou, demonstrou, maravilhou a audiência e desapareceu do mapa. Depois da última ronda de conferências nos Estados Unidos, regressou à Mãe Rússia, indiferente aos chorudos convites que choveram, e consta que se demitiu do Instituto Steklov de S. Petersburgo. Não responde aos emails, não se lhe conhece uma morada ou um número de telefone. É evidente que não está para ninguém. Não quer saber de prémios; prefere ir à procura de cogumelos. Não precisa de empregos; faz profissão na floresta. Ao barulho da glória prefere o silêncio do Inverno pátrio, onde ninguém lhe interrompe as intermináveis contas de cabeça.


MORAL DA HISTÓRIA

A Matemática pode não passar de uma charada engendrada por deuses cruéis. Mas, por todos os Números Reais, produz mais heróis épicos que a literatura de Homero!


Fontes:
international herald tribune
wikipedia
history.mcs
clay mathematics Institute