segunda-feira, agosto 04, 2025

Tudo o que sabes está errado. Dois casos de estudo (parte 1).

Um dos problemas centrais daqueles que acordaram subitamente, ou não tão subitamente, para a grande fraude liberal do Ocidente é que quanto mais sabemos sobre a farsa, mais difícil é acreditar seja no que for e seja em quem for.

Com exclusão de Jesus Cristo e dos evangelhos, claro.

Ora, devo assumir que nesta altura da minha vida sou céptico sobre quase tudo o que penso que sei com algum grau de certeza. Que sou céptico em relação às minhas próprias ideias e avaliações sobre qualquer figura política, histórica ou contemporânea.

E trago à conversa dois exemplos que me parecem eloquentes sobre este triunfo da incerteza. O primeiro surgiu através de uma dissertação do Academic Agent (AKA Neema Parvini) sobre a baixa fiabilidade do que sabemos, do que nos foi ensinado, do que nos foi doutrinado sobre... José Estaline.

O segundo refere-se à recente troca de acusações entre Tucker Carlson e Nick Fuentes, que traz à luz detalhes absolutamente chocantes sobre diversas figuras do populismo americano. Mas vamos por partes.

 

É uma chatice, mas aquilo que nos ensinaram sobre Estaline tem muito de pura propaganda.

"Estaline foi um produto do seu tempo, e há diferentes opiniões sobre ele, desde demonizá-lo até reconhecer o seu papel na luta contra o nazismo. A história inglesa tem Cromwell. Ele chegou ao poder durante a revolução e tornou-se um tirano sanguinário, mas os seus monumentos estão por toda a parte no Reino Unido. Napoleão é quase um deus em França. Ele também chegou ao poder após a revolução e não só reinstaurou a monarquia, como se auto-proclamou imperador e levou a França ao desastre nacional. Há muitas figuras como essas na história mundial.
Demonizar excessivamente Estaline é uma forma de atacar a União Soviética e a Rússia. A Rússia mudou radicalmente. Mas é claro que algo ainda permanece nas mentes, mas isso não significa que tenhamos de esquecer todos os horrores do estalinismo, os campos de concentração e a destruição de milhões de seus compatriotas."

Vladimir Putin . 2017

No vídeo em baixo, Neema Parvini coloca diversas reticências à historiografia oficial sobre Estaline, tendo como fundamento do seu revisionismo o trabalho publicado sobre esta matéria por Grover Furr, um professor formado na Ivy League e docente da Universidade de Monclair, especializado em literatura medieval e na Rússia estalinista.

 
Para que não haja equívocos, começo por dizer que, como qualquer regular visitante deste blog sabe muito bem, não tenho qualquer simpatia pela ideologia comunista ou por sistemas totalitários, venham eles de onde vierem. E é claro que eu tenho a certeza que Estaline foi um tipo detestável (é dizer pouco). É claro que eu tenho a certeza que foi um genocida da pior espécie. É claro que é capaz de ter sido, junto com Mao Ze Dong e Adolf Hitler, um dos mais sinistros ditadores da história. Mas acontece isto: não pode ter mandado matar 60 milhões de desgraçados, ou 30, ou mesmo 10, como temos sido constantemente formatados a aceitar como verdadeiro.

E por uma razão muito simples, tão simples que até me deixa irritado comigo próprio nunca ter tido a ideia de a procurar (fi-lo agora):


Este é o gráfico da evolução demográfica na Rússia, desde 1927 até aos dias presentes. A quebra que vemos entre 1940 e 1946 deve-se obviamente aos milhões de russos que morreram na guerra (~20 milhões). O reinado de Estaline prolongou-se entre 1922 e 1953, mas tanto antes como depois da guerra não há quebras demográficas que justifiquem os números abismais que são repetidamente anunciados pelos historiadores. Tanto mais que a Rússia nesse período nunca chegou a ter mais de 120 milhões de habitantes. Qualquer genocídio do género seria inevitavelmente reflectido na curva demográfica.

Além disso, há que considerar que a Rússia estalinista registou números de crescimento económico que em alguns anos atingiram os 10%, e de crescimento industrial de 400%. Como é que é possível, na primeira metade do século XX, em que a mão de obra era imprescindível para o cumprimento destes objectivos altamente ambiciosos, um crescimento assim, se Estaline estava a matar fatias substantivas da população (e, logo, do operariado)?


A questão das fontes, pertinentemente evocada por Parvini e Furr, também deixa muitas dúvidas. Como é que foi propagada a tese do gigantesco morticínio estalinista? Parvini montou um gráfico simplista, mas interessante, sobre esta questão:

Na verdade, tudo começa com Trotsky, que é exilado, como sabemos, por ter uma visão internacionalista do comunismo, enquanto Estaline defendia uma abordagem nacional, que muito jeito lhe deu quando depois foi preciso mobilizar a Rússia para a guerra. Foi Trotsky, já no México, que propagou a imagem de Estaline como um tirano grosseiro, paranóico e genocida. Considerando as divergências ideológicas, a rivalidade pessoal e o ressentimento do exilado, a fonte não tem grande credibilidade (de certa forma, o mesmo acontece com as denúncias de Solzhenitsyn, que derivam da sua dissidência e de ter sido condenado pelo regime ao jugo do gulag), mas foi logo aceite como válida em certos sectores da esquerda bem pensante do tempo, e pela imprensa ocidental, tanto nos EUA como no Reino Unido. 

Depois da morte de Estaline, Nikita Krushchev recuperou essa visão trotskista do ditador russo para proveito próprio, considerando a forma caótica - e maquievélica - como ascendeu ao poder. Nessa altura, a narrativa entrou definitivamente nas academias ocidentais, principalmente por mão de Robert Conquest, um académico que começou por ser membro do Partido Comunista Britânico para depois fazer carreira pela condenação dos horrores do comunismo em geral e do estalinismo em particular.

O problemas é que os números da mortandade estalinista nunca passaram de estimativas, que derivaram das acusações não documentadas de Trotsky e do recurso a dados altamente especulativos, até porque a informação sobre mortos e presos na União Soviética não era propriamente do domínio público, como é óbvio.

Até mesmo a narrativa da grande fome do Holodomor, contada no Ocidente como um acto intencional de Estaline, é hoje abertamente discutida por historiadores como R. W. Davies e Stephen Wheatcroft, que contrapõem que o regime não tinha qualquer vantagem em matar por inanição dez milhões de ucranianos (sendo que mesmo este número tem sido posto em causa por investigações recentes que apontam para 3 a 4 milhões de mortos), e que o cataclismo decorreu de circunstâncias naturais (climáticas e de fertilidade do solo) ou por incapacidade de previsão das consequências da colectivização da propriedade agrícola.

Parvino pergunta-se, a certa altura do seu vídeo, se é plausível que os russos contemporâneos, com Vladimir Putin à cabeça, mantenham apesar de tudo uma imagem moderadamente favorável, ou pelo menos respeitosa, de Estaline, ao ponto de ainda hoje lhe erguerem estátuas. Um homem que assassina 30 milhões ou 40 milhões de compatriotas não pode ser visto por eles como um estadista digno de homenagem. Mesmo considerando o intenso sentido patriótico dos russos e alguma nostalgia que alguns sectores da sociedade alimentam pelas "glórias" soviéticas.  

Outro caso em que há razões sólidas para considerar que o relato que nos chegou da era estalinista é propagandístico refere-se aos famosos - ou infames - Processos de Moscovo. A história que nos foi contada relata uma série de julgamentos de fachada, criados apenas para conduzir ao cadafalso apparatchiks que Estaline considerava indesejáveis. Porém, os arquivos desses processos, recentemente tonados públicos e estudados por Furr, permitem concluir que os condenados conspiravam de facto contra o regime, e correspondiam-se activamente com Trotsky. Ou seja, foram, no quadro legal que imperava na União Soviética do tempo, justificadamente condenados por traição.

Mais uma vez, sublinho que não estou a legitimar um regime que condena à morte os dissidentes políticos. Mas acho que vale a pena percebermos que a versão dos acontecimentos que nos foi apresentada durante décadas é, no mínimo, discutível e, claramente, fruto de uma operação de propaganda. Por muito que nos custe.

O trabalho de investigação de Grover Furr e a análise de Neema Parvini levam-nos mais longe, para uma narrativa diferente do Tratado Molotov–Ribbentrop e até da invasão soviética da Polónia, mas, para não tornar este texto exaustivo, aconselho que os interessados neste assunto façam a sua própria pesquisa e consumam com atenção o vídeo do Academic Agent.

(Continua)