sábado, julho 26, 2014
Encore le Tourture.
No momento em que estou a escrever isto, a 101ª edição do Tour de France tem já definida a sua coroa de glória: Vicenzo Nibali é um ciclista prodigioso que não tem culpa nenhuma que Froome e Contador tenham caído da bicicleta abaixo. Pelo que vi, se Froome e Contador não tivessem caído da bicicleta abaixo, o italiano ganhava na mesma. Para validar esta minha opinião especulativa, basta observar os 36 segundos de vídeo que aqui servem perfeitamente como ilustração da 18ºa etapa (Pirinéus). Vicenzo passa por Nieve como se tivesse um motor a gasóleo instalado na bicicleta, para arrecadar a quarta vitória nesta edição. Quem pedala para cima de três ou quatro Turmalets como se na verdade voasse baixinho e ainda por cima mantém aquela calma de super-herói é precisamente o gajo que vai um dia ganhar a volta à França. Glória para ele e ponto final. Parágrafo.
No momento em que estou a escrever isto, há para aí uns 20 segundos que separam 3 rapazes que não são super-heróis como Nibali é um, mas que lutam bravamente por dois lugares no pódium. Pinot e Péraut, que estão a tentar que os franceses se recordem da sensação de ter compatriotas a lutar por um lugar decente na classificação geral, e o inevitável espanhol, Valverde, que seria quarto classificado em condições normais e que vai ser quarto classificado nas condições malucas em que este Tour tem evoluído.
O início em Inglaterra foi fenomenal: três dias, três milhões de pessoas na estrada (!) e duas grandes etapas, disputadas como se não houvesse amanhã, imprevistas, no balanço.
Logo depois de um dia de transição, já em França, também ele bastante movimentado, veio a quinta etapa que tinha 16 curtos quilómetros em pavée normando, lendário piso de paralelepípedo irregular, estreito e com muita terra, que estilhaçou o pelotão completamente. No fim desse dia, a lista de assistências médicas ultrapassou os 40 ciclistas. Curiosamente, a maior parte deles cairam antes dos sectores em pavée, por causa do mau tempo e da alta velocidade e dos nervos. Um dos que caiu para não se levantar mais foi Froome.
Cinco etapas depois e com o Tour ainda virgem de alta montanha, Contador dá, também, o grande malho. Umas poucas etapas mais à frente, Rui Costa, que tinha feito até aqui uma prova sofrível, abandona, por causa de uma bronquite (versão oficial).
Com bronquite ou sem ela, o cabeça de fila da Lampre nunca esteve à altura das expectativas em geral e da ambição da equipa que liderava em particular. Rui Costa foi uma sombra do atleta que é. Mas, mais preocupante ainda, assistimos a uma recessão do atleta que ele pode ser um dia. Convém recordar que Rui Costa tem ainda a possibilidade de competir uns bons 8 anos ao mais alto nível, porque os vencedores das voltas com três semanas de duração - Giro, Tour e Vuelta - encontram a sua média etária entre os 26 e os 35 anos. O Rui tem 27. Mas a Lampre não é uma equipa promissora (Horner, o americano que deveria proteger Rui Costa e único ciclista de topo na equipa, para além do seu líder, correu muitas etapas como um free lancer) e o campeão do mundo assinou até 2016. Esta é uma fase decisiva na carreira do Rui. Pode dar para a glória. Pode dar para o esquecimento. Tudo vai depender de como o atleta reage à humilhação e de como a equipa o vai proteger. Ou queimar.
O resto do Tour foi uma estória de espanto e oportunidade, porque de repente os dois principais favoritos (e, já agora, o campeão do mundo) estavam fora da corrida e tudo seria, assim, possível. Isto e mais um dia lindo de Tiago Machado, seguido por um dia horrível de Tiago Machado, seguido pela incrível durabilidade-duracell de Péraut (37 anos de idade, seis como profissional de ciclismo de estrada), a magnífica performance em alta montanha do polaco Majca e, claro, o domínio absoluto, total, esmagador e descontraído do monarca Vicenzo I.
Contas feitas: foi mais um Tour verdadeiramente e s p e c t a c u l a r .