sexta-feira, agosto 03, 2007

Photo Sharing and Video Hosting at Photobucket


1. UMA IDEIA DE DEUS

A aranha aventura-se numa velocidade rasteira, pelo alcatrão incendidado. Quer chegar ao outro lado da rua, metade certa do seu universo incerto e, por deus, leva pressa! O asfalto vulcânico queima-lhe a lógica do trajecto (ai, ui, ai, ui, chiça!) e a distância prolonga-se numa eternidade de Odisseia, mas a aranha lá vai, como Livingstone à procura da nascente primordial. Não se detém por coisa alguma, danado bicho com uma causa de travessia. Entretanto, Ulisses passa de mercedes benz e acena um sorriso. Para trás deixa uma vaga sensação de divino e uma aranha esmagada, fundida sobre a escuridão escaldante da estrada.


2. BODY TALK

Para além do umbigo, Cleópatra só desvendou a sua beleza grega perante imperadores romanos. Madalena, mesmo apedrejada, não desnudou o seio e Joana d’Arc nunca mostrou o cú ao inimigo. A Rainha Isabel andou a vida toda com um fecho éclair até ao pescoço (que não a favorecia nada) e Catarina a Grande vestia demasiadas saias para se poder despir convenientemente. Não é por acaso que até a lua, essa velha meretriz, tem um lado escondido. Exibicionistas são as flores. Por isso acalma-te e apaga a luz.


3. PRAIA MAR

O que fazer perante a voz do atlântico, o rugido
da falésia em espasmo, o barulho, o bramido?

Era gajo para ficar até sempre aqui, exilado
entre a fúria do mar e a praia do amado.

Mas o que pensar do azul, o que fazer da disputa
que respira na orla, que grita, que luta?

Era capaz de nascer outra vez para voltar a ter fé
no triunfo do atlântico e na glória da maré.


4. TERRA VERMELHA

Esta terra vermelha que pariu Adão à imagem de Deus, esta terra enrugada, palco da História Universal do Horror, receptáculo cenográfico de delícias e profecias; esta Terra Mãe, esta terra mártir que nos suporta a angústia pedestre, que nos alivia o peso da vida; esta terra queimada, adubada de almas e minérios; esta terra prometida de desertos de dor; esta terra, boa e velha, há-de consumir-nos a todos, no fim.


5. BUDA BAR

Espanta-me a tua metafísica de nenúfar. O teu ponto g é um lago zen, feito perfeito ainda antes da criação. O sorriso de buda abre-se sobre o teu pântano de lilazes e de lótus: deixas de acreditar no tempo e és enfim imortal sobre a decadência celular do cosmos.


6. TOUR DE FORCE

Dia sim, dia não, trepam cinco montanhas à procura das barbas de deus e a ver quem chega primeiro. Êmbolos no pedal e é de zuca, zuca, zuca por ali acima numa alegria de vitaminas e xaropes. Ah glória pedrada e suada, olímpica, sobretudo sobre-humana, de rins à mostra em cima da bicicleta, animal indolente que não quer já sair dali, onde chegou com supremo esforço mecânico de correntes e cremalheiras, insultando Newton a cada torre geodésica que fica para trás no alívio da descida em curva contra curva contra o tempo. Parece que estes homens locomotiva, estes bravos do pelotão, tomam drogas. Ora, que remédio!